Beleza e Sabedoria

 

        A meta do trabalho e da existência de Almada Negreiros era «o cânone». O que implica uma atenção muito particular à natureza do Número.

        Almada via o Número (Numen) como entidade transcendental - figura do mundo das ideias - e não como um mero objecto de cálculo. Lima de Freitas esclarece-nos acerca da perspectiva pela qual Almada Negreiros via o Número:

"Aristóteles, na sua metafísica (III, 5) - que Almada Negreiros cita no opúsculo A chave diz e no Ver - dá a saber que os pitagóricos faziam do Número a Substância e o Ser e que para eles o Número é o Ser em todas as suas categorias, ao mesmo tempo matéria e forma. Da mesma maneira que o Número, não este ou aquele número mas o número universal, é o princípio de tudo, os números, na sua diversidade, são os princípios de todas as regularidades singulares; tal como declara Aristóxenes, «o Número é a inteligiência de todos os números». (...) Filolau, o mais célebre discípulo de Pitágoras, afirma que «sem o Número nada pode ser pensado nem conhecido: o Número ensina-nos tudo o que era desconhecido e incompreensível»."

(Lima de Freitas, 1985, p.161)

      Era na relação com o número que, segundo Almada, se constituíam a beleza e a sabedoria. Beleza que é  tentativa de aproximação ao Numen; sabedoria que toma o  número como ponto de partida.

"sabedoria poética e sabedoria reflectida têm entre elas a fronteira irredutível do número. A sabedoria poética encontra o número, enquanto a sabedoria reflectida é do número que parte.(...) E isto significa que há duas definições de harmonia: uma em que o número é ingénuo e está no mundo da relação, outra em que o número é inteligível e o seu mundo é o da proporção. Ambas são número e separa-as a fronteira irredutível do número, como legítimas representantes que são do Mito e do Logos"

(Almada Negreiros, 1948, p.17)

 

     Almada distingue assim a arte e o saber  como resultado da diferente relação que o homem estabelece com o Número. A arte resulta de uma relação transcendente com o mundo das ideias, o mundo invisível dos seres matemáticos; o saber de um trabalho através de números, instrumentos visíveis de cálculo, disponíveis como reflexos dos seres ideais.

Dei-lhes (aos humanos) o belo achado do número.

Ésquilo

 

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