Controvérsia Newton-Leibniz

   

    No início Newton (1642-1727) e Leibniz (1642-1716) mantinham relações cordiais e na correspondência trocada com amigos comuns elogiavam-se mutuamente referindo-se aos seus métodos como distintos e admiráveis. Como se pode constatar na carta de Leibniz a Oldenburg de 27 de Agosto de 1676:

"(...) Os descobrimentos de Newton são dignos do seu génio. (...) O seu método para determinar as raízes das equações e as áreas das figuras, mediante séries infinitas, difere totalmente do meu. É realmente de admirar a variedade de caminhos pelos quais se pode chegar ao mesmo resultado (...)"

(Leibniz, cit in Babini, 1977, pp. 16,17)

    No entanto, as gentilezas não se mantiveram e já no final desta  mesma carta Leibniz expôs o seu método de forma que Newton consideraria agressiva. Esta atitude desgostou  Newton que em 24 de Outubro de 1676 respondeu a Leibniz através de Oldenburg da seguinte forma: 

" (...) mas a carta do ilustríssimo Leibniz merecia da minha parte uma resposta ampla. Nestas circunstâncias preferi ser mais extenso, pois pensei que não devia interromper com excessiva frequência as vossas tarefas, habitualmente mais agradáveis, com este tipo de escritos bem mais graves. " 

(Newton, cit in Babini, 1977,p. 31)

    Ao longo do tempo as relações tornavam-se piores e cada vez mais pessoas estavam envolvidas no assunto. Por um lado, os newtonianos defendiam que Newton era o inventor do cálculo, por outro lado Leibniz não aceitava o facto de não lhe serem atribuídos também méritos nas suas descobertas. Inicia-se assim a famosa controvérsia sobre a prioridade da invenção do cálculo entre os dois matemáticos.

    Em 1699 o suíço Duillier (1664-1753) realizou o primeiro ataque directo a Leibniz através de um escrito publicado em Londres. Neste escrito Duillier declarou que Newton era o primeiro inventor do cálculo alegando que a excessiva modéstia do sábio inglês podia induzir ao erro.

    Em 1705 apareceu uma recensão na revista  Acta Eruditorum de autoria desconhecida (mas provavelmente de Leibniz) onde se fazia referência aos apêndices da obra Optica publicada no ano anterior:

"(...) Daqui nasceu o cálculo diferencial e o seu inverso, o somatório, cujos elementos foram expostos nestas actas pelo seu inventor G. W. Leibniz.(...).

(cit in Babini, 1977, p.92)

    Em 1708 John Keill (1671-1721) afirmou que todas as dúvidas que existiam sobre a prioridade da invenção eram consequência da aritmética das fluxões, matéria que se tinha tornado famosa na época.  Keill como newtoniano considerou Newton como o verdadeiro inventor e que tal podia ser comprovado lendo as cartas publicadas por Wallis. Keill acusou Leibniz de publicar o método de Newton com outro nome e notação distinta. 

    Leibniz considerou que o acusavam de plágio e como membro da Royal Society dirigiu-se ao seu secretário Hans Sloane numa carta a 4 de Março de 1711. Nesta carta exigia que Keill aclarasse o seu pensamento. No seu pedido Leibniz solicitava também  que  Keill declarasse publicamente que não tinha tido intenção de o incomodar: 

"(...) demonstre que não foi sua intenção caluniar-me, pondo-se assim freio a qualquer outro que me queira lançar acusações semelhantes (...)"  

(Leibniz, cit in Babini, 1977, p.94)

    Nesta mesma carta Leibniz, apesar de muito ofendido, dizia que acreditava que Newton como pessoa consciente daria a sua opinião sobre o assunto. Após, a recepção desta carta a Royal Society tomou oficialmente posição nomeando uma comissão, a fim de estudar toda a documentação relativa à questão da prioridade. Newton como presidente da Royal Society participou nos trabalhos.

    Em Abril de 1712  a comissão pronunciou-se a respeito da controvérsia Leibniz/Keill. A sentença afirmava que Newton tinha sido o primeiro inventor do método. A comissão baseava a sua decisão no intercâmbio de correspondência trocada entre Collins (1625-1683) e Leibniz. A comissão referia também que quem considerava Leibniz o inventor do cálculo desconhecia tal correspondência. A importância desta correspondência prendia-se com o facto que Collins conhecia as descobertas de Newton porque este tinha-lhe dado conta delas por carta. Assim sendo, Newton estava na posse do método quinze anos antes de Leibniz os começar a publicar. Por estes motivos a comissão não considerou que Keill tivesse levantado injúrias e calúnias sobre Leibniz. A Royal Society perante esta recomendação da comissão publicou toda a documentação num livro Chamado Commercicum Epistolicum (1712).

    Como era de esperar esta decisão não agradou Leibniz que declarou prontamente que nem a Royal Society nem Newton tinham feito justiça. Leibniz acusou ainda a Royal Society de ter rasurado documentos que iam contra Newton.

    Em Maio de 1714 Newton escreveu a Chamberlayne advertindo-o que não tinha tido qualquer participação nos escritos de Duillier. Em relação às declarações de Keill Newton disse:

"(...) Há nove anos Leibniz atacou a minha reputação dando a entender que eu tinha tomado dele o método das fluxões. Keill defendeu-me."

(Newton, cit in Babini, 1977,p. 109)

    As acusações reciprocas mantinham-se e em 1715 quando Conti (1677-1748) se encontrava na Inglaterra Leibniz escreveu-lhe felicitando-o por se encontrar em tal país. Leibniz acreditava que podia ser de grande proveito a estada do seu amigo em Inglaterra. Nesta carta Leibniz referiu novamente que naquele país encontravam-se pessoas muito espertas que pretendiam ficar com os méritos de vários descobrimentos. Nesta carta  reafirmou que a sua boa fé tinha sido atacada com interpretações infundadas. O facto de não existirem provas de que Newton o antecedera nas descobertas também foi referido, justificando-o com palavras de um seu amigo:

"(...) Com efeito, como declarou justamente Bernoulli, não resulta de nenhuma maneira que Newton descobriu antes de mim o algoritmo infinitesimal (...)"

(Leibniz, cit in Babini, 1977, P.167)..

    Para mais informações sobre a polémica entre Newton e Leibniz, bem como da diversa correspondência consultar Babini, El Calculo Infinitesimal, 1977. Este livro retrata dois momentos distintos. O período inicial ou período criador, últimas décadas do século XVII, no qual ambos os protagonistas dão conta das suas descobertas e reconhecem os méritos alheios. O segundo período, início do novo século, no qual os matemáticos entram num jogo  de sentimentos em prole de uma prioridade. 

    É de salientar que esta polémica foi muito prejudicial para a matemática em Inglaterra pois manteve-a estagnada. Os estudiosos ocupavam-se, agora de proferir acusações aos seus inimigos.

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