O Método

 

    Descartes preocupou-se, desde muito cedo, em formular um método, que permitisse orientar a razão de forma a atingir o conhecimento verdadeiro.

    Já no tempo em que estudou em La Flèche, havia inventado um método para disputar em Filosofia, método esse que fazia lembrar alguns procedimentos utilizados pelos matemáticos. Indo contra o método usado naquele tempo nas escolas, que assentava na lógica aristotélica, Descartes procurou antes orientar-se pelo rigor que a matemática lhe fornecia.

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                                                 Colégio jesuíta da La Flèche

    “(...) todas as coisas podem dispor-se sob a forma de séries, não enquanto as referimos a qualquer género de ser, como fazem os filósofos que as repartiram nas suas categorias, mas enquanto se podem conhecer umas a partir das outras, de tal modo que, cada vez que se apresenta uma dificuldade, possamos imediatamente dar-nos conta se será útil resolver outras previamente, e quais, e em que ordem.”

Descartes, Regras, Reg. 6, A.T., X, 381.

 

    Assentando no conceito de série, temos o conceito de ordem, conceito  essencial no método cartesiano. A ordem permitia hierarquizar os nossos pensamentos,  dos mais simples (dados pela intuição) aos mais complexos (dados pela dedução). É esta a ideia que se distingue na seguinte passagem:

    “A ordem consiste apenas nisto: que as coisas que são propostas em primeiro lugar devem ser conhecidas sem a ajuda das seguintes, e que as seguintes devem estar dispostas de tal modo que sejam demonstradas pelas coisas que as precedem.”

Descartes, Respostas às Segundas Objecções

      Subjacente ao próprio conceito de método está o do conjunto das regras que o compõem. Descartes formulou quatro regras que analisaremos após a leitura de excertos do Discurso do Método onde o filósofo as descreve:

    “O primeiro era nunca aceitar coisa alguma por verdadeira, sem que a conhecesse evidentemente como tal: quer dizer, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção; e não aceitar nada nos meus juízos, senão o que se me apresentasse tão clara e distintamente ao meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de o colocar em dúvida.

    O segundo, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas fosse possível e quantas fossem necessárias para melhor as resolver.

    O terceiro, conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objectos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até ao conhecimento dos mais compostos; e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.

    E o último, de fazer sempre enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que estivesse seguro de nada omitir.”

Descartes, Discurso do Método, II Parte, ed. cit., p. 23.

 

    A primeira destas regras é a regra da evidência. Descartes indica com toda a precisão a necessidade de pôr de lado  todo o conhecimento que não tenha um princípio na evidência. Rejeitando todos os conhecimentos provenientes dos sentidos, da imaginação ou de formulações apressadas (precipitação),  recusando as explicações que lhe haviam sido dadas como certas desde a sua infância (prevenção), aceita apenas aquilo que é claro e distinto, aquilo que não pode ser posto em dúvida, isto é, aquilo que é evidente.

    A segunda regra é a regra da divisão, segundo a qual é necessário dividir cada dificuldade ou problema no maior número de parcelas e estudar cada parcela separadamente. 

    A terceira regra é a regra da ordem. Partir dos factos mais simples e fáceis para os mais complexos. Nesta regra está implícita a dedução como percurso correcto de pensar.

    A última das regras é a regra da enumeração, que consiste numa   espécie de revisão de todo o processo, uma visão global de todos os passos que garante que nada tenha sido omitido.

 

                                                  

 

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt