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        Enquanto a geometria se propunha ensinar verdades, a forma racional da sua apresentação podia parecer como uma espécie de luxo intelectual. Quando o encadeamento lógico era considerado apenas como um meio para atingir proposições verdadeiras, ou para as receber de outrem através de uma espécie de argumentação retórica ex praecognitis et praeconcessis, podiam tolerar-se algumas faltas de rigor. A intuição, como um meio auxiliar, viria então em socorro do resultado que se pretendia. A certeza da ciência não ficava comprometida.

        O mesmo não acontece quando, como o sugerem hoje todas as geometrias, a verdade material do conteúdo deixa de interessar. A validade da geometria depende então exclusivamente da sua base lógica. A menor insuficiência faz com que o edifício se desmorone e o recurso à intuição surge como uma violação às regras do jogo.

        Uma outra razão impelia no mesmo sentido, inclusivamente aqueles que continuavam a atribuir importância primordial à verdade extrínseca das proposições: o facto de a intuição espacial suscitar uma desconfiança cada vez maior. Na verdade, toda a história da geometria acusa uma tendência constante para restringir cada vez mais o domínio da intuição espacial. No séc. XIX, com a "aritmetização da análise", o movimento acelerou-se consideravelmente para o que não podia deixar de contribuir o aparecimento de geometrias rebeldes à intuição espacial comum. Manifestam-se assim grandes discrepancias entre as sugestões falaciosas da intuição e os ensinamentos indubitáveis da demonstração. Determinada proposição que todos consideravam como certa podia revelar-se errónea. Uma outra que teríamos afastado sem hesitar é no entanto susceptível de ser provada. Para citarmos apenas dois exemplos memoráveis: 

        Foi Pasch (1843-1930) quem tentou a primeira axiomatização da geometria. Se a sua solução apresentava muitas imperfeições, devidas em parte ao facto de o autor se conservar muito próximo do empirismo clássico, pelo menos valeu pela formulação clara do problema: "para que a geometria se torne verdadeiramente numa ciência dedutiva, é necessário que a maneira com se extraem as consequências seja sempre independente do sentido dos conhecimentos geométricos, como o deve ser também das figuras. Só se devem tomar em consideração as relações entre os conceitos geométricos formuladas pelas proposições (que servem de definições). Pode ser útil e conveniente pensar, durante a dedução, na significação dos conceitos geométricos utilizados, mas tal não é de modo algum necessário. É precisamente quando isso se torna necessário que se manifesta uma lacuna na dedução e (quando se não pode suprimir essa lacuna modificando o raciocínio) a insuficiência das proposições invocadas como meios de prova." (Pasch, cit. in Blanché, 1978: 34).

        Eis, pois, as condições fundamentais que uma exposição dedutiva deve satisfazer para ser verdadeiramente rigorosa:

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