A
Biblioteca Cosmos, criada em 1941 sob a direcção de Bento Jesus Caraça, é um
marco da história da cultura em Portugal do século XX. Bento
Jesus Caraça procura com a Biblioteca Cosmos promover a divulgação cultural
e a formação
e das massas populares e estimular entre os
jovens um conjunto de interesses que o Estado recusava. Como o próprio refere,
o objectivo da colecção é prestar "reais serviços aos seus leitores e, através deles,
a uma causa pela qual lutamos há muitos anos: - a criação de uma mentalidade
livre e de tonalidade científica entre os cidadãos portugueses.» (CARAÇA,
1947).
Ao apresentar a colecção, no momento em que a Biblioteca Cosmos abre as
portas, Caraça escreve "...A que vem a Biblioteca Cosmos?" Desde 1941 até 1948, à data da morte do seu fundador, foram publicados 114 títulos, 145 volumes, com uma tiragem global de quase 800 mil exemplares (tiragem média por livros : 6.960 volumes). 1.
A Biblioteca Cosmos no contexto social da época Em
meados da década de 30, dez anos passados sobre a instalação da segunda República
(1926), Portugal despertava para a investigação científica, tal com ela já
era praticada desde algumas décadas no resto da Europa. Um grande número de
investigadores que havia realizado formação no estrangeiro regressara a
Portugal dando início um movimento de renovação da ciência portuguesa. São
exemplos disso, o Centro de Estudos de Física da Faculdade de Ciências de
Lisboa e o Instituto Bento da Rocha Cabral. Neste período,
já começa a haver apoio
governamental à actividade científica, e observa-se até a preocupação de se
criarem corpos de elite em diversos domínios da ciência. Porém, a política
cultural do Estado Novo não promove a difusão do conhecimento científico à
população, podendo-se mesmo dizer que existe uma mentalidade dominante que a
desmotiva, como são exemplo algumas citações usadas por Rómulo de Carvalho
(1986) na sua História do Ensino em Portugal: Em 1927 a escritora Virgínia de Castro e Almeida, considerando que existiam então em Portugal 75% de analfabetos, dizia no jornal O Século, que “A parte mais linda, mais forte e mais saudável da alma portuguesa reside nesses 75 por cento de analfabetos”. Em alusão aos rurais que aprenderam as primeiras letras, pergunta a escritora, e responde: “que vantagens foram buscar à escola? Nenhumas. Nada ganharam. Perderam tudo. Felizes os que esqueceram as letras e voltam à enxada”. João Ameal, escritor e historiador muito cotado na época, deixou escrito: “Portugal não necessita de escolas (...) Ensinar a ler é corromper o atavismo da raça.” É
neste cenário que um conjunto de intelectuais portugueses anima um movimento de
difusão cultural de que a Biblioteca Cosmos é um dos sintomas. Nas
palavras de Bento Jesus Caraça (1901-1949), director do projecto, em prefácio
ao Panorama da Ciência Contemporânea, a Biblioteca Cosmos visava «um conjunto
de conhecimentos que ao homem-comum, ao homem-da-rua, são indispensáveis para
adquirir aquela maneira científica de olhar as coisas sem a qual será sempre
deficiente o exercício da cidadania.» (CARAÇA, 1947). |
Olga Pombo: opombo@fc.ul.pt
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