Os textos

Os temas

Bibliografia

 

 

 

Elementos recolhidos por Patrícia Maria Alves Ramalho, licenciatura em Ensino da Matemática, no ano 2005-2006, na cadeira de História e Filosofia da Educação leccionada na FCUL por Olga Pombo

 

Os textos

Os antigos manuais escolares eram “especialmente elaborados pela Direcção – Geral do Ensino Primário, tendo em conta as necessidades culturais e profissionais dos meios populares”. Um exemplo desses manuais é o Livro da Terceira Classe, Ed. Domingos Barreira, 4ª Ed., 1958 , em uso durante décadas. O livro era constituido por 112 textos dos quais  apresentamos alguns excertos.

O estudo dos textos fazia-se de acordo com um sistema fixo. O mestre-escola determinava qual a lição que seria estudada no dia seguinte. O aluno ficava com a obrigação de, em casa, preparar a lição . Esta preparação era realizada segundo critérios previamente definidos: a leitura do texto, a cópia e, por fim, copiar e escrever cinco vezes as palavras mais complexas. No dia seguinte, na sala de aula, fazia-se a leitura conjunta. Cada aluno lia uma parte do texto. Passava-se depois à interpretação e análise do conteúdo. Depois, havia ainda o ditado. Cada erro que o aluno cometia correspondia a um castigo, por exemplo, repetir as palavras um número de vezes correspondente à gravidade do erro em questão.

Os temas

A família A pátria O trabalho O mundo A escola

A família

 Quer nos textos em prosa, quer nos textos em verso, a família é sempre altamente valorizada. Apresentando-se como o simples relato das variadas actividades domésticas, a imagem da familía que é veículada é altamente idealizada. A família é tendencialmente rural, remediada ou mesmo com dificuldades económicas, coesa e eminente sacrificial no seu funcionamento e intentos. No entanto, ela é  o lugar próprio para o desenvolvimento da criança, a fonta da sua segurança e conforto. O lugar também onde a criança se deve aperceber de realidade em que está inserida. A posição da criança na família é a de uma extrema dependência.  Ela está  em  divida permanente para com os seus pais. Dívida que deverá saldar quando mais tarde a situação se inverter, isto é, quando forem os pais a ficar na dependência dos filhos.  

Texto

Excerto

Página
De que se faz o nosso vestuário E sabem ainda os meninos quanto suam os seus pais para ganharem o dinheiro com que se compra o vestuário, os dias e noites de vigília e canseira de suas mães para poderem trazê-los com o fato apurado e limpo?" 55, 56
O bom filho Só o José. o mais novo, ficara, fiel no seu amor ao pai cada vez mais carregado de anos e mais triste […]E quando, depois da ceia, ambos se foram deitar, quem os espreitasse poderia ver: o pai, a dar graças a Deus por lhe ter dado aquele filho, e o filho a pedir a Deus saúde e vida para poder olhar pelo pai." 181, 182

O pai é retractado como a figura da autoridade. Os filhos devem-lhe respeito e obediência. A sua função é a de adquirir meios de subsistência. A nível de conhecimentos está a par com o mestre (professor). O pai é apresentado ainda como um juiz. É ele que premeia ao bons e castiga os maus comportamentos.  O pai é ainda um modelo de vida futur. 

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A vida no campo “Manuel António, extasiado e pondo os olhos no pai, sentia crescer lá dentro de si uma grande vontade de ser lavrador.”  12
O meu pai "Amo o meu Paizinho como não amei, não amo, não amarei mais pessoa alguma a não ser a minha Mãe. Amo o meu querido Pai. Sempre... amá-lo-ei … e sempre lhe darei com grande enternecimento um grande beijo de infinito agradecimento por todo o bem e sacrifícios que por mim tem feito; e desde manhã até que me deito" 30
Os movimentos da terra "O pai acrescentou: - Agora, para terminarmos por hoje, quero que me digas, se te recordas, para que lado parecem correr as coisas, quando viajamos de automóvel ou de comboio. - É como se corressem ao contrário de nós. - Pois também se dá o mesmo com o Sol. A Terra move-se de ocidente para oriente, e nós temos a impressão de que é o Sol que se move em sentido contrário, de nascente para poente. Percebeste? - Muito bem, e gostei muito do que hoje me disse - concluiu o Raul." 99, 100
Os astros "Eu já, senhor Professor. Foi meu pai quem me ensinou a conhecê-la uma vez que fui com ele, de manhã cedo, para a lavoura. Mas parece-me que lhe deu outro nome... - Devia chamar-lhe talvez a «estrela boieira» ou «estrela do pastor», que é assim que o povo lhe chama." 109, 110
A trovoada "- E por que é que há trovoadas, Pai? - Isso também é muito interessante, mas aprendê-lo-ás mais tarde." 136, 137

Sendo exclusivamente doméstico o seu trabalho, a mãe é o símbolo da vida, das virtudes e das graças. À mãe cabe o acompanhamento e estímulo do sucesso escolar dos filhos. A caracterização remete para uma imagem terna e plangente. Tal como o pai, serve de modelo para as filhas, que a substituem nas funções que lhe são específicas e exclusivas.

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Os anos da mãe "Que alegria houve na família no dia em que a senhora Maria do Rosário fez anos!... Os filhos, [...] quiseram mostrar-lhe quanto a amavam. Pediram em comum a Deus pela saúde e vida de quem tanto por eles se sacrificava. [...] Louvado seja o Senhor! - dizia ela de si para si. Os filhos que Ele me deu continuam a ser a minha maior alegria." 9
Orgulho de mãe "Pois eu, com tanto trabalho e tantos folhos sinto-me muito feliz, minha senhora. É a vida das mulheres casadas cá da nossa aldeia.  Os filhos e as canseiras que eles nos dão é que são a nossa riqueza. É por eles que nós somos felizes" 43

Os outros familiares são extensões das figuras da mãe e do pai. As tias, por exemplo, surgem com focos de sentimentalismo, propondo às sobrinhas jogos adequados. Os avós, sempre apresentados como idosos e relacionados com a lareira, dependentes, oferecem aos netos apenas adivinhas e histórias. As relações com os irmãos decorrem sob o signo idílico da abnegação e da gentileza com funções bem diferenciadas.

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A higiene da casa "Quando os homens chegam a velhos, é frequente ouvi-los dizer assim: - Não há bem como a saúde; mas a gente só sabe o que ela vale, depois de a ter perdido para sempre. Eu, se agora começasse a viver, havia de ter mais cuidado. Lembram-se então, quando já não há remédio, do mal que fizeram em não tratar da saúde. Muitos nem precisam de chegar à velhice, para se sentirem gastos e doentes." 66
À Lareira "Escutando e olhando o lume brando, as avós vão cismando... E os netinhos dormindo, sonham, sorrindo, quanto sonho lindo!" 113

 

A pátria

Os textos esforçam-se para veicular a ideia de Pátria. Assim se compreende que o título do primeiro texto do livro da terceira classe seja justamente "A Pátria". A valorização dos heróis de outrora é uma preocupação constante. À nacionalidade está articulada uma simbologia forte, como a bandeira nacional, o hino nacional, os monumentos, as cidades e a riqueza, ligada sempre às conquistas feitas por Portugal e conseguidas pelos heróis. 

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A Pátria "Menino, sabes o que é a Pátria? A Pátria é a terra em que nascemos, a terra em que nasceram os nossos pais e muitas gerações de portugueses como nós. É nossa Pátria todo o território sagrado que D. Afonso Henriques começou a talhar para a Nação Portuguesa, que tantos heróis defenderam com o seu sangue ou alargaram com sacrifício de suas vidas. É a terra em que viveram e agora repousam esses heróis, a par de santos e de sábios, de escritores e de artistas geniais. A Pátria é a mãe de nós todos - os que já se foram, os que vivemos e os que depois de nós hão - de vir. Na Pátria está, meu menino,  a casa em que vieste à luz do dia, o regaço materno que tanta vez te embalou, a aldeia ou a cidade em que tu cresceste, a escola onde melhor te ensinam a conhecê-la e a amá-la, e a família e as pessoas que te rodeiam. Na Pátria estão os campos de ricas searas, os prados verdejantes, os bosques sombreados, as vinhas de cachos negros ou cor de ouro, os montes com suas capelinhas brancas votivas. A Pátria é o solo abençoado de todo o Portugal, com as suas ilhas do Atlântico (Açores e Madeira, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe...), as nossas terras dos dois lados da África, a Índia, Macau, a longínqua Timor. Para cá e para além dos mares. é nossa Pátria bendita todo o território em que, à sombra da nossa bandeira, se diz na formosa língua portuguesa a doce palavra Mãe!" 5, 6
O castelo de Guimarães " Todos os nosso castelos têm a sua história ou a sua lenda, em que sobressai a figura de um herói. Ao castelo de Guimarães anda associado o nome do primeiro rei de Portugal." 13, 14
D. Afonso Henriques " Quando começou a governar, D. Afonso pensou logo em dar realidade a duas grandes aspirações: fazer do Condado um reino independente, e alargar o território por conquistas feitas aos mouros" 19
O que dizem os nossos monumentos

"A História de Portugal não se estuda só nas páginas dos livros. Há por todo o País monumentos sem conta a atestar o valor dos nossos antepassados. Alguns são tão antigos que a memória da sua fundação se perde na noite dos séculos. Muitos outros, mais modernos, são padrões vivos da nossa fé, ou recordam factos de que todos os portugueses justamente se orgulham. Uns são imponentes e majestosos, verdadeiras maravilhas de arte, admirados por nacionais e estrangeiros. Outros são modestos e singelos, que falam especialmente à nossa devoção patriótica. Temos castelos antigos, testemunhas das lutas dos primeiros tempos da nacionalidade"

37, 38
Conquista e descobrimentos "As actuais colónias portuguesas são pequena parcela das imensas terras que conquistámos ou descobrimos." 91, 92
Camões "Luís de Camões é o grande génio da nossa história literário.[...] Mas a obra que o celebrizou para todo o sempre é o poema incomparável que canta as glórias da Pátria, são Os Lusíadas, a epopeia dos Portugueses." 153, 154, 155
O significado da nossa bandeira "A bandeira começou por ser um sinal de guerra, uma voz de comando e um grito de triunfo." 157, 158
As cores da bandeira nacional " Por ocasiões das festas centenárias, um aluno, vendo pintadas com várias cores as bandeiras de Portugal, perguntou ao professor como é que a bandeira portuguesa, mudando de cor através dos tempos, ficava sempre a nossa bandeira." 179, 180
O Hino nacional "A portuguesa é o hino nacional. Ouvimo-lo em dias tristes? - O coração ganha logo coragem, e aumenta a nossa fé no engrandecimento da Pátria imortal" 183

O trabalho

O trabalho rural é a actividade por excelência nos textos do livro da terceira classe. A pastorícia, é vista com um tom que varia entre o lírico e o épico. A colheita, a monda, a ceifa, a vindima são apontadas com actividades felizes e, por isso, sempre acompanhadas de cantorias. Existem muito poucas referencias às actividades técnicas.

O trabalho artístico quase não é referenciado. Nenhum dos nomes da escultura ou pintura da época é apresentado nestes textos. Também a musica é reduzida ao contexto da actividade rural. Quanto às actividades literárias, aparece Camões como referência importante,  símbolo da cultura nacional. O trabalho intelectual não é tido em conta e quando surge é articulado com as industrias de construção civil e têxtil e da produção de energia eléctrica.

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As mondas " Ranchos de raparigas alegres, muito amigas de cantar, andam no meio das searas, debruçadas sobre a terra, a arrancar as ervas ruins, para o trigo poder crescer à vontade. É o trabalho da monda. [...] Todo o trabalho é assim: dá saúde e alegria, mormente o que se faz ao ar livre" 15
Os rebanhos " Depois de seca a orvalhada, o pastor tira a cancela que serve de porta ao bardo, e o rebanho lá vai para a pastagem. [...] À tardinha, depois de todas as ovelhas terem entrado, fechou-se de novo a cancela do bardo. São mungidas as ovelhas, e o leite é guardado na ferrada para se fazer o queijo." 39, 40
As ceifeiras " Quando o trigo e o centeio estão maduros, é preciso ceifá-los e levá-los para as eiras. Esse trabalho, nas serras aonde não chegam as máquinas modernas, é feito pelos ceifeiros." 57, 58
As vindimas " As vindimas são o trabalho mais alegre das fainas agrícolas. Homens e mulheres entram nos vinhedos com redobrada alegria" 73

O mumdo

O mundo é o mundo rural. Nele habitam animais sempre  pensados na sua possível rentabilidade. Ou são considerados como produto útil e, nesse caso, devem ser estimados, ou, se não tem utilidade, devem ser destruídos.  As abelhas são exemplo de utilidade, devido à produção do mel e servem de modelo quanto ao trabalho colectivo. Os passarinhos são considerados os mais amáveis dos seres vivos e frequentemente comparados com as virtudes e o ambiente familiar. As borboletas porém são apresentadas como culpadas de delito e de dissimulação. Relativamente à vida vegetal existe uma glorificação das belezas encontradas nos prados e nos campos. As flores encontram-se associadas à imagem feminina e o seu cuidado é da responsabilidade das meninas.

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A Raposa "De olhar vivo, de focinho agudo, orelhas espetadas e cauda comprida, a raposa ladina é notável pela sua astúcia.[...] Como é muito manhosa e resoluta, inventa facilmente os processos de apanhar as suas vítimas, e atira-se a elas sem medo. Anda,  porém, com toda a cautela, sem fazer ruído, para não se denunciar. [...] Assalta frequente mente as capoeiras para se deliciar com à carne de galinha, de pato ou de peru. Da pele da raposa, depois de convenientemente preparada. fazem-se abafos para senhoras e casacos de elevado preço. Por isso,  é muito procurada pelos caçadores." 10
O lobo "O mais feroz animal que se encontra no nosso País. [...] gosta muito derrubar alguma ovelha, ou carneiro, para os seus banquetes. [...] O seu maior inimigo é o cão de guarda, já experimentado em inutilizar as manhas de que o lobo costuma servir-se para aludir a sua vigilância e a do pastor. Quando consta que os rebanhos andam a ser muito atacados pelos lobos, organiza-se caçadas para os dizimar." 16
A borboleta "São as rosas seus amores, e lá anda p'lo jardim; Ai viver com ela, assim, com o sol e com as flores, quem me dera a mim, a mim" 21
O cão  " É bom amigo, bom companheiro, é valente, fiel, verdadeiro, leal, serviçal, e tem bom coração. [...] Que seria o cego, coitadinho, sem o seu guia, sem o carinho daquela dedicação" 41, 42
O destino da árvore " E depois? O que serei ? Um navio para o mar? Um simples carro de bois para o trigo transportar? Um grande portão de quinta? Uma trave de lagar?" 67, 68
A oliveira "Ó linda e bela oliveira de velho tronco cinzento, quando por ti perpassa e esvoaça o vento, as tuas folhas cantam-nos baixinho" 105

A escola 

A escola é retractada com um lugar que acolhe a criança. Esta, idealmente tímida e com um vazio de conhecimentos, será transformada pelo mestre-escola, que lhe dará uma forma, um conjunto de conhecimentos e sobretudo de valores. Ou seja, a escola tem como objectivo moldar a criança. A criança deverá obedecer e cumprir os comportamentos e virtudes que  lhe são transmitidos através dos textos, tais como a docilidade 

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A felicidade pelo estudo " Na escola, desde a primeira classe que tem merecido a simpatia da sua professora pela pontualidade com que todos os dias comparece, pela prontidão com que faz os exercícios, pela boa vontade com que escuta os seus conselhos e pelo arranjo e asseio dos livros e dos cadernos. Não é muito inteligente, mas é das que mais sabem. E o seu amor ao estudo tem-lhe conquistado a amizade e o respeito das condiscípulas. Os pais julgam-se felizes por terem uma filha assim. Que prazer que eles não terão quando ela fizer exame da terceira classe!..." 6
O Jorge "Lembro-me muito dele, do Jorge - dizia o professor conversando com um amigo. Era baixo mas bem constituído, já de musculatura saliente. Travesso incorrigível, porém de excelente coração. Facilmente, em ocasiões de mau humor, perdia a paciência com os amigos. Mas nenhum como ele era capaz de se sacrificar por um companheiro necessitado, de se condoer de um pobrezinho, de amparar um velho, de servir de guia a um cego. Uma vez jantei em casa de seus pais. O Jorge, à mesa, parecia um homem. Direito na cadeira, guardanapo sobre os joelhos, servia-se da colher, da faca e do garfo perfeitamente à vontade. Prestava atenção ao que se dizia, mas só falava se o interrogavam ou se a conversa lhe dizia directamente respeito. Terminada a refeição e vendo-nos entretidos numa discussão que se prolongava, pediu respeitosamente licença para sair da mesa, cumprimentou-nos a todos e foi divertir-se com o «Tejo», lindo cão de guarda, que nunca levava a mal as suas travessuras. Já então mostrava o Jorge o que havia de ser quando homem: Hoje é o orgulho dos pais. E eu sinto muita honra em dizer que o tive por aluno." 22
Na escola "Somos um bando 
De passarinhos; 
Vimos agora
Dos nossos ninhos. 
...
Pobres de nós!
Olhos sem brilho.
Línguas sem voz

Olhos bondosos 
Do mestre-escola, 
Fartai os nossos 
Da vossa esmola. 
Dai-nos abrigo 
No coração; 
Dai-nos o trigo 
Do vosso pão. "

24
Na aula de trabalhos femininos " - Não é preciso mais, que eu sei bem que tu és já uma cozinheira, A tua mãe conta-me tudo... E por hoje mais nada. Arrumem os trabalhos, e cada uma há-de amanhã trazer-me a receita do doce de que  mais gosta, mas escrita com cuidado. Ouviram? Eu só gosto do que é bem feito, tanto em doces como na redução..." 149, 150

Bibliografia

bulletBIVAR, Maria de Fátima - Ensino Primário e Ideologia, Lisboa: Publicações Dom Quixote,  1971
bulletO Livro de Leitura da Terceira Classe, Lisboa: Ed. Domingos Barreira, 1958