1.Semelhanças
2.Diferenças
1.Semelhanças
Tanto a Academia de Platão como o Liceu de Aristóteles
estavam organizadas como comunidades complexas e
diversificadas e não como um simples grupo composto pelo professor e pelos alunos.
Tanto na Academia como no Liceu existiam dois grupos de membros: os presbuteroi e os neaniskoi.
Ambos eram membros da comunidade embora os neaniskoi estivessem provavelmente
mais preocupados com a aprendizagem e os presbuteroi estivessem mais preocupados
com o ensino e a pesquisa.
Embora se conheçam poucos detalhes acerca da distinção entre estes grupos, tanto
o Liceu como a
Academia eram comunidades sem
hierarquias rigidamente definidas.
Em ambas as escolas, tanto os jovens como os mais velhos não estavam sujeitos a qualquer
obrigação contratual. Uma das formas mais comuns pela qual os membros das escolas se
referiam uns aos outros era através da palavra "companheiros", deixando
transparecer a ideia da existência de uma relação informal entre membros
Os membros mais velhos de ambas as escolas sempre puderam optar por ir para outro lugar,
até mesmo para fundarem as suas próprias escolas, se assim o desejassem. Como exemplo,
refira-se Eudemos que deixou o Liceu no tempo de Teofrasto e voltou à sua
ilha nativa - Rhodes - para ensinar.
Existem numerosos exemplos de jovens que no seu tempo de estudantes trocaram uma escola
por outra. Bion de Borysthenes, por exemplo, desgostado do ensino de Crates na
Academia
foi para o Liceu receber os ensinamentos de Teofrasto.
A liberdade de pensamento e a independência relativamente ao escolarca é talvez
menor no Liceu do que na Academia. Nenhum membro do
Liceu parece ter sido tão intelectualmente independente da visão do
escolarca quanto Eudoxo e o próprio Aristóteles o foram de Platão. No
entanto, o homem escolhido para suceder Aristóteles, Teofrasto, era um pensador independente. De facto, num dos fragmentos
que chegaram até nós, Teofrasto mostra claramente que seguiu por vezes
Aristóteles, tendo noutras ocasiões rejeitado formulações aristotélicas.
O facto de Aristóteles ter preferido Teofrasto para ser seu sucessor em vez de Eudemos é
a prova de que a sua escola não era baseada na ortodoxia.
A abertura das escolas de Platão e Aristóteles em oposição ao fechamento da comunidade
Pitagórica é outra característica comum. Não há
referências à existência de qualquer tipo de juramentos, jejuns ou rituais de iniciação que pudessem
eventualmente estar ligados ao Liceu ou à Academia.
Ambas eram espaços públicos e parte integrante da cidade.
Em ambas as escolas eram aceites pessoas independentemente da sua raiz familiar. Demetrios, o ditador de Atenas desde 317 até 307
a.C. conseguiu frequentar a escola apesar da proveniência familiar. Outros estudantes
cujas condições familiares não lhes permitiriam enveredar pelos estudos conseguiram
fazê-lo conciliando a escola com trabalho. Tal como na Academia, as portas no
Liceu
não estavam fechadas. Para além da questão financeira não existia qualquer
barreira difícil de ultrapassar.
Tanto Platão quanto Aristóteles nomearam os seus sucessores quanto à
liderança das suas escolas. Não se sabe ao certo se os membros da Academia realizaram ou
não uma eleição depois da morte de Platão. Quando Speusipo, o sucessor escolhido por Platão estava quase a morrer, pediu a
Xenócrates para tomar conta da escola. De
facto Xenócrates assumiu a liderança da Academia, mas tal só aconteceu
depois da realização de uma
eleição que ganhou por uma escassa maioria. Também Aristóteles - antes da sua morte em Cálcis - expressou a sua preferência por Teofrasto em detrimento de Eudemos e os seus
seguidores aceitaram a sua decisão.
Uma outra ideia organizacional que Aristóteles usou à semelhança da Academia foi a
eleição de um membro para o cargo de archon. Esta prática foi talvez
introduzida para que os trabalhos de rotina administrativa ligados à escola fossem
partilhados pelos varios membros.
O uso das eleições para a escolha dos líderes sugere que tanto a Academia como o
Liceu eram
geridos por um tipo de democracia partilhada. Foi Xenócrates, e não Platão, o responsável
por esta inovação organizacional na Academia.
Tal como Platão, parece que Aristóteles não estabeleceu qualquer propina relativamente
aos seus ensinamentos. Já o sucessor de Platão, foi censurado por ter introduzido
encargos relativos à educação na Academia.
Quanto ao financiamento de ambas as escolas pouco se sabe. Platão aceitou
algumas recompensas em dinheiro de Dion e Dionísio. Existem também provas de que
Alexandre o Grande daria algum dinheiro para a escola de Aristóteles, o
que constitui
um dos meios de que Aristóteles dispunha para levar a cabo um trabalho mais elaborado a nível da
pesquisa.
O tipo de trabalho efectuado no Liceu exigia indubitavelmente mais recursos financeiros do
que as actividades desenvolvidas na Academia. Mas, e à semelhança de Platão, a fortuna
familiar deve ter sido a principal fonte económica de Aristóteles. Uma vez que ele era
filho de um médico pertencente à corte da Macedónia, conseguiu auto sustentar-se
durante os vinte anos que passou na Academia, o que atesta que Aristóteles
sempre teve uma boa posição financeira.
2.Diferenças
As semelhanças entre a Academia e o Liceu eram profundas. Mas seria injusto concluir que
estas eram instituições idênticas.
Durante o tempo de permanência de Aristóteles na Academia eram já visíveis as
divergências entre Aristóteles e Platão. Contudo, e apesar do tempo que passou na companhia dos académicos,
Aristóteles sempre se evidenciou como um homem intelectualmente independente. Tudo aponta para a conclusão de
que o Liceu representa uma nova faceta da educação de Atenas. Düring
(citado por Patrick, 1972) resumiu muito bem as novas e marcantes características desta
escola:
"Aristóteles criou algo de novo com a sua escola. Uma recolha sistemática da
literatura previamente produzida, a qual foi inteiramente trabalhada. Uma vasta e
sistemática recolha de informação e material para certos propósitos, por forma a
tornar possível uma visão geral sobre todo um campo de conhecimento. Estreita
cooperação entre o líder da escola e os seus seguidores. E, finalmente, e mais
importante que tudo o uso de um método de trabalho estritamente científico".
Há quem defenda que as raízes desse desenvolvimento se encontravam já na Academia. No
entanto, nenhum membro da Academia
anterior a Aristóteles parece ter defendido uma classificação sistemática
dos seres feita segundo
um espírito genuinamente empírico e independentemente de qualquer finalidade metafísica.
Ao contrário do que aconteceu com Platão, a visão de Aristóteles relativamente à educação superior
teve um efeito extremamente importante na estrutura interna da comunidade Peripatética.
Contrastando com a Academia, o Liceu vivia mais sob o lema de uma cooperativa do
que de uma relação dialéctica entre os diversos membros. O progresso do conhecimento era
visto no liceu como o resultado dos vários contributos individuais
e de tarefas partilhadas com efeitos cumulativos.
Aristóteles esclarece explicitamente em várias obras por que é que a relação
dialectal entre membros de uma comunidade não conduz à verdadeira paideia,
contrastando o procedimento que seguiu na sua escola com o usado pela Academia. Nas suas
palavras (citado em Patrick, 1972):
"A razão para a nossa incapacidade de compreender factos consumados é a simples
falta de experiência, por essa razão todos aqueles que conviveram de perto com
fenómenos naturais estão melhor preparados para formular generalizações. Mas, aqueles
que debatem em profundidade e que ignoram os factos mostram ter uma visão limitada. Isto testemunha a diferença entre aqueles que fazem
pesquisa e aqueles que
a fazem dialecticamente".
Na obra Segundos Analíticos, Aristóteles estabelece o mesmo tipo de contraste
entre a aprendizagem empírica e a aprendizagem dialéctica. Nessa obra,
Aristóteles fala
do seu relacionamento com membros da Academia, especificamente com Eudoxo e
Platão. Embora declarando hesitar criticar Platão devido
à sua afeição por ele, contínua dizendo que, por muito que valorize os amigos,
valoriza mais a verdade.
Tal como a obra Sobre a Amizade torna claro, Aristóteles concebeu a relação
entre os vários membros da sua comunidade filosófica como uma relação de amizade.
