Astronomia

Os sábios alexandrinos, devido à proximidade instituída por Alexandre com a civilização babilónica, puderam utilizar os conhecimentos da astronomia babilónica. Contudo, esta constituía mais um somatório de confirmações do que propriamente uma ciência, na verdadeira acepção da palavra. 

Pelo contrário, os gregos desde cedo se interessaram pela explicação racional dos fenómenos astronómicos. A questão central prendia-se com a forma e a localização da Terra no Universo.

Quanto à localização do planeta, praticamente, todos os astrónomos situavam a Terra no centro do Universo com excepção de Aristarco de Samos. Digamos que o geocentrismo esteve presente em toda a astronomia antiga.

Quanto à forma da Terra para a qual teriam sido avançadas diversas soluções, a escola pitagórica por volta do século VI a.C., tentara já resolver o problema. É aí, por razões mais matemáticas (ou mesmo místicas) do que físicas, que pela primeira vez foi avançada a hipótese da esfericidade da Terra. É também na escola pitagórica que se estabelece a existência do movimento diurno da Terra em tomo do seu eixo, e do movimento anual da translação da Terra em torno do Sol.

De entre os vários sábios que passaram pelo Museu e se dedicaram a esta área, destacam-se os seguintes nomes: Aristarco, Hiparco e Ptolomeu.  

 

Aristarco 

Aristarco de Samos(310 - 230 a.C.) viveu no reinado dos três primeiros Ptolomeus. Passou a maior parte da sua vida em Alexandria, foi professor no Museu e foi aí que publicou a maior parte das suas obras. Aristarco propôs para a explicação do universo um sistema heliocêntrico. Como relata Arquimedes em O Contador de Areias:

"Aristarco de Samos publicou um livro que consistia em algumas hipóteses cujas premissas conduzem ao resultado de que o Universo é muitas vezes maior do que aquilo a que agora se dá esse nome. As suas hipóteses são que as estrelas fixas e o Sol se mantêm imóveis, que a Terra gira em torno do Sol na circunferência de um círculo, com o Sol situado no meio da órbita, e que a esfera das estrelas fixas, situada aproximadamente com o mesmo centro que o Sol, é tão grande que o círculo em que ele supõe que a Terra gira está para a distância das estrelas fixas na mesma proporção que o centro da esfera está para a superfície."

Cit. in Sagan (1980: 193)

Esta ideia já tinha sido esboçada, ainda que rudimentarmente, por um peripatético chamado Heraclides de Ponto (séc. IV a. C.). No entanto, de acordo ainda com Arquimedes, a maioria dos astrónomos contemporâneos de Aristarco tê-la-á rejeitado. A hipótese era contrária à nova física aristotélica, segundo a qual o elemento mais pesado (neste caso, a Terra) só podia ocupar a posição central, contradizia a sensibilidade religiosa, segundo a qual a morada dos seres humanos tinha de coincidir com o centro do universo e contrastava com a doutrina astrológica aceite que se baseava numa referência geocêntrica. 

Para além destes argumentos de ordem filosófica e religiosa (como podemos ler em Plutarco: "Cleantes, o estóico, considerava que Aristarco deveria ser acusado por ter proposto, por uma profanação sacrílega, deslocar o foco do Mundo", cit. in Couderc (1981: 24)) havia também fortes argumentos de ordem científica contra a sua hipótese. Tais argumentos podem ser encontrados em Aristóteles bem como num astrónomo tão eminente como Ptolomeu, que rejeita a rotação com um argumento de bom senso um pouco mais elaborado:
 

"Uma roda que roda possui uma força centrífuga tanto mais intensa quanto maior for a velocidade; se a Terra girasse em 24 horas como alguns tinham proposto, os pontos de seu equador girariam a uma velocidade fantástica e os seres, as casas, as pedras, as águas seriam lançadas nos ares; o próprio solo saltaria em estilhaços."

Cit in Couderc (1981: 23)

  

Outro argumento contrário à rotação da Terra à volta do Sol tinha por base o fenómeno da paralaxe das estrelas. Assim, o facto de a Terra se mover de um ponto para outro (por exemplo, do afélio para o periélio) implicaria uma mudança das posições relativas das estrelas, o que não era facilmente verificável. Para contornar esta dificuldade, Aristarco assume que a esfera celeste tem um raio tão grande que, em comparação, a órbita da Terra podia ser considerada um simples ponto.

