IVAN ILLICH
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Ivan Illich
nasceu em Viena no ano de 1926 e faleceu em Bremen, na Alemanha em Dezembro de
2002. Filho de pai jugoslavo e mãe com ascendência judia, teve de abandonar a
Áustria quando tinha cinco anos. A família mudou-se para Roma, onde Illich completou os
seus estudos: física (Florença), filosofia e teologia (Roma) e doutoramento em
História (Salzburgo). Durante a infância e juventude conviveu com o círculo
de nobres russos que se refugiaram na capital italiana depois de terem saído do seu país
aquando da revolução comunista de 1917. Foi também em Roma que Illich entrou para o seminário (1951), onde teve como colegas muitos dos
futuros diplomatas do Vaticano e onde se ordenou sacerdote. O Cardeal Spellman,
arcebispo de Nova Iorque, convidou-o para seu auxiliar. Por
ser fluente em dez línguas, Illich tornou-se intérprete do Cardeal e teve como
função preparar sacerdotes e religiosas para a comunidade
hispano-americana. Nos anos 60 mudou-se para o México onde criou o Centro
Intercultural de Formação (CIF), com o objectivo de sensibilizar missionários
para trabalhar na América Latina. Na década de 70 foi co-fundador do Centro de
Informação e Documentação (CIDOC), espécie de universidade
aberta, especialmente voltada para os problemas da educação e independência
cultural do Terceiro Mundo, sobretudo da América Latina.
A partir de 1980,
dividiu o seu tempo entre o México, os Estados Unidos e a Alemanha.
Nos últimos anos de sua vida, Illich foi professor convidado de filosofia, de
ciência, tecnologia e sociedade no estado da Pensilvânia, sendo também docente na
Universidade de Bremen onde morreu no dia 2 de Dezembro de 2002.
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Illich é autor de várias
obras, algumas traduzidas em 25 línguas. Nos seus numerosos escritos Illich contesta
muitas das suas
instituições e estruturas sociais existentes.
De entre os seus inúmeros trabalhosdedicados à escola, destacamos: Deschooling Society (1971);
Education without School? (1974), onde desenvolve o tema da
descolarização; Imprisened in
the Global Classrom (1976), em colaboração com Etienne Verne, onde
define os objectivos da educação; Multilingualism and Mother-Tongue Education
(1981) onde destaca a importância do ensino da língua nativa nas sociedades
Indianas. Mais recentemente, Ivan Illich interessou-se pela problemática da
alfabetização: The Alphabetization of the Popular Mind (1981) e
Vineyard of the text (1993).
Outras
áreas da sua obra são Energy and Equity (1974), onde
aborda assuntos como o consumo de energia e os transportes; Medical
Nemesis (1976), Limits to Medicine: Medical Nemensis
- The Expropriation of Health (1977), onde pensa a profissão médica e
os hospitais; Tools for Conviviality (1973), onde
reflecte acerca dos limites do crescimento da sociedade humana; Celebration of Awareness: a call for institutional
revolution (1970); Toward a History of needs (1978) e Shadow Work
(1981). Nas
últimas quatro obras, Illich aborda questões sociais de interesse geral
relativas a
aspectos históricos, económicos e perspectivas futuras.
Para além dos livros, também escreveu vários artigos, em diferentes países,
para revistas
muito conceituadas, como The NY Review; Le Monde; The Guardion; Temps
Modernes; The Saturday Review.
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"É na liberdade universal de palavra,
de reunião e de informação que consiste a virtude educativa"
I. Illich |
Em Educação
sem Escola?, Ivan Illich faz uma análise crítica das instituições educativas actuais e
das suas características e propõe a criação de um sistema alternativo que
rebata a figura da escola na de uma aprendizagem não enquadrada
institucionalmente.
Segundo Illich, o actual sistema
educativo converteu-se num sistema burocrático, hierarquizado e manipulador,
tendo como função primordial a reprodução e o controlo das relações económicas. “Por toda a parte, o aluno é levado a acreditar que só um
aumento de produção é capaz de conduzir a uma vida melhor. Deste modo se
instala o hábito do consumo dos bens e dos serviços, que nega a expressão
individual, que aliena, que leva a reconhecer as classes e as hierarquias
impostas pelas instituições”(Illich,
1974, pp.9). Os alunos estão sujeitos a currículos extensos e repetitivos, dados de forma demasiado rápida e superficial. Os
professores, já habituados a esta rotina, não dão a possibilidade de
aprofundar um ou outro tema que mais interesse os alunos, nem são capazes de
atender às necessidades específicas de cada aluno. A escola passa assim
a ser um local de desigualdades e de conflitos, uma vez que alguns
se adaptarão melhor do que outros.
