Um pouco de História...

  

"O Cálculo teve sua origem nas dificuldades encontradas pelos antigos matemáticos gregos na sua tentativa de expressar as suas idéias intuitivas sobre as razões ou proporções de segmentos de rectas, que vagamente reconheciam como contínuas, em termos de números, que consideravam discretos."

Boyer

         
          Sabemos que o grande florescimento da cultura grega se deu nas colónias situadas na Ásia Menor, principalmente na cidade de Mileto. No início do século VI a.C., os sábios de Mileto, entre eles Tales (c. 625 a c. 547 a. C.), começaram a tentar compreender racionalmente os fenómenos da natureza. A utilização do raciocínio dedutivo deu origem à criação de uma matemática dedutiva e formalmente organizada, diferente da matemática de carácter iminentemente prático desenvolvida no Egipto e na Mesopotânia. 
          No final do século IV a.C. o centro das Matemáticas Gregas mudou-se de Mileto e de outras cidades na Ásia Menor para a Magna Grécia, onde viveu Pitágoras (c. 569 a.C a c. 475 a.C.). Por volta de meados do século V a.C., mudou-se de novo, desta vez para Atenas, onde a matemática se desenvolveu principalmente na Academia de Platão (427 - 347 a.C.). 

         O maior desenvolvimento da matemática grega deu-se porém no período helenístico, de 300 a.C. a 200 d.C. Por volta de 300 a.C. o centro da matemática mudou-se de Atenas para Alexandria, a cidade construída (no Egipto) por Alexandre, o Grande (358 - 323 a.C.) e que permaneceu o centro das matemáticas durante cerca de um milénio. No Museu de Alexandria trabalharam grandes matemáticos como Euclides , Arquimedes, Apolónio, Diofanto ou Hipatia.

         

          A matemática dos gregos era como se disse uma matemática de carácter dedutivo, não havendo propriamente livros contendo problemas, mas apresentações sistemáticas com axiomas, teoremas e demonstrações. De qualquer forma, esta matemática enfrentou alguns problemas, alguns dos quais os matemáticos da época não foram capazes de resolver (para os gregos todos os problemas tinham de ser resolvidos apenas com régua não graduada e compasso). Ora, três desses problemas clássicos da antiguidade só no secúlo XIX foram resolvidos (ou melhor, mostrou-se que o não podiam ser) com o auxilio da Teoria de Galois: a duplicação do cubo, a quadratura do círculo e a trissecção do ângulo

 

Duplicação do cubo

        Dos três grandes problemas clássicos da matemática, este problema é provavelmente, o mais famoso. No entanto, não se sabe precisamente quando e por quem foi formulado pela primeira vez. Existem vários relatos a respeito. Eis aqui duas dessas versões:

1ªVersão – Durante uma epidemia, os habitantes de Atenas teriam decidido enviar uma delegação para perguntar ao oráculo da ilha de Delos o que tinham de fazer para apaziguar os Deuses. Ao que o oráculo lhes respondeu que deveriam construir  um altar ao Deus Apolo, em forma de cubo, e com o dobro do volume de um outro já existente na ilha.

2ªVersão - O rei Minos insatisfeito com o tamanho do túmulo de seu filho Glauco ordenou que o túmulo fosse dobrado sem que porém se perdesse a forma original.

       O problema hoje coloca-se da seguinte forma: 

        Dado um cubo, podemos construir, usando apenas régua e compasso, a aresta de um outro cubo cujo o volume é o dobro do volume do primeiro? Este problema reduz-se ao seguinte: dado um segmento de comprimento 1, podemos construir um segmento de comprimento a tal que a3=2? Dito de outro modo: existe algum número real a construtível tal que a3=2?

"Demonstração" da sua impossibilidade...

         Suponhamos que existe a tal que a3= 2 e a é construtível. Então, pela proposição(*), [(a): ] = 2m para algum m 0. Ora a é raiz do polinómio x3-2 [x], o qual é irredutível em [x], donde [(a): ] = 3. Assim, obtemos 3=2m para algum m 0. Absurdo!

 

Quadratura do círculo

         Este problema coloca-se hoje, da seguinte forma:

         É possível construir, com régua e compasso, o lado de um quadrado com área igual à área de um círculo dado? Este problema reduz-se ao seguinte: dado um segmento de comprimento 1, podemos construir um segmento de comprimento a tal que a2=p. Ou melhor, existe um número real construtíve tal que a2=p?

"Demonstração" da sua impossibilidade...

        Suponhamos que existe a tal que a é construtível e a2= p. Então a2 é construtível, donde construtível. Então pela proposição(*), p é algébrico sobre ℚ, o que, como já observámos, é falso! Logo o problema não é resolúvel.

 

Trissecção do Ângulo

           Este problema coloca-se hoje, da seguinte forma:

           É possível dividir o ângulo p/3 em três partes iguais, usando apenas régua e compasso?

"Demonstração" da sua impossibilidade...

Esta questão equivale a provar que o ponto (cos p/9, senp/9) não é construtível. Observamos que se tal ponto fosse construtível, então (cos p/9,0) também o seria e, portanto, cos p/9 seria um real construtível. Mostremos que cos p/9 não é construtível. Comecemos por recordar que cos(3z)=4cos3z-3cos z, para qualquer zℝ. Em particular, tomando z=p/9 obtemos

cos(p/3)=4cos3(p/9)-3cos p/9

e, como cos(p/3)=1/2, obtemos

1=8cos3(p/9)-6cos p/9

donde 2cos p/9 é raíz do polinómio

x3-3x-1 [x].

Ora, as únicas raízes racionais possíveis deste polinómio são 1 e -1, mas verificamos que, de facto, nem 1, nem -1 são raízes. Portanto, x3-3x-1 é irredutível em [x], donde

[(2cos p/9): ] = 3.

Assim, concluímos, pela proposição(*), que 2cos p/9 não é construtível, donde cos p/9 também o não é (uma vez que 2 é construtível). Logo, não é possível trissectar o ângulo p/3 com régua e compasso.

 

           Uma última nota: estes e outros problemas eram apresentados aos gregos como desafios propostos pelos Deuses. A resolução de um problema fazia com que se aproximassem dos Deuses. Cada problema solucionado era mais um passo nessa direcção. O objectivo do homem grego era superar-se a si próprio tentando diminuir a distancia que separava os humanos dos divinos. Não é esse também o destino da Matemática?