A obra monumental em que Aristarco descreveu o seu sistema heliocêntrico perdeu-se. Resta apenas Da Grandeza e da Distância do Sol e da Lua, obra na qual, a partir de certas hipóteses derivadas da observação, Aristarco deduz as seguintes proposições:  

1. A Terra está no centro da orbita lunar.

2. Quando a Lua apresenta exactamente uma metade iluminada, a sua distância ao Sol não é de um quadrante, mas de 29/30 de quadrante (87º)

3. A distância da Terra ao Sol é mais de 18 vezes mas menos de 20 vezes a distância da Terra à Lua.

4. A razão do diâmetro do Sol com o diâmetro da Terra é maior que 19/3 e menor que 43/6.

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Aristarco teve o mérito de conceber um sistema solar com o centro ocupado pelo Sol e no qual a Terra percorria uma orbita circular, como os outros planetas. Sabemos que não conseguiu convencer os astrónomos seus contemporâneos que não possuíam instrumentos capazes de determinar as paralaxes estrelares. É que, se a Terra se move, a posição das estrelas nas diferentes estações tinha de relevar alguma variação. Ninguém supunha, então, que o fenómeno pudesse ser imperceptível devido à enorme distância a que se encontravam as estrelas. 

 

Hiparco 

Hiparco

Um dos sábios que refutou a teoria de Aristarco foi Hiparco de Niceia(190 - 125 a.C.). Hiparco foi ao mesmo tempo astrónomo, matemático (a ele devemos a divisão da circunferência em 360º e sobretudo o  estudo das primeiras funções trigonométricas) e um hábil construtor de instrumentos (construiu a diopta, chamada também posteriormente "Bastão de Tiago", que consiste numa régua graduada, com uma guia e um cursor para a medição de ângulos. Também se lhe atribui a invenção do astrolábio esférico ou esfera armilar).

Enquanto astrónomo, a ele se devem a descoberta da precessão dos equinócios, a determinação da hora nocturna, a definição de ano sideral e do ano trópico, a determinação das dimensões e distâncias da Lua e do Sol (paralaxe quinze vezes superior á autentica, só melhorada mais tarde por Kepler). Por volta de 128A.C., comparando as suas observações com as anteriores de Timocárides por volta de 295 A.C. verifica que as posições estelares não são fixas. Durante o tempo decorrido, verificou que Spica se tinha deslocado cerca de 2º de longitude. esta observação permite a Hipócrates afirmar que os equinócios se deslocavam sobre a eclíptica, fixar essa velocidade de deslocação em 1/100 de grau por ano e estabelecer que o movimento tem lugar em volta dos polos da eclíptica.

O Catálogo das Estrelas Fixas foi a sua última obra. Nela descreveu a forma das constelações e enumerou cerca de 850 estrelas, indicando a sua grandeza e o valor de cada uma das suas coordenadas eclípticas, uma das quais a longitude, que variava devido ao fenómeno da precisão dos equinócios. Pela ideia de comparar as posições estelares em diferentes épocas, Hiparco é considerado o iniciador de um método cujos princípios continuaram a ser válidos pelo menos durante os dois mil anos seguintes.

Dedicou o resto da sua vida ao estudo da Lua e conseguiu elaborar a previsão de eclipses para os seiscentos anos seguintes.

 

Ptolomeu 

Outro grande sábio que trabalhou em Alexandria foi Claudio Ptolomeu(85 - 165 d.C. ). O seu nome deriva, provavelmente, não de quaisquer laços de parentesco com a família real, mas da cidade onde se julga ter nascido, Ptolemaida, no Egipto.


 Ptolomeu foi astrónomo, geógrafo e matemático. Escreveu várias obras, nomeadamente, As Hipóteses planetárias, em que apresenta um calendário que regista a hora do aparecimento e do ocaso de várias estrelas no firmamento; a Tetrabíblia, onde desenvolveu a mais completa doutrina astrológica da antiguidade, consolidando as regras básicas para a composição de horóscopos (originários da Babilónia); a Geografia, obra composta por oito livros e 27 mapas, onde faz a descrição e a medição da Terra. Ptolomeu tem o mérito de sistematizar os métodos e as descobertas anteriores e colocar a geometria ao serviço da geografia.

"Em geografia, deve meditar-se na extensão de toda a Terra bem como na sua forma e no seu posicionamento nos céus, de modo a conseguir-se enunciar correctamente quais são as peculiaridades e proporções da parte com que se está a trabalhar (...). 0 mostrar todas estas coisas à inteligência humana é a grande e requintada conquista da Matemática."

Ptolomeu, cit. in Osserman (1995: 29)

A forma esférica da Terra é também aceite como um facto estabelecido. Ptolomeu,  justifica este facto da seguinte maneira:

"Se a Terra fosse plana de este a oeste, as estrelas nasceriam simultaneamente para os ocidentais e para os orientais, o que é falso. Além disso, se a Terra fosse plana de norte para sul e vice-versa, as estrelas visíveis para qualquer pessoa continuariam a sê-lo qualquer que fosse o local para onde essa pessoa se deslocasse, o que é falso. Mas parece plana para a visão humana porque é muito extensa."

Cit. in Osserman (1995: 30)

No entanto, também cometeu alguns erros. Errou o cálculo da circunferência da Terra, tendo feito uma estimativa que correspondia a um valor 20 % mais baixo do que o real. Além de subestimar o tamanho da Terra, Ptolomeu sobrevalorisou imenso o tamanho da Ásia.   

Mapa Mundi de Ptolomeu

Ptolomeu fez ainda importantes estudos de óptica. Assim, na obra em cinco volumes - Óptica - verificou que os raios luminosos são desviados quando passam de um meio para o outro e formulou a regra da proporcionalidade nos ângulos de incidência e refracção (quase verdadeira para ângulos pequenos). Com esta descoberta, Ptolomeu, apesar de não ter noções exactas da composição da atmosfera terrestre, intuiu que a luz das estrelas devia ser desviada quando atravessava a camada de ar terrestre, de tal modo que as estrelas pareciam estar mais próximas do Zénite do que estavam na realidade.

O artificio de Ptolomeu para dar conta das errâncias dos planetas resultou numa complicada combinação de movimentos.  O planeta Q desloca-se em torno de P na circunferência de um círculo (linha ponteada), enquanto P se move na circunferência de um outro círculo de centro C. A linha a cheio com as açadas é a trajectória de Q resultante do movimento combinado.

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Mas a sua obra mais famosa foi o célebre trabalho, escrito em 13 volumes, Almagesto. A obra teve vários nomes, mas o mais conhecido é o que lhe foi dado pelos gregos: Megale mathematike sytaxis (ou seja a Grande Síntese Matemática) ou, no superlativo latino magiste syntaxis, expressão transformada pelos árabes (acrescentando-lhe o artigo) em al-magiste donde decorre Almagesto

Nesta obra, em que Ptolomeu compilou grande parte dos conhecimentos astronómicos da Antiguidade, é apresentado o sistema geocêntrico que influenciou durante 1400 anos a cultura científica.

Sistema Ptolomaico

Ao contrário do sistema das esferas homocêntricas de Eudóxio e Aristóteles, o sistema ptolomaico tinha enorme complexidade.

Vejamos apenas umas das invenções capitais de Ptolomeu para explicar o movimento dos planetas:

Representação de um movimento circular uniforme que não admite nem pontos estacionários nem retrogradações.

A Terra não ocupa exactamente o centro C do círculo, encontrando-se deslocada, no ponto E.

Daqui ocorre obviamente que, se um ponto P corresponde ao planeta (ou ao Sol) observado da Terra, este não parecerá ter movimento uniforme relativamente às estrelas fixas, mesmo que o seu movimento seja, de facto uniforme. Se a Terra e os corpos celestes contituem um sistema excêntrico, e não um sistema homocêntrico, haverá momentos em que o Sol, ou um planeta, estarão mais perto da Terra (perigeu) e outros em que o Sol, ou esse planeta, estarão mais afastados da Terra (apogeu).

Assuma-se que, enquanto que o ponto P se move uniformemente na circunferência de um círculo de centro C (próxima fig), um segundo ponto, Q, se move circularmente em redor de P. O resultado dos dois movimentos combinados será uma curva com uma serie de laços ou protuberâncias. O círculo maior em que P se move chama-se círculo de referência, e o mais pequeno, em que se move Q, é o epicentro. Assim se explica que o sistema ptolomaico seja muitas vezes descrito como sistema das deferentes e dos epiciclos. É claro que a curva resultante da combinação do deferente com o epiciclo é uma trajectória na descrição da qual o planeta por vezes se encontra mais próximo do centro do que noutras, apresenta pontos estacionários, que descreve um laço. Um observador em C vê-lo-á a mover-se em sentido retrógrado. Para tornar o movimento conforme a observação é apenas necessário escolher o tamanho relativo do epiciclo e da deferente e as velocidades relativas de rotação dos dois epiciclos de modo a concordarem com as aparências.

 

O sistema de Ptolomeu não só funcionava como se integrava perfeitamente no sistema da física de Aristóteles. Às estrelas, aos planetas, ao Sol e à Lua eram atribuídos “movimentos naturais”. A Terra não partilhava desse movimento, ocupando o seu lugar ”natural”, em repouso, no centro do universo

 

 

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt