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        A escola formalista, criada por volta de 1910 por David Hilbert – significativamente, esta é também a data de publicação dos Principia Mathematica – tinha por objectivo encontrar uma técnica matemática por meio da qual se pudesse demostrar, de uma vez por todas, que a Matemática estava livre de contradições. Numa palavra,  Hilbert propunha fazer a demonstração matemática da consistência da Matemática clássica. Mas, para tal, tinha que utilizar argumentos puramente finitários que Brouwer não pudesse rejeitar. Com este objectivo,

  • introduziu uma linguagem formal e regras formais de inferência em número suficiente para que toda a "demonstração correcta" de um teorema clássico pudesse ser representado por uma dedução formal com cada passo mecanicamente verificável;
  • desenvolveu uma teoria das propriedades combinatórias desta linguagem formal;
  • propôs-se demostrar que, dentro deste sistema, não podiam existir contradições.

        Deste modo,  pretendeu estabelecer o que designava por "demonstrações objectivas", ou seja, encadeamentos de fórmulas deduzidas através de implicações a partir de axiomas ou conclusões previamente estabelecidas, por pura manipulação de símbolos.

        Na verdade, segundo o formalismo, não existem objectos matemáticos. A Matemática consiste apenas em axiomas, definições e teoremas, ou - por outras palavras - em fórmulas. Em limite, existem regras pelas quais se deduz uma fórmula a partir de uma outra. Mas as fórmulas não são acerca de coisa alguma: são apenas combinações de símbolos. É claro que os formalistas sabem que as fórmulas matemáticas se aplicam por vezes a problemas físicos. Quando se dá a uma fórmula uma interpretação física, ela ganha um significado, e pode então ser verdadeira ou falsa. Mas esta veracidade ou falsidade tem a ver com a própria interpretação física. Enquanto fórmula puramente matemática ela não tem significado nem valor lógico.

        Para o formalista, o platonismo não tem pois qualquer sentido. Por exemplo, não existe nenhum sistema de números reais, excepto se optarmos por criá-lo, estabelecendo axiomas para o descrever. Naturalmente, temos a liberdade de mudar este sistema de axiomas. Tal mudança, pode ser ditada por conveniência, por utilidade ou ainda por outros critérios que decidirmos introduzir. Mas, em caso algum, se pode conseguir uma melhor correspondência com a realidade uma vez que não há realidade alguma que a Matemática traduza ou exprima.

        Os formalistas e os platonistas estão pois em extremos opostos relativamente à questão da existência da realidade matemática. Mas estão de acordo sobre as regras de raciocínio que deverão ser permitidos na prática Matemática. E estão ainda de acordo na sua comum oposição às teses dos constructivistas que consideram como verdadeira Matemática apenas aquela que pode ser obtida por construções finitas.

        Com o formalismo, a Matemática torna-se um sistema formal fechado, que parte dos axiomas e dos termos iniciais e se desenvolve, numa cadeira ordenada de fórmulas mediadas por teoremas, sem nunca sair de si mesmo. A matemática torna-se assim, nem mais nem menos, do que "um jogo linguístico" fundado exclusivamente nas próprias regras do jogo, como acontece, por exemplo, com o jogo de xadrez. Fazer Matemática consiste em manipular símbolos sem significado de acordo com regras sintácticas explícitas.

            Citemos um autor bem conhecido:

            «Quanto aos fundamentos, acreditamos na realidade da Matemática. Mas quando os filósofos nos atacam com os seus paradoxos corremos a esconder-nos atrás do formalismo e dizemos: "A Matemática é apenas uma combinação de símbolos sem sentido". Por fim, somos deixados em paz e podemos voltar à nossa Matemática e fazê-la como sempre a fizemos, com o sentimento que cada matemático tem de que está a trabalhar com algo real. Esta sensação é provavelmente uma ilusão. Mas é muito conveniente. Esta é a atitude de Bourbaki acerca dos fundamentos.»

(J.A. Dieudonné, 1970, p.145)

        Na citação em epígrafe, o termo "formalismo" significa a posição filosófica segundo a qual quase toda, ou mesmo toda a Matemática pura, é um jogo sem sentido. Trata-se, como é óbvio, de uma posição inaceitável do ponto de vista do logicismo. Mas, como é igualmente óbvio, a rejeição das posições formalistas não implica, de forma alguma, qualquer crítica à lógica matemática. Pelo contrário, os logicistas, especialmente atentos como são quanto às íntimas relações entre a Matemática e a Lógica, estão na melhor posição possível para apreciar o enorme esforço de explicitação lógica que o formalismo representa face à Matemática tal como ela é vulgarmente realizada.

        No entanto, tal como o programa logicista, também o formalismo foi confrontado com os seus próprios limites. Em 1930, Gödel enunciou o célebre teorema da incompletude. A partir desse momento, ficou claro a consistência dos axiomas não pode ser provada, isto é, que nunca se pode encontrar em Matemática uma certeza completa por meio de qualquer método baseado na lógica tradicional. Como dizem P. Davis e R. Hersh (1988: 56), "qualquer sistema formal consistente suficientemente forte para conter a aritmética elementar seria incapaz de demostrar a sua própria consistência" .

        Os resultados alcançados por Godel mostraram que o projecto de Hilbert era irrealizável.

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt