12 de Outubro de 1956
“...entretanto irrita-me escrever
de forma tão tremida. Isto é devido ao cansaço da minha mão
direita, embora eu desenhe e talhe com a esquerda. Mas a
direita fica de tal maneira sob tensão que
também se cansa.
O efeito de inversão dos prismas é
tão assombroso que vou tentar arranjar alguns (Ernst
tinha-lhe enviado do is prismas e chamado a atenção de Escher
para o efeito pseudoscópico que com eles se pode alcançar).
Tanto quanto tenho experimentado, o mais notável são os
“fundos distantes”... Os ramos mais distantes, no meio da
neblina, aparecem de repente em frente da árvore, quase como
uma névoa mágica. Porque nos choca um tal fenómeno? É
necessário sem dúvida
uma boa parte de espanto infantil. E esse
possuo-o eu em grande medida. O espanto é o sal da terra...”
6 de Novembro de 1957
“A Lua é para mim a alegoria da
indiferença, da falta de espanto que a maior parte das pessoas
têm. Quem se admira ainda que ela ali esteja pendurada no
firmamento? Para a maior parte das pessoas, ela é só um disco
plano ao qual falta de vez em quando um bocado, uma má
substituição para uma lanterna da rua. Leonardo da Vinci
escreveu sobre a Lua... “La luna grave e densa, come sta la
luna?” Grave e densa. Com estas palavras Leonardo expressa
exactamente o espanto ofegante que nos enche quando observamos
este objecto, esta monstruosa esfera compacta que simplesmente paira
ali.”
26 de Setembro de 1957
“Outra vez em casa, depois de uma
viagem de seis semanas e meia num cargueiro, pelo
Mediterrâneo. Foi um sonho ou foi realidade? Um velho barco a
vapor, um barco fantástico com o nome Luna a condizer,
levou-me a mim, indolente passageiro, pelo Mar de Mármara, até
Bizâncio, essa metrópole absolutamente irreal com uma
população de um milhão e meio de orientais a fervilhar como
formigas... depois a praias idílicas com pequeninas igrejas
bizantinas entre palmeiras e piteiras...
Estou ainda sob o feitiço das
vagas fantásticas que vieram sobre mim, sob o signo do cometa
Mrkos (1957). Mais de um mês o segui, noite após noite,
sobre a proa escura de breu do Luna... No brilhante céu
estrelado, com a cauda um pouco curva, ele desdobrava-se
intrépido e admirável.”
l de Dezembro de 1957
“Enquanto escrevo, posso observar
directamente em frente da grande janela do meu estúdio um
cativante espectáculo – executado por um primoroso grupo
acrobático. Estiquei-lhe uma corda, a dois metros da minha
janela. Aqui os meus acrobatas mostram as suas habilidades com
tal mestria e dão cambalhotas aparentemente tão alegres que
não posso tirar os olhos deles.
Os meus protagonistas são
fradinhos, mejengras azuis, chapim palustre, mejengras de
cauda longa e cotovias de poupa. De vez em quando são
afugentados por alguns picanços impetuosos (com costas azuis e
peito cor de laranja) com as suas curtas caudas de apoio e o
bico de picapau. O tímido pintarroxo (em relação à sua própria
família tão intolerante e egoísta como qualquer outro
indivíduo) só esporadicamente ousa bicar um grão, mas
desaparece a toda a pressa, logo que uma mejengra apareça no
comedouro. Ainda não vi nenhum peto-malhado. Normalmente só
vêm mais tarde, no inverno. Os melros simplórios e tentilhões
ficam em baixo e contentam-se com os grãos que caem. E cai uma
boa quantidade. Especialmente os picanços são tão rudes,
indelicados e desordeiros como verdadeiros piratas. Assim,
quando se atiram ao comedouro, há uma verdadeira chuva de
grãos. Todos os anos, as mejengras têm de aprender de novo a
bicar de cabeça para baixo, para assim chegarem aos amendoins,
pendurados por um fio. Primeiro tentam, batendo as asas a
manter o equilíbrio sobre o amendoim, a balançar para aqui e
para ali. Mas, pelos vistos, não podem bicar enquanto batem as
asas ou enquanto bicam não as podem bater. E, por fim, descobrem
que um amendoim se bica melhor com a cabeça pendurada para
baixo...”
(cit. in Ernst, 1978, p.17) |