Algumas obras sobre Sócrates

 

      Nesta página apresentamos um breve resumo de duas obras: Apologia de Sócrates e As Nuvens, que foram escritas por Platão e Aristófanes respectivamente.  

 

    Apologia de Sócrates 

     As Nuvens 

 

 

 

    Apologia de Socrates

        A Apologia, que se crê ser a mais autêntica de entre as autodefesas de Sócrates conhecidas, põe a personagem principal a falar, longamente com as próprias palavras ele utilizou no julgamento em 399 a. C.. Acusado de impiedade e de corrupção da juventude por Metelo, Ânito e Lícon, o velho educador e filósofo de 70 anos fez um apelo vigoroso à absolvição. O tribunal, composto por 501 cidadãos por votação, consideram Sócrates culpado por maioria de votos 281 contra 220, e condenaram-no à morte. Após um curto período de prisão, Sócrates morre depois de ter bebido a cicuta. De acordo com a tradição, Platão, discípulo de Sócrates e seu maior admirador, estava doente e não pôde assistir ao julgamento, mas as provas apresentadas no texto indicam que ele terá estado presente.

        A Apologia começa por uma introdução em que Sócrates explica o seu estilo de discursar. A isto segue-se uma lista de acusações específicas, com referência à sua vida e actividades quotidianas. Responde com alguma profundidade a cada uma das acusações de que é alvo. Depois de relatar a defesa de Sócrates, Platão relata as tentativas do mestre para que seja diminuída a pena que lhe é imposta. Finalmente, Sócrates faz uma censura profética aos juízes por supor que eles vão viver sem problemas de consciência depois de pronunciarem a sentença de morte.

        Na declaração de abertura, Sócrates explica o estilo coloquial que utilizará na sua defesa. Os acusadores tinham avisado os cidadãos para estarem prevenidos, se não quisessem ser enganados pela oratória de Sócrates quando ele tentasse provar a sua inocência. Sócrates insiste que não é um orador nem um retórico. Em vez disso, está acostumado a vestir a verdade com linguagem comum, de modo a que todos possam seguir o seu raciocínio. Conclui que os ouvintes devem julgar a causa e não a sua maneira de falar.

        Na sua defesa, Sócrates responde a dois tipos de acusações: a primeira, mais antiga, mais generalizadora, e a Segunda, a acusação do momento, feita pelos três acusadores no tribunal. Teme mais a primeira acusação do que a Segunda, porque não pode enfrentar os acusadores quando refuta simples rumores e insinuações. As queixas contra a sua conduta foram-se acumulando ao longo dos anos: é tido como um «criminoso e metediço, que perscruta o que se passa debaixo da terra e dentro do céu, torna a causa má e ensina a fazerem como ele».

        Sócrates declara que as acusações são falsas. Para se defender cita a comédia As Nuvens, de Aristófanes, em que uma personagem chamada Sócrates insinua que pode andar pelo ar. Este cenário tolo, por mais inocente que fossem as intenções, contribui para a sua má reputação. Outro rumor insinua que investiga matérias sobrenaturais, tanto acima como abaixo da terra. Assegura à assistência que nunca se interessou pelas ciências práticas, e embora admire os físicos e se recuse a considerá-los maldosos no seu trabalho, Sócrates insiste que as suas maiores preocupações são a conduta moral e a felicidade da alma.

        Depois disto a defesa de Sócrates vai concentrar-se nas acusações específicas do seu principal acusador, Metelo. Interroga Metelo sobre a acusação de que ele, Sócrates, é um demónio, um corruptor da juventude, um ateu que procura criar os seus própros deuses. Devido à amabilidade de Sócrates no interrogatório, Metelo tropeça nas próprias palavras. Torna-se evidente para os membros do tribunal que Metelo não tinha pensado bem nas acusações que fez nem nas suas possíveis ramificações. Quanto ao ateísmo, Metelo volta a confundir-se nas alegações, parecendo acusar Sócrates de ser ateu como de inventar novas divindades.

        Chegando a este ponto, Sócrates analisa outra questão importante - deveria mudar o estilo de investigar e de ensinar para afastar a possibilidade de ser executado. Compara a situação com o seu comportamento honroso no campo de batalha quando serviu no exército. Para Sócrates, a morte é preferível à desgraça. Escolhe viver de acordo com a vontade dos deuses, para cumprir a sua missão de filósofo. A verdadeira desgraça seria desobedecer aos deuses para salvar a própria vida. Para Sócrates, esta via estreita conduz à sabedoria, à verdade e ao «maior aperfeiçoamento da alma».

        Num resumo simples das suas intenções, Sócrates dirige-se directamente aos Atenienses: «[...] absolvei-me ou não, mas tende por certo que jamais farei outra coisa, ainda que houvesse de morrer mil vezes.» Menciona os outros discípulos que ensinou, os quais, se tivessem realmente sido corrompidos, se juntariam a Metelo e Ânito na acusação. Sócrates gaba-se de que entre os seus alunos se contam alguns dos seus melhores amigos e defensores fiéis. Apontando vários que se encontravam entre a assistência. Mais, recusa-se a exibir a família e a simpatia dela para fazer pender a opinião dos juízes a seu favor. A defesa é a verdade.

        Depois da votação, Sócrates mostra-se surpreendido pelos votos a favor dele terem sido tantos. Segundo as leis atenienses, ele poderia propor uma pena alternativa, como uma multa pesada, o ostracismo ou outros métodos de pagar a sua dívida à sociedade. Sócrates rejeita as alternativas óbvias e pede que o tribunal lhe imponha uma sentença em que seja alimentado pelo estado, ele que dedicou toda a vida ao serviço público e à educação da juventude.

        À sugestão de que poderia escapar à sentença de morte se concordasse em acabar com as perguntas, que tendem a tornar-se suspeitas e controversas, Sócrates volta a afirmar que não desobedecerá à ordem do deus e que não se calará. Defende, pelo contrário, uma vida de procura da virtude, dizendo que «uma vida sem exame não vale a pena ser vivida». Só pede um favor: que o tribunal tenha olho nos filhos que estão a crescer e os castigue se verificar que eles estão a tornar-se materialistas, pretensiosos ou inúteis.

        Completada a sua defesa, Sócrates aconselha o tribunal a não se felicitar por ter livrado Atenas de um perturbador. Não terão paz nem honra por causa da sua decisão, pois a execução de Sócrates fará mais mal aos algozes do que à vítima. Na opinião de Sócrates, evitar a morte é menos importante do que viver sem virtude. A frase de despedida expressa a sua filosofia de vida:

«E agora chegou a hora de nos irmos, eu para morrer, vós para viver; quem de nós fica com a melhor parte ninguém sabe, excepto o Deus.»

 

  As Nuvens

 

As Nuvens, uma das peças mais célebres de Aristófanes, são uma comédia dirigida contra os sofistas, que o autor confunde com Sócrates, o filósofo mais conhecido e que mais dava nas vistas no seu tempo. Foram representadas vinte e três anos antes da acusação de Sócrates. 

 

Imagem da obra As Nuvens:

 

O grande comediógrafo grego insurgiu-se contra as propostas pedagógicas e éticas dos sofistas, pretendendo demonstrar as funestas consequências da educação nova.
         Conta As Nuvens que o velho Estrepsíades, outrora abastado proprietário rural e agora homem arruinado e cheio de  dívidas, em consequência do seu casamento com uma aristocrata ateniense, procura achar solução para os seus males. Decide ir frequentar a escola de Sócrates, na esperança de aprender as artimanhas dos sofistas e com elas conseguir desenvencilhar-se dos credores. A falta de capacidade intelectual obriga-o, pórem, a desistir. Por isso tenta e consegue convencer seu filho Fidípides a entrar nessa escola. Mas o filho aprendeu tão bem as subtilizas da argumentação  que, sofista consumado, acaba por bater no pai, propondo-se ainda demonstrar que isso era perfeitamente legítimo. No cúmulo do desespero, Estrepsíades lança fogo à escola.
       
As Nuvens constituem um dos documentos mais importantes sempre que se estuda a querela dos antigos e modernos. Dada, pois, a actualidade do tema, seria possível, fazer uma tradução das personagens que encontramos na peça em tipos actuais. Por exemplo:

Estrepsíades – Já que nos dias de hoje, e por razões conhecidas, desapareceu a figura típica do saloio, podemos ver nele um proprietário rural do Alentejo ou das Beiras – Com o vestuário típico, o seu falar, a sua mentalidade... 

Fidípides – Jovem «alfacinha» da última vaga. 

Sócrates – Talvez o «velho catedrático » - fardado a preceito, senhor da Verdade...      

      Sabe-se que n’ As Nuvens, Aristófanes ridicularizou Sócrates e fez dele uma caricatura cheia de facécia e de mau humor; Sócrates é aí dado como um sofista ateu e blasfemador que abusa da credulidade dos seus alunos fazendo-os dissertar sobre assuntos mais fúteis. Nesta comédia, durante a acusação de Sócrates, Aristófenes apresenta-o como uma personagem que anda pelo ar.

Imagens de Sócrates ridicularizado nas Nuvens:

                                    Photo: Steven S. Tigner  
Sócrates na sua defesa fez referencia às Nuvens, dizendo que a sua caracterização nesta comédia, contribuía para a sua má reputação (por mais inocente que fossem as intenções de Aristófenes).
A comédia as Nuvens foi representada no Teatro Dionysus:
                                                           Photo: Steven S. Tigner

  

 

 

Imagem de um cartaz referente a uma obra de Aristófanes representada na Alemanha (Frankfurt 1515):

 

    Transcrição de um diálogo, entre discípulos de Sócrates e Estrepsíades, em que o pensamento sócratico é ridicularizado:

Disc.- Sendo assim, está bem...Mas toma sentido que é segredo. Foi o caso que ainda agora perguntava Sócrates a Querefonte quantas vezes é que uma pulga era capaz de saltar o comprimento das suas próprias patas. É que um destes bichos, depois de afifar uma ferroada nas sobrancelhas de Querefonte, foi aterrar na cabeça de Sócrates.

 Estr.- E como diacho mediu ele isso?

 Disc.- Cá com uma pinta...(Falando e imitando). Primeiro, derreteu um pouco de cera; em seguida, pegou na pulga ...e mergulhou duas patas na cera; depois, deixou arrefecer e enfiou-lhe um par de pantufas pérsias; finalmente, descalçou as pantufas e com elas, pacientemente, pantufa a pantufa, foi medindo a distância.

 Estr.- Ó grande Zeus, que finura de inteligência!

 Disc.- Ainda isso não é nada: que dirias tu se soubesses duma outra descoberta de Sócrates?

 Estr.- Que outra descoberta? Conta-me lá, por favor.

 Disc.- Ora bem: perguntava-lhe certa vez Querefonte de Esfeto qual era a sua opinião sobre o seguinte: se os mosquitos zumbiam pela tromba ou pelo traseiro.

Estr.- Tsch!!!E que é que ele respondeu?

 Disc.- Afirmava Sócrates que o intestino do mosquito é estreito. Então, por via da estreiteza, a correnta de ar passa forçada, direito ao traseiro. Depois, é claro, e também por via da estreiteza, gera-se o vazio, e lá vai o ânus, pum: ribomba derivado à violência do sopro.

 Estr.- Quer então dizer que o traseiro dos mosquitos é uma trombeta...Oh! Bendito seja um tal in...testigador!...Com certeza que, se alguém lhe movesse um processo, safavase com uma perna as costas, um homem assim, que conhece a fundo o intestino do mosquito...

 Disc.- Ainda há coisa de pouco tempo, um lagarto pintado  lhe arrebatou um pensamento de arromba.

 Estr.- Como foi isso? Conta lá...

 Disc.- Uma noite, estando ele a estudar a órbita da lua e as suas revoluções, assim, com o nariz espetado no ar e de boca aberta, eis que de repente um lagarto pintado cagou lá de cima do telhado.

 Estr.- Que gozo, um lagarto pintado cagar em cima de Sócrates!..

  NOTA:

    Se o problema da natureza exacta do ensinamento socrático permanece sem solução certa, o problema das razões que puderam provocar em alguns dos seus contemporâneos um ódio suficientemente forte para obter a sua condenação à morte continua igualmente sem resposta precisa. O contra-socratismo desenvolveu-se durante a vida de Sócrates. Sem dúvida que Aristófanes foi um dos maiores opositores de Sócrates.  

              

  Se quiser saber um pouco da biografia de Aristófanes, consulte o círculo de amigos na vida de Sócrates,  procure o nome Aristófanes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt