As Influências de Carroll

 

No início do séc. XIX, a sociedade Inglesa vivia um período socialmente conturbado e de grande relativismo. A situação é descrita por um ensaísta inglês Walter Pater (1866) nos seguintes termos: "o pensamento moderno distingue-se do antigo pelo cultivo do espirito relativo ao invés do absoluto. A filosofia antiga procurou envolver todos os objectos num contorno eterno, fixar o pensamento numa fórmula necessária e as variedades de vida em tipos ou géneros eternos. Para o espírito moderno nada é ou pode ser correctamente conhecido, a não ser relativamente e sob determinadas condições" (http://www.geocities.com/athens/atrium/2466/nonsense.html)

Também na Matemática se havia começado a questionar e a discutir a verdade até aí inquestionável da Geometria Euclidiana. Não só na comunidade científica mas também entre o público letrado, verifica-se um atitude de descrédito face à  matemática como ciência absolutamente verdadeira. Em simultâneo, surgem novas concepções lógicas que questionavam os postulados existentes. No campo científico-matemático emergem duas novas realidades: as Geometrias Não-Euclideanas e a Lógica Moderna.

Digamos que a crença na consistência e valor absoluto da matemática e da lógica tinha sido abalada tão fortemente que se tornava possível descobrir o non-sense que ameaçava os seus fundamentos.

É neste contexto social, filosófico e matemático que as obras de Lewis Carroll devem ser compreendidas.

Lewis Carroll conseguiu juntar, em Alice no País das Maravilhas e em Alice do Outro Lado do Espelho, dois ingredientes que, aliados, fizeram o sucesso de Alice: o non-sense e a matemática. Estes dois livros infantis abrem a possibilidade de interpretar o mundo dos espelhos, do imaginário e da geometria como manifestação do colapso da sociedade vitoriana, das novidades científico-matemáticas e das novas concepções relativistas. 

 

Tweedledee e Tweedledum

 

O questionamento da existência humana é o tema central destes livros. As constantes mudanças de tamanho de Alice, as suas certezas transformadas em dúvidas, as imagens invertidas e reflectidas, a assimetria figurada no Tweedledum e no Tweedledee são alguns dos aspectos desenvolvidos em Alice e que contribuem fortemente para revelar um clima de incerteza que decorre da crise dos fundamentos da matemática então em curso. Como diz Luís Filipe Lima: "Alice no País das Maravilhas e em Alice do Outro Lado do Espelho não são mais do que reflexos matemáticos do relativismo na era vitoriana"  (http://www.geocities.com/athens/atrium/2466/nonsense.html).

Um filósofo francês, Gilles Deleuze publicou, em 1969, A Lógica do Sentido onde procura questionar a teoria do sentido estabelecida desde Platão, a partir dos jogos de linguagem de Lewis Carroll, das superfícies das cartas de baralhos que não possuem espessura e são figuras espelhadas e invertidas. Segundo Deleuze, as obras de Lewis Carroll sobre Alice constituem a primeira abordagem aos paradoxos do sentido.

 

Humpty Dumpty

 

Um bom exemplo do questionamento proposto por Carroll das regras lógicas pelo nonsense e pelo paradoxo é Humpty Dumpty, o ovo que,  no cimo do muro, tenta manter o equilíbrio. O seu formato oval acaba por se constituir como símbolo da instabilidade e da vertigem. 

Humpty Dumpty também significa o questionamento da concepção axiomatista. Face à "queda dos absolutos matemáticos", o axiomatismo vem defender a lógica dos significantes, a arbitrariedade dos signos, a apropriação da linguagem pelo poder da convenção. Assim se compreende a figura de Humpty Dumpty quando argumenta com Alice que as palavras significam exactamente aquilo que ele "quer que elas signifiquem", por isso importa saber quem manda para que se decida qual o significado que as palavras irão ter. 

É que, se da indecisão todos somos súbditos, na convenção é quem mais pode, quem mais manda, que submete todos os outros. 

 

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt