A Busca de Almada
Em 1918,
Almada Negreiros, Amadeu de Sousa Cardoso e Santa Rita Pintor firmaram um
estranho pacto que esteve na origem da revista Orpheu. O aparecimento da revista, símbolo do movimento
modernista português, desencadeou uma série de ataques aos pintores da nova
geração que haviam chocado a sociedade cultural com tanta ousadia e inovação.
Como escreve Lima de Freitas:
|
"os
guardiões do academismo atiravam à cara dos artistas do Orpheu o
exemplo dos painéis atribuidos a Nuno Gonçalves, então objecto de recente
entusiasmo, comparando acintosamente os pintores do maravilhoso políptico com a
«degenerescência» dos «mamarrachos» saídos das mãos dos nossos «futuristas»."
(Lima de Freitas, 1990, p.27)
|
Mas os pintores futuristas
tomaram a crítica como repto à investigação e desafio pessoal . Nesse
sentido, decidiram:
-
aprofundar o estudo dos paineis de
Nuno Gonçalves com o objectivo de mostrar que a arte foi sempre
influenciada pelo mesmo cânone, isto é, que também havia, subjacente aos
trabalhos de Nuno Gonçalves uma matriz matemática (a geometria grega)
|
"Isto fez precisamente
com que a facção plástica do Orpheu se sentisse e tomasse a peito a
resolução de tratarmos também dos painéis.
(Almada Negreiros cit in Lima de
Freitas, 1990, p.27)
|
|
"Jovens como éramos, esse
pacto foi firmado do seguinte modo: cada um de nós mandou rapar a cabeça à
navalha de barba e as sobrancelhas também."
(Almada Negreiros, ibid)
|
Amadeu e
Santa Rita morreram pouco depois. Almada continuou sozinho a tarefa que se
tinha proposto: o estudo da pintura e da geometria como fonte de conhecimento e
motivação da arte:
|
"Estava
bastante bem informado das tendências de Malevitch, Kandinsky, Paul Klee,
Mondrian, cubistas, enfim, de todas as feições tomadas pela arte moderna
depois da fantástica revolução dos impressionistas. E, por outro lado, pelo
geómetra Hambidge e pelos arquitetos Ernest Mossel e Lund. Simplesmente todos
esses nomes que acabo de citar me tinham francamente elucidado, em arte, da
expressão exacta do movimento impressionista. O movimento impressionista foi um
ponto final e não um ponto de partida - o ponto de partida seria depois do
ponto final (...). Não era exactamente um resultado sobre os painéis a que eu
me acometia, mas exactamente àquilo que buscava a arte moderna depois dos
impressionistas. Isto é, ir ao encontro de um cânone. Eis a razão fundamental
de todo o meu trabalho."
(Almada Negreiros cit in Lima de
Freitas, 1990, p.28)
|
Os painéis
não constituíram o fim da pesquisa de Almada. Serviram antes de pretexto para uma
demanda que durará toda a sua vida em busca do conhecimento sagrado que,
tendo tido origem na
Grécia, permitia teorizar todo o mundo visível, incluindo o mundo da beleza e
da sabedoria.
|
"Almada foi ainda
mais longe - foi à raiz da nossa angústia, da nossa carência, da nossa
incompletude, interrogou o mistério dos princípios, do fundamento mesmo
do que somos, pensamos e sentimos, redescobrindo aí o mito e o símbolo,
bem como a língua «sem opinião» do «Número» e do traçado
geométrico, que fala directamente às potências mais altas do espírito
na sua pristina evidência transverbal, mito, alegoria, símbolo, número
que os antigos utilizaram para transmitir memória, saber, beleza, verdade."
(Lima de Freitas,
1985, p.154-155) |
Atrás
|