Segundo Illich, o facto de a escolaridade ser obrigatória
só agrava a situação. Aqueles que não se
conseguem adaptar aos temas curriculares obrigatórios e aos métodos de ensino
vigentes, arrastam-se durante anos na escola, nada aprendem de válido, perdem a
sua auto-estima. Quando
finalmente deixam a escola, os alunos não estão preparados para
ingressar no mundo do trabalho. Assim, deparamo-nos com jovens desanimados e
desapontados, sem grandes perspectivas de futuro. Caso os alunos decidam
abandonar a escola antes de terminarem a escolaridade obrigatória, deparam-se
com problemas ainda mais graves, porque se, com a escolaridade mínima ainda têm a
possibilidade de arranjar emprego mesmo sem formação específica, sem
certificação escolar, ainda que mínima, o emprego torna-se quase impossível, ou então, sujeitam-se a empregos
menos bons e mal remunerados.
Illich defende que, apesar de muitas pessoas
terem já consciência da ineficácia
e da injustiça patentes no sistema educativo moderno, não são ainda
capazes de imaginar alternativas nem de conceber uma sociedade descolarizada. Daí
que se torne necessário"criar entre o
homem e aquilo que o rodeia novas relações que sejam fontes de educação,
modificando simultaneamente as nossas reacções, a ideia que fazemos do
desenvolvimento, os utensílios necessários para a educação e o estilo da vida
quotidiana" (Illich, 1974, pp.6).
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Em alternativa ao actual sistema educativo,
Illich propõe a criação de novas instituições educativas, que permitam "dar
àquele que quer aprender novos meios de entrar em contacto com o mundo à sua
volta" (Illich, 1974, pp.7).
A criação de novas instituições educativas
propostas por Ivan Illich, teria como objectivos principais:
- Permitir a todos aqueles que pretendem aprender o acesso aos
recursos existentes, em qualquer idade;
- Facilitar o encontro entre aqueles que desejam comunicar os seus
conhecimentos e toda e qualquer pessoa que deseje
adquiri-los;
- Permitir aos portadores de ideias novas que se façam
ouvir.
Segundo
Illich, as novas instituições educativas deveriam permitir a qualquer
aluno o livre acesso a toda a informação e a todo o conhecimento que pretendesse
adquirir. Em oposição aos actuais programas escolares obrigatórios
supervisionados pelas instituições, o aluno não deveria ter necessidade de
apresentar
quaisquer credenciais ou currículo anterior para lhe ser facultado esse acesso. De
igual modo, estas novas instituições permitiriam a todas as pessoas a
possibilidade de comunicarem os seus conhecimentos,
tornando-os acessíveis e disponíveis a todos os interessados, com vista a
aumentar e a multiplicar as oportunidades quer de aprender, quer de
ensinar.
Segundo Illich, trata-se de substituir a pergunta: «O que é necessário que se aprenda?», por
«Com que espécie de coisas e de pessoas deve estar relacionado aquele que deseja
aprender?» (Illich, 1974, pp.15)
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Segundo o autor, há quatro espécies de recursos ou Redes, nos quais a
educação se
baseia. A função das novas instituições educativas seria tornar estas redes
disponíveis e acessíveis a todos.
I- Um
serviço encarregue de pôr à disposição do público os objectos educativos,
isto é, os instrumentos, as máquinas e os aparelhos utilizados para a educação
formal.
II- Um serviço de troca de
conhecimentos, uma lista actualizada de pessoas desejosas de fazer
aproveitar os outros da competência própria, mencionando as condições em que
desejariam fazê-lo.
III- Um organismo que facilitaria os encontros entre
pares.
Verdadeira rede de comunicações, registaria a lista das pretensões em matéria de
educação daqueles que se lhe dirigissem para encontrar um companheiro de
trabalho ou de pesquisa.
IV- Serviços de referência em matéria de
educadores que permitiriam estabelecer uma espécie
de anuário onde se encontrassem os endereços dessas pessoas, profissionais ou
amadores, fazendo ou não parte de qualquer organismo.
Segundo Illich, os objectos materiais constituem um recurso
educativo fundamental. O autor enfatiza a importância da utilização e
manipulação, quer dos objectos que são concebidos numa perspectiva puramente
educativa, quer dos que fazem parte da vida quotidiana. Para permitir o acesso a
estes bens materiais, os objectos concebidos com um fim educativo seriam apresentados
em bibliotecas, laboratórios, salas de exposição (museus e salas de espectáculo,
por exemplo); os outros, utilizados nas actividades diárias, em fábricas,
aeroportos, quintas, etc., poderiam ser acessíveis às pessoas que desejassem
conhecê-los durante um período de aprendizagem ou fora das horas de
trabalho.
Na opinião do autor, o Homem encontra-se cada
vez mais afastado da natureza real dos objectos concebidos pela nossa sociedade,
uma vez que desconhece a constituição e o funcionamento da maioria dos produtos
criados pela indústria que utiliza no dia a dia, como é o caso do telefone, ou
de um simples relógio. "Com efeito, as crianças nascidas na era do plástico e
dos especialistas da eficiência, não conseguem transpor certos obstáculos que se
opõem à compreensão dos produtos da técnica moderna” (Illich, 1974, pp.19). Ainda que
tente explorar e compreender esses objectos, é imediatamente desencorajado pela
sociedade e até pelos próprios fabricantes, sob ameaça da sua avaria
irremediável, de eventuais repreensões, ou utilizando vários outros pretextos.
"O homem vive num meio que ele próprio concebeu e este ambiente artificial
vai-se-lhe tornando tão impenetrável como a natureza o é para os primitivos”
(Illich, 1974,
pp.20).
No que respeita aos objectos concebidos com
uma finalidade puramente educativa, como é o caso dos manuais escolares, livros,
microscópios, computadores, etc., o autor considera que o acesso a estes bens materiais é também fortemente condicionado em termos de horários de acesso e de
qualificações exigidas aos utilizadores. Sob o pretexto da sua conservação e
protecção, o acesso aos mesmos é reduzido, retirando-lhes o seu potencial
educativo. Por outro lado, alguns desses objectos, tais como os jogos didácticos
realizados no âmbito escolar, são muitas vezes transformados em torneios,
perdendo assim o seu carácter educativo e lúdico, desenvolvendo, em sua vez, o
espírito competitivo. "É etiquetando todas as coisas, fazendo delas utensílios
educativos, que a escola lhes faz perder a sua virtude viva” (Illich, 1974,
pp.21).
Illich propõe assim uma alteração
das condições de acesso e utilização desses objectos, de modo a tornar
acessíveis o meio físico e os recursos materiais próprios para a educação,
devolvendo-lhes o seu valor educativo.
Segundo Illich, nas cidades modernas, o facto
de as pessoas e, sobretudo as crianças, serem mantidas longe dos centros de
actividades (fábricas, indústrias, etc.), sob o pretexto de que são
particulares, impede o conhecimento e a compreensão dos métodos de produção.
Neste sentido, acusa igualmente as empresas, bem como as entidades ligadas à
investigação científica, de quererem, para seu interesse económico, manter a
exclusividade no que respeita a conhecimentos técnicos e científicos, métodos e
bens de produção, impedindo por isso a sua divulgação e impossibilitando a
partilha de conhecimentos. O autor defende, pelo contrário, o reconhecimento do
valor educativo destes centros de actividade e a permissão de acesso às
respectivas instalações. Illich defende ainda que uma maior participação social
das crianças através do desempenho de cargos na comunidades, contribuiria para o
seu desenvolvimento pessoal, beneficiando igualmente a sociedade no
geral.
"Desapareça o
controle que o sector privado ou as instituições profissionais exercem sobre as
possibilidades de educação contidas nos objectos” (Illich, 1974, pp.33).
Illich defende a existência de um serviço
de troca de conhecimentos cuja função seria permitir o encontro e a reunião de
pessoas que queiram transmitir/receber um conhecimento específico. Essa troca,
segundo o autor, seria baseada na demonstração directa por parte de quem
pretende transmitir determinado conhecimento. São referidos exemplos como a aprendizagem de
línguas, a culinária, a condução, etc. Ao constatar o desaproveitamento de
muitas das pessoas capazes de demonstrar determinado conhecimento,
Illich manifesta-se contra a exigência de diplomas e currículos aos educadores.
"Os diplomas representam um obstáculo à liberdade da educação, fazendo do
direito de partilhar os seus conhecimentos um privilégio reservado aos
empregados das escolas” (Illich, 1974, pp.38). Considera ainda desprovido de sentido
esperar dos educadores que inspirem o gosto de aprender nos alunos, já que
acredita que esse interesse existe em cada um. "A instrução tem de
partir de uma escolha pessoal" (Illich, 1974, pp.21).
Actualmente, de acordo com o autor, não
existe partilha de conhecimentos técnicos por parte do profissional moderno,
pois a especialização e o monopólio da informação são tidos como uma vantagem
competitiva em relação aos demais. Illich defende por isso a criação de centros abertos
ao público, em particular nas zonas industriais, que forneçam certas
habilitações: saber ler, escrever à máquina, aprender línguas estrangeiras,
conhecer a programação, compreender circuitos eléctricos, etc. Propõe ainda um
sistema em que aquele que adquira determinados conhecimentos nestes centros, se
dedique posteriormente à sua demonstração. Para tal, existiriam organismos e
centros de informação encarregues de estabelecer e difundir as listas dos
educadores voluntários e dos educandos interessados e as informações sobre
ambos. "Apareceria uma escola inteiramente nova, constituída por aqueles que
teriam ganho a sua educação partilhando-a com os outros" (Illich, 1974, pp.40).
Na perspectiva do autor, os exames
curriculares utilizados como critério de escolha pelos empregadores, deveriam
ser substituídos por provas práticas de competência, baseadas na demonstração dos
conhecimentos. Desta forma, a selecção do profissional seria não só mais justa,
como também mais eficiente e vantajosa para o empregador. "Basear a escolha, em
matéria de emprego, apenas numa competência demonstrada, por oposição a toda a
discriminação que parta de um currículo educativo" (Illich, 1974, pp.40).
Illich defende a ideia de que "um
autêntico sistema educativo deveria permitir a cada um escolher qualquer
actividade, para a qual procuraria um par da sua força" (Illich, 1974, pp.42). O
termo pares refere-se a pessoas que,
partilhando interesses e aptidões comparáveis, decidem realizar juntas a sua
pesquisa, ou que se unem para se exercitar na prática de uma actividade partilhada.
Esta definição inclui conjuntos de pessoas interessadas em actividades tão
diversas quanto comentar livros ou artigos, praticar determinados jogos,
realizar excursões, partilhar conhecimentos de mecânica, ou qualquer outra
actividade.
Para
permitir a aproximação e o encontro daqueles que, num dado instante, partilham
um mesmo interesse específico, o autor propõe a organização de reuniões
entre crianças desde a mais tenra idade como forma de incentivar a descoberta e partilha de
interesses comuns. Propõe ainda a criação de um sistema, ou rede de comunicação apoiada numa base de
dados informática, onde cada utente procederia a uma inscrição indicando o seu
nome, morada e actividade para a qual pretendesse companheiro(s). As respostas à
respectiva solicitação seriam dadas através do correio ou, nas grandes cidades,
através de terminais informáticos. "Uma tal rede dispondo de recursos
públicos seria o único meio de garantir o
direito de livre reunião e de preparar os cidadãos para esta actividade
fundamental” (Illich, 1974, pp.44). O direito de reunião livre de pessoas, apesar de
ser reconhecido legal e politicamente, é desrespeitado sempre que a lei impõe
determinadas formas de reunião que passam por um recrutamento obrigatório, de
que são exemplo o Serviço Militar e a Escola. Descolarizar passa então pela abolição
dessa obrigatoriedade, ao mesmo tempo que pelo reconhecimento do direito à participação de
qualquer pessoa numa reunião de pares, independentemente da idade ou do sexo. Os edifícios escolares
seriam reconvertidos em pontos de encontro de acesso livre para a reunião dos
pares, criando-se assim um espaço privilegiado para a troca de
ideias.
Illich prevê o surgimento de objecções a
estas redes, nomeadamente por poderem (a) ser consideradas um meio artificial de
contacto; (b) ser menos acessíveis aos pobres, que mais dela necessitam; (c)
constituir uma forma de comunicação impessoal (através dos computadores); (d)
desagradar aos que consideram que qualquer aproximação deve basear-se em
experiências partilhadas e em afinidades profundas. No entanto, ressalva outras
características que considera compensatórias, como a possibilidade
de participação em vários grupos de pares e de reunião de pessoas de diferentes
pontos geográficos capazes de permitir partilhar experiências de vida muito diferentes. Segundo
Illich, este sistema de comunicação poderia
dar origem ao aparecimento de comunidades, ou seja, ao desenvolvimento da vida
comunitária à escala local, em muitos casos desaparecida. A rede de
comunicações permitiria ainda aos cidadãos uma maior independência das instituições
públicas, bem como uma perspectiva mais crítica e livre relativamente aos
profissionais creditados que lhes prestam os serviços, cuja competência não
pode, de outra forma, ser aferida. A troca de informação através das redes de
comunicação, permitiria ao estudante escolher o seu professor, ao doente
conhecer o seu médico, etc.
A ideia base é a de que se os
cidadãos dispusessem de possibilidades de escolha da sua instrução,
aumentaria a procura de especialistas nas áreas do seu interesse. Desta forma, a
descolarização da educação
contribuiria para dinamizar a procura de indivíduos possuidores de uma
competência prática, assegurando a sua independência e, logo, a sua
credibilidade.
Illich
distingue três tipos distintos de competências educativas necessárias ao
funcionamento das redes:
a) administradores
educativos - encarregues de pôr em funcionamento as redes, ou seja, de
garantir a eficiência e permanência das vias de acesso aos serviços
administrativos;
b) conselheiros pedagogos - responsáveis
por guiar estudantes e pais na utilização das redes, isto é, auxiliar a
encontrar o caminho mais apropriado para atingir os respectivos
objectivos;
c) iniciador educativo
- mestre ou verdadeiro guia, encarregue de auxiliar nos caminhos da exploração
intelectual.
As duas primeiras são consideradas como verdadeiras profissões
educacionais, que visam facilitar os encontros entre os seres desejosos de
aprender e aqueles que possam servir-lhes de orientação, permitindo-lhes o acesso
aos objectos educativos. Quanto ao iniciador educativo, ser-lhe-ia exigida disciplina
intelectual, imaginação vasta e vontade de se associar a outras pessoas
para as esclarecer. Neste último caso, estabelecer-se-ía uma
relação de mútua estima entre mestre e discípulo, de onde ambos retirariam
prazer, o que beneficiaria, em muito, a aprendizagem. É para mestre e discípulo
"uma espécie de recreio (em grego scholê), porque esta actividade
contenta-se com ter um sentido para ambos, sem se propor qualquer objectivo
particular" (Illich, 1974, pp.58). Neste sentido, o iniciador educativo tornar-se-ía
numa espécie de pedagogo, uma vez que, ao contrário do professor tradicional,
teria o poder de agir fora da escola, sobre a sociedade
inteira.
Em suma,
para Illich, a defesa do direito de livre acesso aos instrumentos de ensino e do
direito de partilhar conhecimentos e crenças com outros, pressupõe uma revolução educativa
que:
- torne livre o acesso às coisas, abolindo o controle que as
entidades particulares e as instituições exercem sobre o seu valor
educativo;
-
torne livre a partilha das aptidões, garantindo o direito de as
ensinar ou de as demonstrar a pedido;
- torne livre os recursos criadores e críticos dos seres humanos,
restituindo a todo o indivíduo o poder de convocar reuniões ou de participar
nelas;
-
liberte o indivíduo da obrigação de limitar as suas esperanças de
acordo com os serviços que podem oferecer-lhe as profissões
estabelecidas.
"A descolarização da sociedade extinguirá
inevitavelmente as distinções entre a economia, a educação e a política, sobre
as quais repousam a estabilidade do mundo actual e das nações"(Illich,
1974, pp.62).
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Energia e Equidade
A Convivencialidade Inverter as Instituições
Duas tesese gerais organizam Energia e Equidade: a tese de que
a energia é normalmente
mal gasta uma vez que é utilizada em coisas que o próprio
homem poderia fazer com menos custo, e a tese segundo a qual a distribuição de
energia no planeta não é proporcional ao número de habitantes de
cada país. Em A Convivencialidade e Inverter as Instituições,
Illich procura determinar os processos
pelos quais seria possível resolver estes problemas. A
convivencilidade deveria substituir a produtividade, isto é, os bens deveriam
estar ao serviço dos indivíduos e não o contrário. Assim, numa sociedade
ideal, cada um decidiria e faria os seus objectos segundo o seu gosto e imaginação. A
formação dessa sociedade passaria pela inversão das instituições, ou seja,
pelo retirar do poder de decisão às instituições, devolvendo-o às pessoas
que, desta forma, se tornaríam mais independentes e autónomas.
“Na minha análise do sistema escolar assinalei que numa sociedade industrial
o custo do controle social aumenta mais rapidamente do que o nível do consumo
de energia. Tal controle é exercido em primeiro lugar pelos educadores e médicos,
pelas organizações assistenciais e políticas, sem contar com a polícia, o exército
e os psiquiatras. O subsistema social destinado ao controle social cresce a um
ritmo canceroso, convertendo-se para a própria sociedade na razão da sua existência.”
(Illich, 1975, pp.21)
“O homem é o ser consciente do seu espaço vital e da sua limitação no
tempo. Integra ambos por meio da sua acção, a aplicação da sua energia às
circunstâncias concretas em que se encontra. Utiliza para isso instrumentos de
vários tipos, alguns doa quais dão maior efeito às energias metabólicas de
que dispõe e outros lhe permitem descobrir fontes energéticas que são
exteriores ao seu próprio corpo.A energia, transformada
em trabalho físico, permite-lhe integrar o seu espaço e o seu tempo. Privado
de energia suficiente, vê-se condenado a ser um simples espectador imóvel num
espaço que o oprime. Utilizando as mãos e os pés, transforma o espaço,
simples território para o animal, em casa e pátria. Aumentando a eficiência
da aplicação da sua própria energia, embeleza-o. Aprendendo a usar novas
fontes de energia, expande-o e põe-no em perigo em perigo. Para além de um
certo ponto, o uso de energia motorizada começa inevitavelmente a oprimi-lo.”
(Illich, 1975, pp.29)
“No momento em que uma sociedade se faz tributária do transporte, não só
para as viagens ocasionais, mas também para as suas deslocações quotidianas,
torna-se evidente a contradição entre a justiça social e energia motorizada,
liberdade da pessoa e mecanização da estrada. A dependência em relação ao
motor nega a uma colectividade precisamente aqueles valores que se considerariam
implícitos no melhoramento da circulação.” (Illich, 1975, pp.33)
“O homem move-se com eficácia sem ajuda de qualquer aparelho. Faz caminho a
caminhar. A locomoção de cada grama do seu próprio corpo ou da sua carga, por
cada quilómetro percorrido em cada dez minutos, consome-lhe 0.75 calorias.
Comparando-o a uma máquina termodinâmica, o homem é mais rendível que
qualquer veículo motorizado, que consome pelo menos quatro vezes mais calorias
no mesmo trajecto. Além disso, é mais eficiente que todos os animais de peso
comparável. Só o vencem o tubarão e o cão, mas apenas por pouco. Com este índice
de eficiência de menos de uma caloria por grama, organizou historicamente o seu
sistema de circulação, baseado prevalecentemente no trânsito.” (Illich,
1975, pp.69)
“Os homens nasceram dotados de mobilidade mais ou menos igual. Esta capacidade
inata de movimento advoga em favor de uma liberdade igual na eleição do seu
destino. A noção de equidade pode servir de base para defender este direito
fundamental contra toda e qualquer limitação (…). A mobilidade humana é o
único padrão válido para se poder medir a contribuição que qualquer sistema
de transporte se vê restringido, então o transporte faz declinar a circulação.”
(Illich, 1975, pp.73)
“A medicina moderna faz que mais crianças atinjam a adolescência e que mais
mulheres sobrevivam a numerosos partos. Entretanto, a população aumenta,
excede a capacidade de se acolher ao meio natural, rompe os diques e as
estruturas da cultura tradicional. Os médicos ocidentais fazem ingerir
medicamentos às pessoas que anteriormente tinham aprendido a viver com as suas
doenças. O mal que se causa é muito pior que o mal que se cura, pois se
provocam novas espécies de doenças que nem a técnica moderna, nem a imunidade
natural, nem a cultura tradicional sabem como enfrentar.” (Illich, 1973,
pp.17)
“Os sintomas de uma progressiva acelerada crise planetária são evidentes.
Por todos os lados se procurou o porquê. Antecipo, por meu lado, a seguinte
explicação: a crise radica no malogro da empresa moderna, isto é, na
substituição do homem pela máquina. O grande projecto metamorfoseou-se num
implacável processo de servidão para o produtor e de intoxicação para o
consumidor.” (Illich, 1973, pp.23)
“Cada cidade tem a sua história e a sua cultura e, por isso, cada paisagem
urbana de hoje sofre a mesma degradação. Todas as auto-estradas, todos os
hospitais, todas as escolas, todos os escritórios, todos os grandes complexos
urbanos e todos os supermercados se assemelham. As mesmas ferramentas produzem
os mesmos efeitos. Todos os polícias motorizados e todos os especialistas em
informática se parecem; em toda a superfície do planeta têm a mesma aparência...,
ao passo que, de uma região para outra, os pobres diferem. Sob pena de
reinstrumentalizar a sociedade, não escaparemos à homogeneização progressiva
de tudo, ao desenraizamento cultural e à estandardização das relações
pessoais (...). Eu não quero dar receitas para mudar o homem e criar uma nova
socirdade e não pretendo saber como vão mudar as personalidades e as culturas.
Mas tenho a certeza: uma multiplicidade de ferramentas limitadas e de organizações
convivenciais estimulariam uma diversidade de modos de vida, que teriam mais em
conta a memória, ou seja a herança do passado, ou a invenção, isto é, a
criação.”(Illich, 1973, pp.31)
“Uma sociedade convivencial é uma sociedade que oferece ao homem a
possibilidade de exercer uma acção mais autónoma e mais criativa, com auxílio
das ferramentas menos controláveis pelos outros.” (Illich, 1973, pp.37)
“O imposto é um paliativo para os efeitos superficiais da concentração
industrial do poder. O imposto sobre o rendimento tem o seu complemento nos
sistemas de segurança social, de subsídios e de distribuição equitativa do
bem-estar. É até possível que, para além de um certo limiar, o capital se
estatize, ou então se resolva a reduzir o leque dos salários. Mas este género
de controlo do rendimento privado não pode ser eficaz sem um controlo paralelo
do consumo, dos privilégios do indivíduo em razão da sua função de
produtor.” (Illich, 1973, pp.92)
“A
política é a estrutura formal pela qual uma dada sociedade exprime e faz
respeitar os valores que julga dever aceitar. Todas as actuais estruturas
politicas, que os rótilos liberais, marxistas, ou conservadores possuem,
exprimem e impõem a produtividade à custa da convivialidade. Fornecem clientes
às mercadorias em lugar de bens às pessoas. Os consumidores são forçados a
comprar e a utilizar coisas de que não têm necessidade; não lhes permitem
participar, como pessoas autónomas, no processo da escolha e ainda menos na
produção. A proliferação dos produtos é considerada uma finalidade, pois
assegura a expansão do processo de produção.” (Illich, 1973, pp.8 e 9)
“O mundo material é um sistema que tem os seus limites e, por definição, não
pode suportar um subsistema material sem limites. A acumulação inevitável de
resíduos duráveis, numa sociedade onde tudo se consome rapidamente, é uma
coisa tão evidente que não quero insistir sobre ela. Num certo ponto, o meio físico
forjado pelo homem torna-se numa jaula cujo fedor asfixia a natureza.”
(Illich, 1973, pp.15)
“O vício essencial das nossas actuais instituições não é devido a uma má
gestão, nem a uma desonestidade oficial, ou a um atraso técnico. É devido a
uma inversão fundamental das funções respectivas da produtividade e da
convivialidade. Quanto mais eficaz for o director, mais minucioso é o burocrata
e maior é o poder dos instrumentos de que
dispõem. No melhor dos casos e com a assistência dos discípulos de
Ralph Nader, o cliente pode ter a certeza de obter o que o rótulo indica, mas
é certo igualmente que a instituição lhe recusará o direito de ele mesmo o
fabricar. Tal inverção da finalidade das instituições é tão característica
de sociedades em que se diz ao consumidor que é rei, como daquelas em que se
diz ao produtor que ele mesmo dirige as operações. Quanto mais eu contar
normalmente com os produtos de base duma qualidade previsível, menos dependo da
gentileza e da amabilidade duma outra pessoa cuja atenção para comigo pode
surpreender-me.” (Illich, 1973, pp.16 e 17)
“Os actuais programas políticos atraem os seus partidários, propondo um
conjunto de bens e de serviços que a economia deveria fornecer, quando o
partido alcançasse o poder. Cada partido apresenta uma soma diferente das
quantidades mínimas que promete fornecer a cada um e que adapta aos seus votos
prováveis dum grupo particular de eleitores. A plataforma política consiste na
promessa, a todo o cidadão, de fornecer como pedestal uma miscelânea de
produtos tangíveis a impalpáveis que lhe permitirão viver finalmente como ser
humano. A política torna-se assim um processo pelo qual as cidadãos se põem
de acordo sobre o que é insuficiente, deixando indeterminado o montante de
consumo dos recursos públicos que deve ser considerado suficiente (...).”
(Illich, 1973, pp.24 e 25)
“A crise no ensino só pode ser resolvida por uma inversão da estrutura
institucional. Pode ser dominada somente se as escolas actuais, com ou sem
paredes, que preparam e autorizam programas para os estudantes, forem substituídas
por novas instituições, assemelhando-se mais às bibliotecas e aos seus serviços
anexos, que permitem, a quem quiser instruir-se, ter acesso aos utensílios e
aos encontros que lhe são necessários para aprender a realizar as próprias
escolhas.” (Illich, 1973, pp.34)
“Compete ao médico determinar a quantidade de bens de consumo a empregar para
o serviço do doente. Decide como serão combinados, em benefício do
interessado, os hospitais, os medicamentos, a psicoterapia e, se necessário, a
camisa de forças. O que aquele deverá receber será determinado por ele,
quando outra pessoa decidir que é a altura devida. Isto não pode mudar,
enquanto o plano de seguro for concebido para entregar a um cliente o produto
duma industri em crescimento: os produtos, por definição, são
raros.” (Illich, 1973, pp.46)
“As nossas actuais instituições são crateras de alta pressão que, pela sua
própria estrutura, contribuem para a proliferação de profissões e de
para-profissões hierarquizadas. As instituições desejáveis, pela sua própria
estrutura, obrigariam os dirigentes a permitirem a não especialistas
instruirem-se, tratarem-se, mudarem de casa, uns com os outros, com a esperança
de que as pessoas que tivessem participado uma vez numa dessas actividades
especializadas iniciariam outras pessoas nas funções que, provisoriamente, estão
nas mãos dos especialistas.” (Illich, 1973, pp.71)
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"Um programa político que não reconheça
explicitamente a necessidade de descolarização não pode ser considerado como
revolucionário"
Illich
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Ivan Illich é um crítico feroz das instituições existentes. Se é certo que o aparecimento das
instituições se deve às necessidades da
própria sociedade, a verdade é que a sua criação origina problemas e novas
necessidades a
que a sociedade responde com a criação de mais instituições. Instala-se assim um
ciclo que se encontra bem evidenciado, por exemplo, na saúde. A necessidade de
tratamentos médicos está na origem da criação de locais próprios (hospitais) e
da formação
de pessoal especializado em faculdades de medicina. Por sua vez, a existências
destas instituições está na origem da criação de órgãos administrativos que
visam gerir os hospitais e supervisionar o sistema de formação médica. Surgem
então as Direcções Gerais de Saúde por região e os Ministérios da Saúde,
instituições centralizadas que, muitas vezes, não são capazes
de responder às necessidades para que foram criadas. É este também o
caso das instituições que burocratizam a transmissão dos saberes, as forças
produtivas ou a distribuição da energia.
A solução que Ivan Illich propõe passa pala inversão das
instituições. Assim, as actuais instituições deveriam desaparecer e, em seu lugar,
ser criados órgãos que estivessem radicalmente ao serviço de cada indivíduo. Illich exemplifica
detalhadamente este processo no que diz respeito à escolaridade onde propõe
uma verdadeira revolução. Na verdade, ao propor a criação de novas
instituições que permitam a qualquer pessoa adquirir os conhecimentos
desejados, ao seu próprio ritmo, ao considerar que qualquer pessoa pode aprender e ensinar, que
a aprendizagem pode ser efectuada em qualquer local e incluir todos os tipos de
competências profissionais preconiza uma
transformação absoluta, ou mesmo extinção, da Escola tal como ela se tem
configurado.
O que é curioso é que, apesar de as teses de Illich relativamente ao sistema educativo
poderem ser consideradas radicais ou pouco realistas, muitas delas encontram-se hoje parcialmente concretizadas, pelo que é de reconhecer neste
autor um certo carácter visionário. Com efeito, a internet, de uso cada
vez mais frequente e tida como indispensável nos dias de hoje, assemelha-se em muitos
aspectos às redes de informação e comunicação propostas por Illich, já que
permite ao indivíduo o livre acesso a toda a informação que pretenda adquirir
sobre os mais variados assuntos, bem como o contacto entre pessoas de diferentes
pontos geográficos que partilhem determinado interesse. De igual modo, o recente
reconhecimento da importância das escolas profissionais e politécnicas e
a valorização dos cursos profissionalizantes, vêm de encontro ao ensino de
carácter mais prático e profissionalizante defendido por Illich. Não obstante, a nossa sociedade continua, de
uma forma geral, assente na instituição Escola que, de algum modo, alicerça a
estrutura e a estabilidade económica e social do mundo actual. Esta
escolarização profunda situa-nos longe do grito de libertação preconizado por Illich.
***
Estamos parante um programa que, se é certeiro no que respeita à denúncia
do sistema de valores do mundo industrializado e ao vazio ideológico da
sociedade moderna, não deixa se poder ser acusado de simplista e utópico. Na
verdade, “ao considerar a
industrialização e a burocratização das sociedades como a causa e não como o
sintoma da distribuição do poder económico e político, Illich parece reduzir
todos os problemas políticos a questões administrativas” ( Navarro e Gintis,
1979, p.103). Por exemplo, para perceber o consumo na sociedade
capitalista há que partir do próprio sistema de produção e não, como faz Illich,
pensar os valores de consumo como aberrações produzidas por uma sociedade
manipuladora. Por outro lado, e ainda de acordo com
Navarro e Gintis, se Illich está certo ao afirmar que o ensino reproduz as relações sociais e que o ensino público de massas se converteu num sistema burocrático,
hierarquizado e autoritário, daí não se pode concluir
que a função principal da escol seja a reprodução social. Em suma, segundo Navarro
e Gintis,
o mérito de Illich está em reconhecer que os problemas das sociedades
industriais desenvolvidas são problemas institucionais e que as suas soluções
devem ser procuradas no próprio seio da sociedade. No entanto, com a
sua recusa do
trabalho, porque é alienante; do consumo, porque não traz satisfação; das instituições, porque são manipuladoras;
da
grande produção, porque é burocrática; da escola, porque é desumanizante; da vida política, porque é
opressiva e ideologicamente totalitária, Illich não chega a superar uma concepção do mundo
individualista e utilitarista que se inscreve no modelo capitalista de laisser-faire e de self-service, não contribuindo, como
pretendia, para alterar o actual estado de coisas.
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Illich, I. (1973). A Convivencialidade. Lisboa:
Publicações
Europa-América.
Illich, I. (1974). Educação sem Escola?
Lisboa: Editora.
Illich, I. (1975). Energia e Equidade. Lisboa: Sá
da Costa, 1ª edição (cadernos livres nº.7)
Illich,
I. (1973). Inverter as Instituições. Lisboa: Moraes Editores.
Gintis, H. e Navarro, V. (1979). Sobre o Pensamento de
Ivan Illich. Porto: Nova Crítica.
Ramos,
M.S. Uma morte e um vírus. Jornal do Fundão - 20 de Dezembro de
2002.
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Trabalho realizado no âmbito da cadeira História e Filosofia da Educação
no ano lectivo 2002/2003 por Filipa
Margarida Daniel Gonçalves, Cristina Sofia Rosa da
Silva e Alice Maria Rodrigues Nunes |