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O Idealismo
crítico
Na perspectiva de
Descartes, a realidade comporta dois aspectos: o extensivo e o qualitativo. Um
objecto é um corpo que se caracteriza pela extensão, pelo movimento e também por um
complexo de qualidades sensíveis. Mas só a extensão e o movimento têm realidade
objectiva, ou seja, existem independentemente do sujeito. As qualidades sensíveis (som,
cor, odor, sabor, etc) são subjectivas, isto é, só existem na nossa consciência.
Estamos perante uma
gnosiologia que compatibiliza um realismo crítico com um idealismo moderado. Na verdade,
ao afirmar a prioridade do pensamento e do sujeito na ordem do conhecer, Descartes não
reduz o ser ao pensar, não nega a realidade do mundo exterior, nem a sua total
independência em relação ao sujeito. Não adopta, por isso, uma posição do idealismo
metafísico. Bem, pelo contrário, ao admitir a existência de qualidades objectivas
assume uma posição de realismo crítico, uma vez que admite que a extensão é, em si
mesmo, algo de diferente do pensamento.
Nesta ordem de
ideias, Descartes admite a existência de três substâncias:
1- Res cogitans
(espírito): substância pensante, imperfeita, finita e dependente.
2- Res divina (Deus):
substância eterna, perfeita, infinita, que pensa e é independente.
3- Res extensa
(matéria): substância que não pensa, extensa, imperfeita, finita e dependente.
A questão que se
coloca é a de saber por que razão Descartes adopta esta ordem que dá a primazia à res
cogitans e não à res divina. Por que razão é que Descartes, ao contrário de
toda a tradição cristã, não coloca Deus em primeiro lugar?
É justamente a
audácia desta ruptura que faz de Descartes o primeiro filósofo moderno. A verdade
inquestionável, indubitável, não é a da existência de Deus, como foi repetidamente
mantido ao longo de todo o pensamento medieval,, mas a da existência do cogito.
Assim sendo, é a partir da res cogitans que Descartes se propõe demonstrar a existência de Deus. Só depois, num
terceiro momento, é que fica garantida a existência do mundo.
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