A biblioteca escolar
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Mas, antes de mais, algumas passagens de um
texto delicioso de U. Eco intitulado, justamente, De Bibliotheca (1993),
aqui citado a partir da edição portuguesa: A Biblioteca,
trad. port. de M.L.Rodrigues de Freitas, Lisboa: Difel, 1994). |
"Um dos mal-entendidos que dominan a noção de biblioteca é o facto
de se pensar que se vai à biblioteca pedir um livro cujo título se conhece.
Na verdade, acontece muitas vezes ir-se à biblioteca porque se quer um livro
cujo título se conhece, mas a principal função da biblioteca, pelo menos a
função da bilioteca da minha casa ou da de qualquer amigo que possamos ir
visitar, é de descobrir livros de cuja existência não se suspeitava e que,
todavia, se revelam extremamente importantes para nós" (op. cit., pp.
28-29)
"Usar a biblioteca é uma arte por vezes
subtil. Não basta o professor na escola dizer "como estão a fazer este
trabalho de investigação, vão à biblioteca buscar o livro". É
preciso ensinar os jovens como se usa a biblioteca, como se usa um visor para
microfichas, como se usa um catálogo, como se dscute com os responsáveis da
biblioteca se não cumprirem o seu dever, como se colabora com os
responsáveis pela biblioteca. Num caso extremo, quero dizer, se a biblioteca
não devesse ser p+otencialmente aberta a toda a gente, haveria que instituir
cursos, tal como acontece em relação à carta de condução, cursos de
aprendizagem do respeito pelo livro e da maneira de consultar o livro"
(op.cit., p. 40)
Eis, em síntese, o "modelo negativo, em
dezanove pontos, de uma má bibloteca" apresentado por U. Eco
- "Os catálogos devem estar divididos
ao máximo (...)
- Os temas devem ser decididos pelo
bibliotecário (...)
- As cotas devem ser intranscritíveis e, se
possível, em grande quantidade, de modo a que o leitor que preencher a
ficha nunca tenha espaço para escrever a última denominação e a
considere irrelevante, para que, em seguida, o funcionário lhe possa
devolver a ficha para a preencher novamente
- O espaço de tempo decorrdo entre o pedido
e a entrega do livro deve ser muito longo
- Não se deve dar mais do que um livro de
cada vez
- Os livros entregues pelo funcionário por
terem sido previamente requisitados não podem ser levados para a sala de
consulta, isto é, há que dividir a própria vida em dois aspectos
fundamentais, um para a leitura e o outro para a consulta. A biblioteca
deve desencorajar a leitura cruzada de varios livros porque provoca o
estrabismo
- Deve existir de preferência, uma ausência
total de máquinas fotocopiadoras ; no entanto, se houver alguma, o acesso
a ela deve ser muito demorado e cansativo, os preços superiores aos da
livraria e os limites de cópias reduzidos a não mais que duas ou três
págunas
- O bibliotecário deve considerar o leitor
como um inimigo, um vadio (senão estaria a trabalhar), um ladrão
potencial
- Quase todo o pessoal deve ser afectado por
perturbações de ordem física (...)
- O departamento consultivo deve ser
inatingível
- O emprétimo de livros deve ser
desencorajado
- O emprétimo de livros entre bibliotecas
deve ser impossível e, em todo o caso, deve demorar meses (...)
- Em consequência de tudo isto, os
furtos devem ser facílimos
- Os horários devem coincidir absolutamente
com os horários de trabalho (...)
- Não deve ser possível restaurar as
forças dentro da biblioteca, de maneira nehuma e, seja como for, também
não deve ser possível restaurá-las fora da biblioteca sem primeiro se
terem depositado todos os livros requisitados, a fim de terem de ser
novamente requisitados depois de se ter tomado um café
- Não deve ser possível voltar a encontrar
o mesmo livro no dis seguinte
- Não deve ser possível saber quem levou
emprestado o livro que falta
- De preferência, nada de sanitários
- O ideal seria que o utente não pudesse
entrar na biblioteca; admitindo que entre (...), não deve, nem nunca
deverá, à excepção das rápidas travessias da sala de leitura, ter
acesso aos penetrais das estantes" (op. cit., pp. 16-23).
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