A- Bom dia. Obrigado por nos ter concedido alguns minutos para esta pequena entrevista. Gostaríamos
de saber qual era a posição que a Matemática ocupava
na vida do seu pai, em casa e na família. JC- Bem... ocupava uma posição central.
Só vivi com ele até aos dois anos e meio. Ele morreu eu ainda não tinha feito
3 anos. Portanto, não me lembro propriamente da minha vida com ele, enfim...
tenho vagas memórias. Mas lembro-me da organização da casa, de como era, como
o meu pai era uma pessoa que irradiava, digamos... para os outros, para os
amigos e para a família. Tinha a casa sempre cheia de gente e era realmente
o centro da casa. E depois, tinha livros por toda a parte, por todo o sítio. Havia mesmo uma dependência que era a “casa dos livros” (risos).
Portanto, havia estantes com livros nas paredes e no meio... só havia livros!
Uma biblioteca que eu hoje ainda tenho. A Matemática significava ali,
digamos... a sua procura de racionalidade! Ocupava o lugar central. Por outro
lado, o intenso contacto com os outros era uma indicação de que essa
racionalidade só podia ser bem aplicada no contexto de uma profunda ligação
aos outros, solidariedade, humanidade, etc. É esta a impressão que tenho. JC- Bom...
directamente não posso dizer que tenha influenciado! Mas indirectamente com
certeza. Toda a minha vida ouvi antigos alunos, colaboradores, amigos, a família,
dizer que o meu pai era um grande Matemático e com certeza que gostaria que eu também fosse matemático, ou que gostasse de
Matemática. Eu era bom aluno, tinha boas notas a Matemática, portanto, tudo
isso criou um contexto que me levou a gostar, a gostar muito, a
gostar mesmo muito de Matemática. Acabei por ser físico por influência de um
professor extraordinário, o Professor Rómulo de Carvalho. Foi nas suas aulas que me apercebi que gostava mais de física. Mas a física precisava de uma sólida
formação Matemática. Portanto, eu tinha ali, um outro atractivo que eu
descobri! Neste tipo de decisões, uma pessoa não sabe qual é o motivo, qual
é a razão. Mas que o meu pai me influenciou, certamente me influenciou mesmo.
Toda a gente dizia que ele gostava de Matemática e essas coisas, em
miudinho, a ouvir, ouvir, ouvir, a pessoa acaba por ficar com uma referência.
É evidente que eu também poderia não querer ter nada a ver com a Matemática, por reacção.
Mas não! O gostar de Matemática não me causou nenhuma dificuldade de princípio,
penso eu (risos). A-
Quando
nos informámos para fazer este trabalho, lemos vários depoimentos acerca do seu pai. Gostaríamos de saber o
que sente quando lê esse tipo de depoimentos. Eles são tão positivos... JC- Pois são! Aliás,
o que me impressionou, em relação ao meu pai, foi eu nunca ter ouvido um
depoimento mau... A-
Nós também não!! JC- Enfim, ele teve um combate político.
Lutou contra o regime da altura. Portanto havia pessoas que não apoiavam as
suas ideias. O que é surpreendente é que, todas as pessoas com as quais eu me
relaciono me transmitem uma imagem muito positiva do meu pai. Até mesmo pessoas
que não me conhecem, me transmitem uma imagem do meu pai como uma pessoa
extraordinária. É realmente curioso não haver pessoas que falem dele de uma
maneira menos agradável. Não, nunca aconteceu! Ele realmente era uma pessoa
com a capacidade de iluminar os outros. Mas também posso dizer outra coisa: há
outra maneira de testar isso, que é ler as coisas que ele escreveu... A-
Sim! Nós lemos vários trabalhos dele... JC- E ao ler as coisas que ele escreveu,
e que a mim me fascinam sempre, é que eu vejo sempre o seu lado bom,
nomeadamente, as posições que ele tomou perante o mundo. São posições que,
há 60 anos, eram corajosas, posições a que nós sentimos ainda hoje que temos que
aderir se queremos transformar o mundo. Digamos que era uma pessoa que tinha percebido muito
bem grandes princípios básicos da vida e que lutava por eles! Que acreditava,
que incendiava os outros com
essa força. Penso que é isso. A- Penso que deve ser um motivo de
orgulho... JC- Exactamente!! É muito gratificante.
Aliás, enfim, ouvir falar bem dos pais ou dos filhos, ou de alguém da família,
é sempre bom. Realmente, sempre me tocou as pessoas que o conheceram falam sempre
dele com os olhos iluminados. A- Pelo menos, dos depoimentos que lemos, a ternura com que as pessoas falam é uma coisa
tocante. Se a nós nos
tocou, que acontecerá com um filho... JC- Houve uma toda geração!
Que foi a geração do M.U.D. juvenil. São pessoas que hoje têm 70, 80
anos, que guardam fotografias, livrinhos, notas, como se fossem uns ícones. A- Nós sentimos isso, quando lemos os
depoimentos. As pessoas fazem-no com tanta clareza que parece que estamos a
assistir à situação. JC- É verdade... Acho que aquilo que
marca é pensar que, se no final da 2ª Grande Guerra, se por qualquer razão as forças da ditadura tivessem que ceder e o
país tivesse tido uma mudança de regime apoiada pelos aliados (pela Inglaterra,
que era a grande esperança na altura, e pelos Estados Unidos), teríamos tido
outras pessoas completamente diferentes no comando do país. A nossa história
tinha sido diferente. Aqui está uma noção interessantíssima: a nossa história
tinha, claramente, sido diferente. Embora tivessem havido algumas coisas iguais, coisas que não se podem transformar numa geração ou em duas, não é
assim... Mas, talvez, então, o meu pai tivesse podido ser de outro
modo. A- Muito obrigado pela sua
disponibilidade. JC- Obrigado e bom dia.
Esta entrevista foi realizada por Carmen Isabel Salvado, Paulo Oliveira da Conceição, Sofia Isabel Paiva e Tânia Marina Fidalgo, alunos da licenciatura em Ensino da Matamética no âmbito da cadeira de Seminário Temático, leccionada por Olga Pombo, no ano lectivo de 2001/2002 |
Olga Pombo: opombo@fc.ul.pt
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