De acordo com Ferrater Mora (1986), a passagem do “finitismo” ao “infinitismo” cumpriu-se sobretudo durante o século XVII, e de muito diversas maneiras, no curso da revolução científica e filosófica que Koyré descreveu como a “destruição do Cosmos”:
(...) a desaparição da concepção do mundo como um todo finito, fechado e hierarquicamente ordenado e a sua substituição por um universo indefinido e inclusivé infinitivo, universo cimentado pela identidade das suas leis e suas componentes fundamentais, e no qual tais componentes se encontram ao mesmo nível do ser (...) (Mora, 1986, p.
1690, trad. livre) |
No seu livro Do Mundo Fechado ao Universo Infinito (consultado na edição francesa), Alexandre Koyré traçou as etapas da revolução espiritual que, nos séculos XVI e XVII:
(...) modificou os fundamentos e os próprios quadros de pensamento, revolução de que a ciência moderna é, ao mesmo tempo, raíz e fruto. (Koyré, 1973, p. 9, trad. livre) |
Esta obra relata a história da "destruição do Cosmos", isto é, do mundo concebido como um todo finito e bem ordenado, de acordo com a concepção aristotélica do espaço, e a sua substituição pela concepção da geometria euclideana, que considera o espaço como extensão necessariamente homogénea e infinita.
Para Koyré, a destruição do cosmos deve ser entendida como:
(...) a destruição do mundo concebido como um todo finito e bem ordenado, no qual a estrutura espacial encarnava uma hierarquia de valor e de perfeição, mundo no qual, "acima" da Terra pesada e opaca, centro da região sublunar da mudança e da corrupção, se "elevavam" as esferas celestes dos astros impoderáveis, incorruptíveis e luminosos, e a substituição deste por um universo indefinido, e até mesmo infinito, não suportando já nenhuma hierarquia natural e unido apenas pela identidade das leis que o regem em todas as suas partes, assim como pela dos seus componentes últimos, colocados, todos eles, ao mesmo nível ontológico. (Koyré, 1973, p. 11, trad. livre) |
E a geometrização do espaço, estreitamente ligada à destruição dos cosmos, deve ser percebida como:
(...) a substituição da concepção aristotélica do espaço, conjunto diferenciado de locais intramundanos, pela do espaço da geometria euclidiana - extensão homogénea e necessariamente infinita -, daqui em diante considerada como idêntica, na sua estrutura, ao espaço real do universo. O que por sua vez, implicava a rejeição pelo pensamento científico de todas as considerações baseadas nas noções de valor, de perfeição, de harmonia, de sentido ou de fim, e finalmente a desvalorização completa do ser, o divórcio total entre o mundo dos valores e o mundo dos factos. (Koyré, 1973, p. 11-12, trad. livre) |
Segundo o autor, a nova cosmologia no séc. XVII provocou a substituição do mundo geocêntrico dos gregos e do mundo antropocêntrico da idade média por um universo descentrado. O homem passou então de espectador da natureza a seu mestre e possuidor, substituindo o cuidado com o "outro mundo" pelo interesse neste, convertendo os seus fins transcendentes nos objectivos imanentes.
Deste modo, o homem perdeu o seu lugar como centro do mundo, ou melhor, perdeu o mundo que formava o quadro da sua existência e o objecto do seu saber, tendo sido obrigado a modificar e adaptar as suas concepções fundamentais e as próprias estruturas de pensamento.
Tanto a ciência como a filosofia e a teologia têm manifestado um legítimo interesse pelas questões relativas à natureza do espaço e da matéria, da estrutura da acção e da causalidade, bem como pelas que se referem à natureza, estrutura e valor do pensamento e da ciência humanos. No entanto, os problemas colocados pela infinitização do universo são demasiado profundos e as soluções encontradas têm sempre implicações demasiado vastas e importantes para que seja possível um progresso contínuo e constante. Na obra acima referida, Koyré percorre os caminhos principais do longo percurso que parte do mundo fechado em direcção ao universo infinito, através da análise da obra de alguns grandes pensadores que colocaram o problema fundamental da estrutura do mundo no centro das suas reflexões. Aqui fica um convite à leitura!
Referência Bibliográfica: