As Três Leis de Kepler

 

    O movimento dos planetas, estrelas e outros corpos celestes têm sido observados desde há muito tempo. Na antiguidade pensava-se que a Terra estava no centro do Universo. Este Modelo Geocêntrico foi elaborado e formalizado pelo astrónomo grego Ptolomeu (100-170) e aceite durante 1400 anos.


Figura: Sistema ptolemaico

    Em 1543, Copérnico (1473-1543) sugeriu que a Terra e os outros planetas teriam órbitas circulares em torno do Sol: Modelo Heliocêntrico.



Figura: Sistema copernicano.

      O astrónomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) realizou medidas astronómicas durante 20 anos sendo de notar que as suas observações precisas de planetas e de 777 estrelas visíveis a olho nú foram feitas sem utilizar o telescópio, então não ainda inventado.

    As observações realizadas por Tycho Brahe tornaram-se infinitamente mais valiosas para o progresso da ciência depois de trabalhadas por Kepler. Quando Kepler se tornou sucessor de Tycho, herdou a maior e mais cuidada colecção de observações planetárias, em especial do planeta Marte, que alguma vez se tinha conseguido reunir.
    Kepler passou cerca de dezasseis anos a tentar chegar a uma dedução matemática do modelo do movimento dos planetas que justificasse as observações realizadas pelo seu mestre. A análise de Kepler mostra que a ideia de existência de órbitas circulares tinha de ser abandonada, contrariando assim a teoria defendida por  Tycho que, em carta enviada havia escrito1:

"É necessário que as órbitas dos planetas sejam completamente descritas por movimentos circulares pois, caso contrário, eles não regressariam perpétua e uniformemente à sua órbita e a sua perpetuidade seria perturbada (...) uma mente racional iria retrair-se com horror face tal suposição [a não circularidade] (...) se o movimento circular nos céus, devido à sua disposição, por vezes aparenta produzir - para alguém que tenha a vã curiosidade de reparar em tais particularidades - diversas figuras angulares na sua maioria de forma oblonga, então isso pode ter sido por acaso." 2

    Kepler descobriu, em 1605, que a órbita de Marte só podia ser descrita por uma elipse. Citando Kuhn3: "Uma longa série de tentativas sem sucesso forçou Kepler a concluir que nenhum sistema baseado em círculos compostos resolveria o problema. Uma outra figura geométrica deveria, pensou, conter a chave. Tentou vários tipos de ovais, mas nenhum eliminou as discrepâncias entre a sua hipótese de teoria e a observação. Então, reparou que as próprias discrepâncias variavam de um forma matemática familiar e, ao investigar essa irregularidade descobriu que a teoria e a observação podiam ser conciliadas se os planetas se movessem em órbitas elípticas com velocidades variáveis."

    Kepler generalizou esta análise para todos os planetas e, em 1605, enunciou a Primeira Lei :

Lei da órbitas elípticas

Todos os planetas se movem segundo órbitas elípticas com o Sol num dos pontos focais.

  
    No entanto, em 1602, quando tentava calcular a posição da Terra na sua órbita, Kepler havia já definido aquela que viria a ser a sua Segunda Lei

Lei da áreas

À medida que o planeta descreve a sua órbita, o seu vector posicional relativamente ao Sol percorre áreas iguais em intervalos de tempo iguais.

Uma demonstração desta Lei é apresentada por Serway4:


Considere-se um planeta de massa Mp que se move em torno do Sol em órbita elíptica:

Figura: A força gravitacional que actua num planeta dirige-se para o Sol, ao longo do vector direccional.

    A força gravitacional actua no planeta sempre ao longo do vector posicional, com direcção para o Sol. A força dirigida para dentro ou para fora de um ponto fixo é chamada de força central (que é apenas função do raio). O momento da força que actua no planeta devido a esta força central é obviamente zero, desde que F seja paralelo a r. Ou seja,



    Como , o momento angular de um planeta é 

uma constante do movimento:

constante

    Dado que L é uma constante do movimento, o movimento dos planetas em qualquer instante é restringido ao plano formado por r e v.
    Pode-se relacionar este resultado com as seguintes considerações geométricas. O vector posicional r na figura seguinte descreve uma área no intervalo de tempo . Esta área é igual a metade da área de um paralelogramo formado pelos vectores r e .

Figura: Como um planeta orbita em torno do Sol, a área descrita pelo vector direccional no tempo dt é igual a metade da área do paralelogramo formada pelos vectores r e dr = v dt.

Como o deslocamento do planeta no intervalo de tempo é , obtém-se:

 

constante

em que L e Mp são constantes do movimento. Assim, o vector posicional do Sol ao planeta descreve áreas iguais em intervalos de tempo iguais (Segunda Lei de Kepler).


  A primeira e a segunda leis de Kepler, embora descobertas em 1605 e 1602, respectivamente, apenas foram publicadas em 1609 na obra intitulada "Astronomia Nova".

  
   A Terceira Lei estabelece uma relação entre os tempos periódicos em que os planetas completam as suas órbitas em torno do Sol e as suas distâncias médias ao Sol.
Kepler começou por tentar estabelecer uma relação entre D (distância do planeta ao Sol) e T (período sideral do planeta), e depois entre D e T2 não tendo conseguido chegar a nenhuma conclusão satisfatória. O mesmo aconteceu quando considerou T2 e D2. Mas quando tentou relacionar T2 e D3 a situação mudou , tal como se pode observar pela tabela seguinte:

Mercúrio Vénus Terra Marte Júpiter Saturno
Semi-eixo maior(UA) 0,387 0,723 1,000 1,524 5,203 9,534
Período(anos) 0,241 0,615 1,000 1,881 11,862 29,456
T2 (U.A.) 0,058 0,378 1,00 3,53 141 867,7
D3 (U.A.) 0,058 0,378 1,00 3,54 141 867,9

 

    E assim formulou a sua Terceira Lei:

Lei Harmónica

Os quadrados dos tempos de revolução de quaisquer dois planetas em torno do Sol (incluindo a Terra) são proporcionais aos cubos das suas distâncias médias ao Sol.

    Esta lei estabelece que os planetas com órbitas maiores se movem mais lentamente em torno do Sol. O que implica que a força entre o Sol e o planeta decresce com a distância ao Sol.
    Sendo T o período sideral do planeta, D o semi-eixo maior da órbita que é igual à distância média do planeta ao Sol, e K uma constante, podemos expressar a 3ª lei como:


    Esta lei significa que é impossível que, em qualquer sistema de satélites, estes se movam a qualquer velocidade ou a qualquer distância, dado que uma vez escolhida a distância a velocidade está necessariamente determinada.
    É lei é conhecida por Lei Harmónica uma vez que, quando Kepler a descobriu, pensou que demostrava a verdadeira harmonia celeste. Foi publicada em 1619 em "Harmonices Mundi", tendo exercido um influência decisiva na formação da teoria da atracção universal de Newton.

    Serway 5 apresenta a seguionte demonstração da Terceira Lei de Kepler:


      Considere-se um planeta de massa Mp que se move em torno do Sol, de massa MS, numa órbita circular, tal como mostra a figura seguinte:

Figura - Um planeta de massa Mp move-se segundo um órbita circular em torno do Sol. A órbita de todos os planetas, com a excepção de Marte, Mercúrio e Plutão são aproximadamente circulares.

 

    Dado que a força gravitacional exercida no planeta pelo Sol é igual à força central necessária para fazer com que o planeta se mova circularmente, tem-se:

    Como a velocidade orbital do planeta é dada por  ,

 em que T é o período, a expressão anterior fica:

    Simplificando, chega-se então à expressão final:

    Equação 1

onde KS é uma constante dada por:

    A equação 1 representa a Terceira Lei de Kepler. A lei também é válida para órbitas elípticas substituindo r pelo comprimento do semi eixo-maior da elipse, a .

Figura: Esquema de uma elipse. O semi-eixo maior tem um comprimento a, e o semi-eixo menor tem um comprimento b. Os pontos focais estão a uma distância c do centro, com a2 = b2+c2, e a excentricidade é definida por e = c/a


   Note-se que a constante de proporcionalidade Ks, é independente da massa do planeta. Deste modo, esta equação é válida para qualquer planeta. Se se considerar a órbita de um satélite em torno da Terra, como a Lua, então a constante terá um outro valor, substituindo a massa do Sol pela massa da Terra. Neste caso, a constante de proporcionalidade será .


Referências:

1 Kozhamthadam, J. (1994); "The discovery ok Keples's laws: the interaction of science, philosophy and religion"; University of Notre Dame Press; Notre Dame; London , p. 202
2 Tradução das autoras.
3 Kuhn, T. (1957); "A revolução copernicana - A astronomia planetária no desenvolvimento do pensamento ocidental"; Edições 70; Lisboa, p.244
4 Serway, R.; (1996); "Physics for Scientists and Engineers"; 4ª Edição; USA: Saunders Golden Sunburst Series, p. 399
5 Serway, R.; (1996); "Physics for Scientists and Engineers"; 4ª Edição; USA: Saunders Golden Sunburst Series, p. 398