Bibliografia:

Francisco Malta Romeiras (2014), «Das Ciências Naturais à Genética: A divulgação científica na revista Brotéria (1902-2002) e o ensino científico da Companhia de Jesus nos séculos XIX e XX em Portugal», Tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa, pp. 36-99.

O Colégio de Campolide, Lisboa em 1908

O Colégio de São Fiel, Louriçal do Campo

O Colégio de Campolide


A Companhia de Jesus, que tinha sido expulsa dos territórios portugueses em 1759, sob as ordens do Marquês de Pombal e suprimida pelo Papa Clemente XIV em 1773, foi restaurada no nosso país, pelo P. Carlos João Rademaker SJ (1828-1885) com a designação de Missão Portuguesa, a partir de 27 de Setembro de 1858, e oficialmente restabelecida como Província Portuguesa a 25 de Julho de 1880, tendo sido primeiro Provincial o P. Vicente Ficarelli SJ (1820-1891). Com o objectivo de promover uma educação que aliasse o ensino da Religião e da Ciência, Carlos Rademaker fundou o Colégio de Maria Santíssima Imaculada, a 21 de Junho de 1858, na Quinta da Torre, em Campolide, que tinha sido adquirida por 4.000$000 réis ao poeta João de Lemos (1819-1890), filho dos segundos Viscondes do Real Agrado. Este colégio viria a ter um grande impacto na cultura portuguesa, a partir de meados do século XIX, particularmente por ter sido a instituição de ensino pré-universitário responsável pela educação dos jovens pertencentes às camadas mais altas da sociedade portuguesa. O Colégio de Campolide foi, essencialmente, um colégio de elites.Este foi um dos argumentos recorrentemente utilizado pelos opositores dos jesuítas para a sua expulsão. Era essencial para os críticos da Companhia de Jesus que se encerrassem os seus colégios e que fossem expulsas as ordens religiosas dos territórios portugueses. Só desta forma é que era possível impedir que os jesuítas continuassem a exercer a sua influência na educação da nobreza e burguesia lisboetas. De acordo com Borges Grainha, “seguindo as afeições da casa rial, do alto clero, dos chefes políticos e dos funcionários burocráticos de mais elevada categoria, a nobreza e a burguesia que se queria afidalgar honravam-se em mandar seus filhos” para os colégios dos jesuítas, pelo que “com tantos e tais protectores e auxiliares não era para admirar que dentro da monarquia os jesuítas e mais congreganistas progredissem e vivessem seguramente mesmo contra as leis do país”. Para muitos, o Colégio de Campolide funcionava como uma rota de ascensão social.




O Colégio de São Fiel


O Colégio de São Fiel foi fundado, em 1852, pelo padre franciscano Frei Agostinho da Anunciação (1802-1874), com o objectivo acolher crianças órfãs e pobres da região. Natural de Louriçal do Campo, Frei Agostinho tinha sido confessor da Infanta D. Isabel Maria de Bragança (1801-1876), grande benfeitora do colégio. O instituto, que era gratuito, esteve a cargo das Irmãs da Caridade entre 1852 e 1862, altura em que esta Congregação foi expulsa do país na sequência da Questão das Irmãs da Caridade. Foi então que, em 1862, Frei Agostinho se deslocou a Roma, com a Infanta D. Isabel, com o intuito de entregar o colégio à tutela da Companhia de Jesus. O colégio passou a estar sob a alçada dos jesuítas a partir de 1863, adoptando desde então o regulamento do Colégio de Campolide. Para evitar problemas futuros com a propriedade do Colégio de São Fiel, os jesuítas venderam-no por 2.000$000 réis, em 1873 a 3 jesuítas ingleses, Georges Lambert (1821-1882), Ignacius Cory Scoles (1834-1896) e Henry Foley (1811-1891). Esta venda, que garantia ao Colégio de São Fiel a protecção diplomática britânica, sucedia-se à venda do Colégio de Campolide e da Residência do Quelhas ao mesmo grupo de religiosos ingleses. Através de uma doação feita por Maria da Assunção de Saldanha e Castro (ca.1840-1872), os jesuítas portugueses tinham comprado às antigas beneditinas inglesas uma casa na Rua do Quelhas, que venderam posteriormente, ao grupo de jesuítas ingleses, por 2.800$000 réis, a 3 de Março de 1869. No caso do Colégio de Campolide, a venda aos congéneres britânicos efectuara-se no dia 21 de Março de 1873, por 5.500$000 réis, “para que contra qualquer invasão dos modernos inimigos da propriedade a sua posse se conserve incólume para o Colégio”. A preocupação dos jesuítas com a propriedade dos seus colégios e casas em Portugal era de tal ordem que nos dias festivos se ostentava a bandeira inglesa na frontaria do Colégio de Campolide. Depois da morte dos ingleses, os jesuítas portugueses continuaram a empenhar-se em manter o Colégio de Campolide e o Colégio de São Fiel em nome de estrangeiros. Em 1897 passaram a ser oficialmente proprietários do Colégio de Campolide os padres António Cordeiro SJ (1847-1917), José Joaquim de Magalhães SJ (1853-1924) e José Dias Silvares SJ (1857-1929), e Joseph Bramley SJ (1862-1937), que era de nacionalidade inglesa. No caso do Colégio de São Fiel, depois da propriedade ter sido transferida em 1894 para cinco jesuítas portugueses, foram designados, em Dezembro de 1909, como proprietários os padres Arnaldo e José Maria Magalhães. Apesar do P. Arnaldo Magalhães (1870-1953) ter nascido no Rio de Janeiro, Joaquim da Silva Tavares, então reitor de São Fiel, queria também que José Maria Magalhães (1894-1914) se nacionalizasse inglês, para garantir maior protecção diplomática ao instituto de Louriçal do Campo. Em Setembro de 1910, depois de ter sido efectuada esta venda, os jesuítas portugueses pretendiam ainda que o alemão Carlos Zimmermann SJ (1871-1950) fosse designado como segundo herdeiro dos irmãos Magalhães, para o caso de morrerem os dois no mesmo dia e ficar São Fiel sem proprietário oficial. Com o receio de serem novamente expulsos de Portugal, os jesuítas redobravam a cautela com os seus bens imóveis mais importantes e procuraram salvaguardar a propriedade dos seus colégios e residências ao abrigo da diplomacia internacional.

Quando a Companhia de Jesus regressou a Portugal, em meados do século XIX, os jesuítas estavam muito descredibilizados, como resultado da campanha pombalina. Para conseguirem uma maior aceitação da sua presença no nosso país, compreenderam que se tinham de se empenhar activamente no ensino e na prática das ciências. Por esta razão, quando estabeleceram o Colégio de Campolide (1858-1910) e o Colégio de São Fiel (1863-1910), o ensino das ciências teve um

papel destacado. Além disso, em contraste com o que acontecia, na altura, nos liceus portugueses, este ensino tinha uma forte componente experimental. Em paralelo com o investimento no ensino e prática das ciências nos seus colégios, três jesuítas do Colégio de São Fiel fundaram ainda, em 1902, uma revista de ciências naturais, a Brotéria, cujos artigos de zoologia e botânica lhes garantiram os maiores elogios de cientistas portugueses e estrangeiros.