O MODUS PARISIENSIS
O modus parisiensis é o conjunto de normas pedagógicas que caracterizavam o ensino parisiense e lhe conferiam uma personalidade única e original. Como mostra Joaquim Ferreira Gomes (1995: 30), de todos os modelos universitários disponíveis, o modus parisiensis era o que apresentava maior coerência, rigor e eficácia e aqule que mais valorizava a ordem, a rapidez e a disciplina da aprendizagem, leque de características que se adaptavam perfeitamente aos intentos normativos da docência Jesuíta.
O modus parisiensis caracteriza-se por quatro tópicos fundamentais: a distribuição dos alunos em classes, uma actividade constante dos alunos através de exercícios escolares, um regime de incentivos ao trabalho escolar, e a união da piedade e dos bons costumes com as letras.
AS CLASSES A classe é um grupo de alunos mais ou menos da mesma idade e com o mesmo grau de instrução a que se ministra determinado grau de conhecimentos proporcional ao seu nível escolar. Apesar deste sistema não ter sido inventado em Paris, as classes constituem um dos marcos da pedagogia parisiense.
É no programa do Colégio de Montaigu de 1509 que pela primeira vez em Paris se encontra a verdadeira divisão dos alunos em classes. Nestas classes, cada disciplina tinha uma repartição graduada em níveis sucessivos, com uma ordem de complexidade crescente, em função da idade e do grau de conhecimento dos alunos. Por exemplo, existiam sete classes de Gramática, cada uma com o seu professor. Cada classe tinha o seu programa previamente fixado, e era preciso atingir determinados níveis de conhecimentos para poder ter ingresso numa determinada classe. O MÉTODO E OS EXERCÍCIOS ESCOLARES O método é considerado a parte mais importante do modus parisiensis. O seu objectivo fundamental é promover um exercício constante que permita pôr em acção, durante o processo de aprendizagem, os recursos e as faculdades do aluno. Tendo como precursora a escolástica, o modus parisiensis adopta como base do seu sistema de ensino a lectio que era suposto suscitar questiones, quer da parte do professor quer da parte dos alunos. Para uma melhor compreensão da lectio e das quaestiones, estavem previstos momentos de discussão: disputatio. Uma particularidade notável do modus parisiensis é a sua insistência, mais nos exercícios do que nas regras. Por exemplo, defende-se que não é por se saber as regras abstractas do latim que se conseguirá falar, mas sim pelo uso efectivo da língua latina. Outra componente importante do método eram as repetitiones, em que os alunos, quase sempre em pequenos grupos, repetiam as lições ouvidas ao professor face ao professor ou a um colega mais adiantado. Em 1530, os exercícios escritos já estavam institucionalizados em Paris. Foi sobretudo com o desenvolvimento da retórica que se introduziu o uso de tratar por escrito alguns assuntos breves, quer em prosa, quer em verso. As representações teatrais fizeram-se na Universidade de Paris desde a sua origem e eram sobretudo um exercício literário, com objectivos pedagógicos.
INCENTIVOS PARA O TRABALHO ESCOLAR No século XVI, nos Colégios de Paris aplicavam-se castigos corporais, como correcção de faltas disciplinares e como incentivo para os estudos. Para além dos castigos, havia todo um regime de emulação que tinha como objectivo estimular os estudantes a entregarem-se ao trabalho. Assim, a victória nas frequentes disputas dava direito a prémios, louvores e condecorações. Como contraface da emulação há toda uma prática de denúncia ou delação. Os regulamentos dos Colégios parisienses permitiam aos alunos denunciar ao professor ou ao Principal as faltas cometidas pelos colegas. Chegava mesmo a existir um corpo de observadores ou vigilantes que tinham como missão específica deniunciar as faltas dos seus colegas. A denúncia não era um processo puramente inquisitorial, era também um meio pedagógico ligado ao sistema das decúrias. No Colégio de Montaigu, os alunos estavam divididos em grupos de dez ou doze, à cabeça dos quais estava um decurião. Estes eram escolhidos pelos estudantes e a sua função era vigiar os colegas nas aulas, nos ofícios religiosos e por toda a parte devendo denunciar ao professor eventuais faltas. Os decuriões chegavam a vigiar-se uns aos outros. A distribuição dos alunos, por ordem de mérito, dentro de cada classe, estava relacionada com a divisão desta em várias decúrias. O sistema das decúrias contribuía para a manutenção da disciplina mas também facilitava o ensino, uma vez que as decúrias eram unidades de estudo e de trabalho em conjunto. Assim, o processo era simultaneamente disciplinar e pedagógico, tendo tanto de vigilância como de emulação. PIEDADE E LETRAS Na Universidade de Paris, tudo gravitava à volta da Faculdade de de Teologia e do que ela representava. Nos Colégios de Paris, o objectivo da educação era o ideal cristão, formar homens cristãos e cristãos letrados. *** A estrutura colegial fez com que o ensino que era dado nas Universidades fosse transferido para os Colégios. Dá-se assim a passagem do regime de externato para o de internato que apresentava várias vantagens, tanto a nível disciplinar com o constante controlo dos alunos pelos professores, como no aspecto curricular com a organização sequencial das matérias de estudos, como ainda a nível administrativo, com a elaboração de horários e regulamentos precisos. É nesses colégios que surge o ensino secundário, intermediário entre o ensino elementar e o ensino superior. |
Olga Pombo: opombo@fc.ul.pt
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