Aristóteles acreditava que a actividade filosófica cooperativa era capaz de
conduzir ao verdadeiro conhecimento.
Os membros da escola de Aristóteles enveredaram por inúmeras actividades, tais como a
recolha dos registos das actuações dramáticas em Atenas, da constituição dos vários
estados, de dados botânicos e zoológicos.
Aristóteles recomendava aos seus alunos para saírem e procurarem informação acerca,
por exemplo, de caçadores e pescadores que tivessem alguma experiência no mundo natural.
Aconselhava-os também à classificação de todo o material recolhido. Todos estes
projectos exigiam um tipo de relacionamento entre os membros do Liceu
bastante diferente do comportamento exigido pelas discussões dialécticas levadas
a cabo na Academia de Platão.
Em termos literários, os ideais da escola de Aristóteles conduziram a uma produção
escrita diferente da levada a cabo na Academia de Platão.
Ingemar Düring (citado in Patrick, 1972) sumariou as diferenças estilísticas de uma
forma admirável, afirmando que, como resultado do trabalho de Aristóteles, um "novo
modo de expressão, de prosa científica, tomou forma". É ainda referido que
Aristóteles chamou aos escritos de Platão "um meio termo entre a poesia e a
prosa".
A desconfiança de Platão em relação à palavra escrita era tal que ele usava uma forma
ficcional, o diálogo, numa tentativa de manter vivo o tipo de conhecimento que
acreditava só poder ser devidamente adquirido através da palavra oral e não através
dos livros. Aristóteles desenvolveu uma atitude diametralmente oposta em relação à
escrita. Assim se explica que
Platão se tenha referido a Aristóteles como "o leitor"
Porque Aristóteles depositou muito mais confiança na palavra escrita do que
Platão, acontece que, sob a
liderança de Aristóteles e Teofrasto, o Liceu produziu uma enorme quantidade de material
escrito. As formas que muitas dessas produções escritas tomaram diferiam de tudo o que a
Academia havia produzido até então. O tipo mais
característico da escrita peripatética é o sunagoge que consiste na
compilação sistemática de material relacionado com um tema. Este tipo de
escrita era tão distinta que quase todos aqueles que produziram um
sungoge durante a idade Helenística eram apelidados de Peripatéticos, quer
tivessem ou não alguma coisa a ver com a escola.
Werner Jaeger
refere ainda outro tipo de escrita Peripatética a que chamou de "literatura
escolar" tendo sumariado as suas principais características.
"A pragmateiai
de Aristóteles deve ser entendida como um tipo de literatura
escolar especial, escrita sem qualquer ambição literária, o que não significa que não
tenha qualidade literária. A pragmateia consistia num conjunto de notas, revistas de
tempos a tempos para a actualização mediante a introdução de novos resultados e
concretizações. Elas representavam uma tradição oral sob a forma de escrita.
Aristóteles e os seus companheiros trabalhavam continuamente com este material. As suas
contribuições assumiam a forma de adições e amplificações".
A desconfiança de Aristóteles relativamente à dialéctica significou também que a sua
escola seguiu procedimentos educacionais diferentes dos procedimentos seguidos pela
Academia, De uma forma breve, podemos dizer que havia mais instrução e menos discussão.
Aristóteles acreditava no valor comunicativo da palavra e desenvolveu um número de
técnicas pedagógicas para facilitar o processo de instrução. Nas conferências
fazia uso de diagramas, imagens e tabelas para clarificar o que havia sido dito.
Por seu lado Platão não acreditava nas exposições
públicas como procedimento educacional adequado, defendendo que a verdadeira
educação tinha que ser adquirida dentro da comunidade escolar.
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Ora, este não era o caso de Aristóteles. Não só Aristóteles
dava instrução aos
alunos da escola, à noite, como também ensinava publicamente, durante a parte da manhã.
Esta prática foi continuada por Teofrasto e as aulas dadas durante a manhã
tornaram-se tão populares que chegaram a ser assistidas por perto de duas mil pessoas.
Deste modo, e contrastando com a Academia, a exposição foi mais
favorecida no Liceu, havendo regularmente exposições ou prelecções realizadas pelo
líder da escola ou outros membros.
Muitas diferenças entre as duas escolas devem-se ao facto de não existirem pressões externas com vista à
uniformização destas instituições. Uma vez que não
existia tradição relativamente ao ensino superior em Atenas, a
prática institucional dos Gregos era muito fluida e o fundador da escola e líderes
subsequentes tinham pleno poder para fazer da sua instituição aquilo que quisessem.
Assim, por exemplo no que respeita à frequência das duas
escolas por mulheres, não
existe qualquer tradição que ligue a mulher com o Peripatos embora se saiba que
dois membros femininos fizeram parte da Academia sob liderança de Platão e do seu
sucessor.
Tanto Aristóteles quanto Teofrasto desvalorizaram igualmente a importância da
matemática tendo-se
concentrado muito mais na biologia e ciências naturais. Pelo contrário, a
matemática constituía a disciplina mais importante na Academia,
Aristóteles defendeu a retórica como disciplina, tendo inclusivamente dado, segundo parece,
instrução neste campo durante o tempo que permaneceu na Academia. É pois provável que
a sua escola tenha dado mais ênfase ao estudo da retórica do que a Academia de
Platão.
Uma outra diferença muito acentuada entre a Academia e o Liceu tem a ver com a
posição ou estatuto de Aristóteles na cidade de Atenas. Aristóteles, ao
contrário de Platão, não era um cidadão ateniense mas um estrangeiro. Platão por seu
lado era descendente de uma velha família ateniense muito influente. Tanto Aristóteles
como quase todos os membros conhecidos da sua escola não tinham cidadania
ateniense e
portanto a escola de Aristóteles não tinha tanta liberdade nem, provavelmente,
tão grande
inclinação para intervir na política ateniense, ao contrário do que se passava com os
membros da Academia de Platão.
Nesta ordem de ideias, é de referir uma outra diferença profunda: o
facto do Liceu não ter "produzido" quase nenhuma figura pública, político ou
orador, apesar de se ter dedicado ao ensino da retórica. Tal facto contrasta nitidamente
com o que se passou com vários discípulos da Academia de Platão que encaixaram na
perfeição em encargos políticos e de liderança.
Um dos factores que contribuiu para a precariedade da posição de Aristóteles em Atenas
foram as suas inegáveis ligações Macedónicas. Não só nasceu na cidade de Estagira
(Macedónia) sendo filho do médico da corte, como tamém foi professor de Alexandre.
Aristóteles tinha, de facto, alguma influência a nível do poder macedónico (como o
testemunha o facto de Alexandre ter procedido à reconstrução da cidade de Estagira,
destruída por Filipe, satisfazendo deste modo um pedido seu) mas não era propriamente um
partidário da prepotência macedónica.
Estes contactos impediram sempre a sua simpatia e adesão ao partido popular
anti-macedónico, liderado em Atenas por homens como Demóstenes. A violenta reacção
anti-macedónica que se deu em Atenas em 348 a.C., pode ter sido um dos motivos que
influenciou a saída de Aristóteles da Academia, depois de vinte anos de
permanência. Deste modo, quando Aristóteles voltou para Atenas em 335 a.C. e
fundou a sua escola no Liceu, as circunstâncias não eram muito favoráveis à
existência de boas relações entre a escola e a cidade.
Dado que o partido anti-macedónico em Atenas se revelava especialmente hostil para com o
Liceu, a escola de Aristóteles dependia desde o princípio da governação macedónica.
Quando a morte súbita de Alexandre foi anunciada em Atenas (323 a.C.), ocorreu de
imediato uma manifestação anti-macedónica, sendo Aristóteles, obviamente, um alvo a
atingir.
Uma outra diferença significativa entre o Liceu e a Academia
deve-se ao facto de Aristóteles, sendo considerado um não-cidadão ateniense,
não poder possuir qualquer bem na cidade pelo que não deixou qualquer propriedade
no seu testamento. É certo que, antes de morrer, Aristóteles escolheu
Teofrasto para ser seu sucessor
na escola. Essa vontade testamentária poderia explicar o facto de Teofrasto ter herdado a
biblioteca pessoal de Aristóteles. Contudo, quando Teofrasto assumiu a liderança do
Liceu, as instalações consistiam somente em terrenos e edifícios públicos,
isto é, nada comparável à propriedade de Platão onde se situava a Academia.
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