Um dia de
comemorações é geralmente consagrado, em primeiro lugar, a um ponto de vista
retrospectivo, em especial, à memória das personalidades que adquiriram fama
pela sua contribuição para o desenvolvimento da vida cultural. Esta homenagem
amigável atribuída aos nossos predecessores não deve ser desprezada, sobretudo
porque a lembrança dos melhores do passado
estimula o esforço corajoso entre os vivos bem intencionados. Tarefa que
deveria ser feita por alguém que, após a sua juventude, tivesse estado ligado a
este Estado e familiarizado com o seu passado, e não por um homem como eu que
vagueou como um boémio e granjeou toda a espécie de experiências em toda a
espécie de países.
Sendo assim não me resta outra
alternativa senão falar doutras questões que, independentemente do espaço e do
tempo, foram e serão sempre associadas a temas de educação. Nesta tentativa,
não posso pretender ser uma autoridade. Em todos os tempos, houve homens
inteligentes e bem intencionados que se
dedicaram aos problemas da educação e, por certo, expressaram claramente
os seus pontos de vista sobre estes assuntos. A que fontes posso eu, que sou em
parte um profano em pedagogia, arranjar a coragem para expor opiniões que não
têm outro fundamento senão a de uma experiência e convicção pessoais? Se se
tratasse realmente de uma matéria científica, eu seria talvez tentado, por tais
considerações, a manter o silêncio.
No entanto, as coisas passam-se de uma
forma totalmente distinta quando se trata de seres humanos activos. Aqui o
conhecimento da verdade por si só não chega. Pelo contrário, este conhecimento
deve ser continuamente renovado por um esforço incessante se não queremos que
se venha a perder. O conhecimento parece-se com uma estátua de mármore que se
ergue no deserto e que está constantemente ameaçada de ser absorvida pela areia
movediça. Os operários de serviço têm de estar a trabalhar sem quaisquer pausas
para que o mármore continue a brilhar ao Sol de forma permanente.
A escola foi sempre o meio mais
importante para transmitir a riqueza e a tradição de uma geração à outra. Hoje
em dia, isto é mais verdade ainda do que nos tempos passados pois, em virtude
do progresso económico, a família, responsável pela tradição e pela educação,
enfraqueceu bastante. Por conseguinte, a continuação e a saúde da sociedade
dependem hoje da escola de uma forma muito mais intensa do que no passado.
Às vezes, consideramos a escola
simplesmente como um instrumento para transmitir à geração que cresce o máximo
de conhecimento. Não é justo. O conhecimento é algo inanimado, enquanto que a
escola está ao serviço dos vivos. Ela deve desenvolver nos jovens indivíduos as
qualidades e as capacidades que representam um valor para a prosperidade da
sociedade. Mas isso não quer dizer que a individualidade deva ser destruída e
que o indivíduo deva ser reduzido a um simples instrumento para a sociedade,
como uma abelha ou uma formiga. Uma sociedade de indivíduos estandardizados,
sem originalidade pessoal e sem objectivos pessoais, seria uma sociedade pobre,
sem possibilidade de se desenvolver. Ao contrário, o objectivo da escola deve
ser a educação de indivíduos que agem e pensam de uma forma independente e que,
no mínimo, vêem no serviço prestado à comunidade o problema mais importante das
suas vidas. Tanto quanto posso julgar, o sistema das escolas inglesas é o que
mais se aproxima deste ideal.
Mas como é
que devemos proceder para atingir este ideal? Será pregando moral? Nem pensar. As palavras permanecem
sons ocos e o Inferno está ladrilhado de boas intenções. A personalidade não se
forma por aquilo que ouve ou que lhe é dito mas pelo trabalho e pela
actividade. Por conseguinte, o método mais importante para a educação sempre
consistiu naquele em que o aluno é impulsionado para uma actividade real. Isto
aplica-se tanto à criança da escola primária, que faz ensaios para escrever,
como à tese do candidato a doutoramento, como ainda quer se trate de relembrar
um poema, de fazer uma composição, de interpretar e traduzir um texto, de
resolver um problema matemático ou de fazer exercícios de desporto.
Mas, por de trás de qualquer actividade
existe o motivo que está na sua base e que, na altura própria, é reforçado e
alimentado para a realização da tarefa. Aqui encontramos as maiores diferenças,
que representam para a escola um valor educativo da mais alta importância. O
mesmo trabalho pode ter por origem o medo ou a contrariedade, as vontades
ambiciosas para adquirir a autoridade e a distinção, ou o interesse muito vivo
pelo assunto e o desejo de verdade e de compreensão. Pode também ser devido
àquela divina curiosidade que toda a criança saudável possui e que, tão frequentemente,
se enfraquece prematuramente. A influência que exerce a educação sobre o aluno
que executa um trabalho determinado pode ser muito diferente, consoante a
motivação. Este tanto pode ser o medo do castigo, a paixão egoísta, ou o desejo
de prazer e da satisfação. E ninguém poderá defender que a administração da
escola e a atitude dos professores não têm influência na formação do perfil
psicológico dos alunos.
Para mim, a pior coisa numa escola é o
uso de meios que fomentam o medo, a força e a autoridade artificial. Um tal
tratamento destrói os relacionamentos sãos, a sinceridade e a autoconfiança.
Ela produz o sujeito submisso. Não é de espantar que tais escolas sejam a regra
na Alemanha e na Rússia. Eu sei que as escolas do país onde nos encontramos estão
livres deste tipo de males. Isto também se aplica à Suíça e provavelmente a
todos os países que têm um governo democrático. É relativamente simples
preservar as escolas. Deixar à disposição do professor o menor número de meios
coercivos por forma a que a única forma de respeito do aluno pelo professor
sejam as qualidades humanas e intelectuais deste último.
O segundo
motivo que mencionámos, a ambição, ou em termos mais temperados, o desejo de se
demarcar, está solidamente presente na natureza humana. A ausência de um
estimulante deste género tornaria a cooperação humana totalmente impossível. O
desejo de ser aprovado pelos seus semelhantes é certamente uma das forças mais
importantes que serve de ligação à sociedade. Neste complexo de sentimentos, as
forças construtivas e destrutivas estão estritamente interligadas. O desejo de
ser aprovado e distinguido é um motivo são, mas o desejo de ser reconhecido
como melhor, mais forte e mais inteligente que o seu semelhante ou que o seu
colega de escola, leva facilmente a uma acomodação psicológica excessivamente
egoísta, que pode tornar-se prejudicial tanto ao indivíduo como à comunidade.
Por conseguinte, os professores devem evitar usar métodos fáceis de suscitar a
ambição individual para levar os alunos a trabalhar diligentemente.
A teoria de Darwin da luta pela
existência, e a selecção que lhe está associada, foi invocada por muita gente
para autorizar e encorajar o espírito de competição.
Algumas
pessoas também tentaram provar pseudo-cientificamente a necessidade da luta
destrutiva dos indivíduos no campo da competição económica. O que é injusto
pois o homem, que é um animal que vive em sociedade, deve a sua força à luta
pela existência. Tal como num formigueiro a batalha entre as formigas
individuais não é indispensável para a sobrevivência, da mesma forma numa
sociedade humana a batalha entre os indivíduos não é indispensável para a
sobrevivência.
É necessário portanto privarmo-nos de
pregar ao adolescente o sucesso no sentido ordinário do termo. Um homem que tem
sucesso é um homem que recebe dos seus
semelhantes uma parte incomparavelmente maior do que o serviço que lhes possa
ter prestado. Ora o valor de um homem encontra-se naquilo que ele dá e não
naquilo que é capaz de receber.
A motivação mais importante para o
trabalho na escola e na vida é o gosto pelo trabalho, o prazer no resultado e o
conhecimento daquilo que o resultado pode trazer à comunidade. Despertar e
reforçar essas forças psicológicas no adolescente é a tarefa mais importante da
escola. Só uma base psicológica desta natureza pode conduzir ao desejo feliz de
possuir os bens mais elevados dos homens: o conhecimento e a habilidade
artística.
É certamente
mais difícil despertar as faculdades psicológicas produtivas do que usar a
força ou inflamar a ambição individual. Mas o primeiro processo não detém por
certo menos valor. O importante é desenvolver na criança o seu pendente pelo
jogo, o desejo inato de se distinguir dos outros e de se conduzir assim aos
ramos importantes da sociedade. É essa
educação que é, no fundo, baseado no desejo de uma actividade coroada pelo
sucesso e o reconhecimento do mérito. Se a escola conseguir trabalhar com
sucesso tendo em conta estes pontos de vista, ela será fortemente reconhecida
pela nova geração e os trabalhos dados pela escola serão aceites como uma
espécie de dom. Conheci crianças que preferiram o tempo das aulas de Verão
devido a este tipo de orientação das aulas.
Este tipo de
escola exige por parte do professor que ele seja uma espécie de artista no seu
campo. O que é que podemos fazer para que este tipo de espírito seja adoptado
nas nossas escolas? Uma solução universal é tão difícil de encontrar como a do
ideal de homem com um comportamento exemplar. Mas existem alguns requisitos
necessários que podemos encontrar. Em primeiro lugar, é em tais escolas que
estes professores deveriam crescer. Em segundo lugar, deveríamos conceder ao
professor uma grande liberdade para escolher a matéria a ensinar e os
métodos a aplicar para o ensino
dessas mesmas matérias. Pois ao professor resta-lhe o prazer de facetar o seu
trabalho que é morto assim que as forças e pressões exteriores intervêm no seu
trabalho.
Se seguiu atentamente as minhas
reflexões até aqui, ficará provavelmente espantado por uma coisa: alonguei
acerca do espírito com o qual a juventude deveria ser instruída. Mas ainda não
disse nada sobre a escolha dos intervenientes a ser instruídos ou sobre o
método a utilizar para ensinar. Devemos dar prioridade ao ensino das línguas ou
às técnicas científicas?
Eu respondo que tudo isso é, no meu
entender, de importância secundária. Se um adolescente exercitou os seus
músculos e treinou a sua resistência física pela ginástica e a marcha, estará
habilitado, mais tarde, para todo o tipo de trabalho físico. Isto funciona da
mesma forma quando toca ao treino do espírito e dos exercícios que ajudaram a
adquirir uma habilidade mental e manual. Portanto talvez não estivesse errado
aquele grande espírito que definiu a educação da seguinte forma: “A educação, é
aquilo que resta quando esquecemos tudo aquilo que aprendemos na escola.” É por
esta razão que não anseio pôr-me, seja do lado daqueles que são a favor do
ensino psicológico-histórico, seja do lado daqueles que são por um ensino
dedicado preferencialmente às ciências da natureza.
Por outro lado, sinto necessidade de me
afastar das ideias que defendem que a escola deve ensinar de uma forma directa
o conhecimento especializado e as competências que se deverão imediatamente
aplicar mais tarde na vida. As exigências da vida são de uma natureza tão
variada que um tal ensino especializado não é exequível na escola. Para além
disso, parece-me inaceitável o tratar do indivíduo como um instrumento morto. A
escola deve sempre procurar que o adolescente se transforme numa personagem
harmoniosa e não num especialista. Isto é, no meu entender, igualmente verdade
nas escolas técnicas onde os alunos têm de se consagrar a uma profissão
nitidamente definida. O desenvolvimento da capacidade de pensar e de julgar de
uma forma independente deveria figurar sempre na primeira lista de prioridades,
e não a aquisição de conhecimentos especializados. Se um homem domina os
princípios fundamentais da sua disciplina e aprendeu a pensar e a trabalhar de
uma forma independente, fará seguramente o seu caminho e será, entre outras
coisas, mais capaz de se adaptar ao progresso e às mudanças que aquele cuja
educação consiste em adquirir um conhecimento detalhado.
Finalmente, desejo sublinhar de novo
que aquilo que foi aqui dito de uma forma algo categórica não pretende ser nada
de mais do que uma opinião subjectiva, baseada numa experiência pessoal,
adquirida enquanto estudante e professor.
Tradução de Tiago de Freitas Botelho de Oliveira
no âmbito da cadeira “História e Filosofia da Educação” no ano lectivo de
2000/2001. Revisão de Olga Pombo
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