Insuficiências da lógica tradicional

 

        1. A atenção quase exclusiva dada aos enunciados da forma "S é P" é limitativa.

            Tal limitação torna penoso o tratamento de proposições com mais termos (ou classes, ou "predicados").

        Exemplo:

            A simbolização de "A altura de A está entre a de B e de C", é simples em matemática – "(B>A>C)Ú (C>A>B)", ou no cálculo de predicados "(MbaÙ Mac)Ú (McaÙ Mab)". Em ambos os casos podemos ler "(B é maior que A que é maior que C) ou (C é maior que A que é maior que B) sem discutir inutilmente qual é o termo, A, B ou C, que deve tomar o lugar de sujeito, qual deve tomar o lugar de predicado e o que fazer com o outro. De facto, a simbolização valorizou a relação "ser maior" e deu aos termos um papel secundário. A lógica clássica também estudou proposições disjuntas, semelhantes a esta, mas não lhes deu o devido realce.

     

        2. O uso das formas verbais "é" ou "são" obscurece a diferença entre as diferentes relações lógicas.

Dadas, por exemplo, as proposições:

    1. Sócrates é mortal;
    2. Os homens são mortais;
    3. Uma algia é uma dor;

Verificamos:

Em 1. o "é" significa pertença de um ente a uma classe,

Em 2. "são" significa inclusão de uma classe noutra classe,

Em 3. "é" significa igualdade.

    Ora, as relações de pertença, inclusão e igualdade têm diferentes propriedades lógicas (por exemplo, de ‘a=b’ concluo que ‘b=a’, mas seria extravagante concluir de ‘Sócrates pertence à classe dos mortais’ que ‘A classe dos mortais pertence a Sócrates’). A adoção de um simbolismo que distinga os diversos tipos de relações é por isso não apenas conveniente mas indispensável.

3. A não compreensão da necessidade de termos que referem classes vazias (isto é, conceitos de objectos inexistentes).

        Ao supor que os termos devem denotar sempre um objecto existente, autorizou, por exemplo, que, de proposições Universais Afirmativas (A) se inferisse imediatamente a correspondente Particular Afirmativa (I).

        Por exemplo: da lei da inércia, "todo o corpo que não esteja sujeito a forças externas tende a manter o seu estado (se está imóvel tende a permanecer imóvel, se está em movimento tende a permanecer em movimento rectilíneo e uniforme)", a tradição concluía "há corpos que não estão sujeitos a forças externas", ou seja: quem sustentasse a primeira tinha de sustentar a segunda. Sendo uma inferência válida, quem quisesse negar a segunda teria de declarar que a primeira é falsa. Ora, a Física nega a segunda – já que todo o corpo está, em grau maior ou menor, sob a influência da acção gravítica de outros corpos. Neste caso, a lógica clássica declara que a primeira – que é uma lei essencial da Física – como tem por sujeito a referência a objectos inexistentes, é falsa!

        O problema foi resolvido, na lógica moderna, pela interpretação condicional das proposições universais. Assim, apesar do enunciado categórico em que é expressa, a lei da inércia não afirma que existam objectos não sujeitos a forças externas. Apenas diz: "Se um objecto não está sujeito a forças externas, então..."

        Quer isto dizer que a ciência tem que proceder a idealizações, tem que construir leis (enunciados universais) que referem objectos em condições ideais, isto é, que não se verifiquem na prática, para, depois e com outros enunciados, particulares e também universais, deduzir consequências para os objectos existentes. Ora, a lógica tradicional declarava que todos esses enunciados universais eram falsos!

 

        Em resumo: Para a lógica moderna os enunciados universais não afirmam a existência de objectos, apenas afirmam condições para a existência de tais objectos: logo, só podemos passar de proposições universais a proposições singulares mediante premissas particulares que garantam a existência dos objectos referidos.

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt