Universidade Popular Portuguesa

A Universidade Popular Portuguesa foi fundada em 1919 por um grupo de intelectuais e de trabalhadores, por iniciativa do Dr. Ferreira de Macedo, com o objectivo de difundir a instrução e a cultura no bairro de Campo de Ourique em que foi criada, expandindo-se , em breve às classes trabalhadoras da capital.

Da sua primeira direcção, que se designava Conselho Administrativo, faziam parte, entre outros, 5 professores e 7 operários, o que marca desde logo o carácter da instituição. Depois de um período inicial de grande expansão, a Universidade Popular Portuguesa estava quase paralisada no biénio de 1926-27.

   Bento de Jesus Caraça, que já fazia parte do Conselho Administrativo desde o inicio da Universidade, é eleito presidente do conselho administrativo da Universidade Popular Portuguesa em Dezembro de 1928, promovendo a sua reactivação. Reorganiza a biblioteca , cria um conselho pedagógico e prepara-se para organizar uma cooperativa de cinema educativo. Mais tarde , profere, uma conferência sobre "As Universidades Populares e a cultura", em 1931, perguntando: "Encarando agora as sociedades organizadas, tal como actualmente se encontram, pergunta-se - quem deve ser o detentor da cultura?, a massa geral da humanidade, ou uma parte dela?" E mais adiante: " À pergunta feita deve responder-se portanto condenando a detenção da cultura como monopólio de uma elite… Deve portanto promover-se a cultura de todos e isso é possível porque ela não é inacessível à massa; o ser humano é indefinidamente aperfeiçoável e a cultura é exactamente a condição indispensável desse aperfeiçoamento progressivo e constante". "Eduquemos e cultivemos a consciência humana, acordemo-la quando estiver adormecida, demos a cada um a consciência completa de todos os seus direitos e de todos os seus deveres, da sua dignidade, da sua liberdade. Sejamos homens livres, dentro do mais belo e nobre conceito de liberdade - o reconhecimento a todos do direito ao completo e amplo desenvolvimento das suas capacidades intelectuais, artísticas e materiais".

Com esta conferência, Bento de Jesus Caraça pretende esclarecer o papel da universidade popular. Como o próprio afirma, a Universidade popular é uma forma de fazer desaparecer a oposição habitual entre cultura de elite e cultura popular, não havendo portanto, lugar a distinções, sendo a cultura única e exclusivamente cultura humana, revolucionária. "…qual deve ser a acção da Universidade Popular Portuguesa? A sua acção deve limitar-se, se é que o termo limitar pode ser empregue aqui, ao desenvolvimento e propagação da cultura. Cultura, sempre cultura e, se é necessário adjectivá-la, direi cultura revolucionária. Revolucionária em que sentido? No sentido de que ela deve tender a dar a cada homem a consciência integral da sua própria dignidade, o conhecimento completo de todos os seus direitos e de todos os seus deveres. Sejamos homens livres e criemos homens livres, dentro do mais belo e nobre conceito de liberdade- o reconhecimento a cada um do direito ao completo e amplo desenvolvimento das suas capacidades intelectuais, morais e materiais. Revolucionária ainda no sentido de que ela deve tender na sua essência ao desenvolvimento do espírito de solidariedade - dever do mais forte: ajudar o mais fraco- e deve ser portanto internacionalista na sua forma. E que ninguém ligue à ideia de internacionalismo a da destruição da pátria; o coração do homem é grande e nele cabe bem o amor da sua pátria e o da humanidade. Revolucionária ainda no sentido de que, dando a cada um, como disse, a consciência integral da sua dignidade, permita que cada proletário culto deixe de ser, como infelizmente na maioria dos casos até agora, um burguês e consequentemente um traidor à sua classe. Problema terrível este que é necessário resolver, para que deixemos de assistir ao espectáculo degradante da renúncia do povo em si próprio. Revolucionária ainda e sobretudo no sentido de que, preparando cientifica e moralmente a classe proletária para o desempenho da missão futura que lhe incumbe, a torne bem consciente do seu dever último e supremo - o do seu próprio desaparecimento num futuro mais longínquo em que não deve haver classes mas apenas homens livres conhecendo-se , amando-se e trabalhando solidariamente dentro dum novo equilíbrio social- o da realização do bem comum". (Da intervenção na sessão da Universidade Popular Portuguesa, de 21 de Novembro de 1929).

Para Bento de J. Caraça, o homem culto é aquele que: 

1º- Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence; 

2º- Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano; 

3º- Faz do aperfeiçoamento do seu ser interior a preocupação máxima e fim último da vida.

A Universidade Popular surge na continuidade da Academia de Estudos Livres, sociedade de instrução fundada em Lisboa em 1889 por dois alunos do Instituto Industrial e Comercial, que rapidamente atingiu grande actividade com o apoio de muitos  intelectuais e a participação entusiástica de jovens e trabalhadores. O exemplo da Academia de Estudos Livres, de cuja actividade saiu a Liga de Educação Nacional e a Sociedade de Estudos Pedagógicos, frutificou na Universidade Livre e na Universidade Popular Portuguesa.

Em 10 de Abril de 1935, Bento Caraça proferiu a sua conferência sobre a "Escola única", precisamente na Sociedade de Estudos Pedagógicos, onde descreve parte do plano de acção da Universidade Popular:

1º Conferências sintéticas e harmoniosas sobre assuntos que possam interessar o indivíduo como homem moderno, qualquer que seja a sua profissão ou posição na sociedade.

2º Sessões de cinema na sede e fora da sede nas sucursais da Universidade.

3º Um Biblioteca, que chegou a ter 10 mil volumes.

4º Bibliotecas móveis que circulam nas sucursais ou departamentos estabelecidos nos meios operários.

5º Leituras para as crianças e para os adultos.

6º Excursões, teatro, sessões musicais e sinfónicas.

7º Orfeons populares.

8º Laboratório de psicologia experimental.

9º Conselho pedagógico para orientação de leitura. 

Graças ao prestigio e ao reconhecimento da sua obra, a Universidade, passou a ser conhecida a nível mundial. Tinha relações com o "Bureau International d'Education" , "Ligue International pour L'Education Nouvelle"e "Bureau International du Travail", tendo-lhe este último oferecido uma biblioteca .

A 10 de Maio de 1919, a Universidade Popular Portuguesa foi declarada instituição de utilidade pública pelo Decreto nº 5781. Havendo, já na altura, departamentos da Universidade em diferentes bairros da cidade e na província.

Na Universidade Popular Portuguesa, Bento Jesus Caraça desenvolveu uma grande actividade, assinalando-se uma conferência sobre "Comércio e Finanças", em 1927 ou 1928, um "Curso de Iniciação Matemática", de 53 lições, ministrado entre Janeiro de 1931 e fins de Junho de 1933, diversas palestras de altíssimo nível intelectual e diversas intervenções definindo a orientação da Universidade Popular.

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt