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    As relações entre a matemática e a música são muito antigas. Já no mundo grego, no séc. VI a.c., os pitagóricos sublinharam o papel desempenhado pelo número e pela proporção na compreensão do universo. Eles consideravam que a música encerra uma aritmética oculta e que a harmonia é a proporção que une os princípios contrários presentes na constituição de qualquer ser. Os pitagóricos distinguiram dois tipos de harmonia, a harmonia sensível, que se faz sentir pelos instrumentos musicais e a harmonia inteligível que consiste na articulação dos números.

       Neste trabalho, de carácter meramente introdutório, não podemos obviamente abordar todas as dimensões possíveis das relações entre a matemática e a música. Elas são múltiplas e extremamente complexas.  Como diz Oliveira (2000: 12) " Se, por um lado, podemos partir da observação dos factos naturais, e tentar mostrar onde está a origem dos sistemas musicais, por outro, podemos também centrar as preocupações teóricas sobre o funcionamento intrínseco da música, procurando estabelecer leis internas, deixando de lado a sua justificação lógica. Enquanto que compositores como Rameau, Zarlino, Hindemith ou mesmo Xenakis, têm sido apologistas convictos do primeiro, do outro lado, nomes como Rousseau, Galilei ou Fétis marcam a sua posição". E, pergunta ainda, "poderemos nós, Homens do fim do milénio, com todo o conhecimento histórico que possuímos sobre a tradição da música ocidental, argumentar com sucesso a favor de uma arte racional, fundada em factos lógicos ou naturais ou, pelo contrário, essencialmente humana, imperscrutável e imprevisível?"

   Não é essa certamente a nossa situação. Limitamo-nos por isso a apresentar alguns exemplos de como estas duas disciplinas se interligam.

    Antes porém, transcrevemos três reflexões de diferentes épocas  sobre esta grande questão:

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"MESTRE – Certamente temos a liberdade de considerar que razões tinha Deus, e então, de um modo maravilhoso, poderemos perceber um pouco as razões da concordância e discrepância dos sons, assim como a natureza dos diferentes tropos (...). Ao contarmos a série numérica usada (quero dizer 1,2,3,4, e por aí adiante) apercebemo-nos da sua simplicidade, e pela sua simplicidade esta é facilmente compreensível, mesmo por meninos; mas quando uma coisa é comparada desigualmente com outra, o procedimento recai sob os diversos domínios da desigualdade; assim, na Música, filha da Aritmética ( isto é, a ciência dos números), os sons são enumerados por uma simples ordem, mas quando soam em conjunto com outros, contêm não só as variadas espécies de harmonias belas, mas também as maravilhosas razões que as explicam.

DISCÍPULO – Como é que a Harmonia nasceu da Aritmética, como se esta fosse sua mãe; e o que é a Harmonia, e o que é a Música?

MESTRE – A Harmonia pode ser considerada como uma mistura concordante de sons desiguais. A Música é a teoria da concordância em si mesma. E a ela se junta também a teoria dos números, como acontece nas outras disciplinas da Matemática, e é através dos números que devemos compreender.

DISCÍPULO – Quais são as disciplinas da Matemática?

MESTRE – Aritmética, Geometria, Música e Astronomia.

DISCÍPULO – O que é a Matemática?

MESTRE – É a ciência doutrinal.

DISCÍPULO – Porquê doutrinal?

MESTRE – Porque trata de quantidades abstractas.

(...)

DISCÍPULO – O que é a Aritmética?

MESTRE – A disciplina das quantidades numeráveis.

DISCÍPULO – O que é a Música?

MESTRE – A disciplina racional da concordância e discrepância nos sons, de acordo com números, e suas relações com as coisas que se encontram nos sons.

DISCÍPULOS – O que é a Geometria?

MESTRE – A disciplina das magnitudes imóveis, e das formas.

DISCÍPULO – O que é a Astronomia?

MESTRE – A disciplina das magnitudes móveis que contempla os percursos dos corpos celestes, e debruça-se racionalmente sobre as órbitas das estrelas à volta de si mesmas e à volta da Terra.

DISCÍPULO – Porque é através da ciência dos números que as outras três disciplinas existem?

MESTRE – Porque tudo o que é abarcado por essas disciplinas existe através da razão dos números, e sem números não pode ser compreendida ou transmitida." (Scholia Enchiriadis, séc. X, cit. in Oliveira, 2000: 13).

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    "Geralmente, quando se compõe, começa-se por imaginar um som, por vezes verifica-se e corrige-se ao piano, depois escreve-se: anota-se. Será que existe uma diferença fundamental entre este método de trabalho tradicional e a composição de música de síntese, feita por um computador? Quando estamos diante do monitor do terminal, também imaginamos um som, experimentamo-lo, corrigimo-lo e finalmente armazenamo-lo numa linguagem informática. Neste processo é claro que estamos a traduzir as nossas reacções em números e quantificamos todos os parâmetros com a maior a maior precisão, mas a nossa reacção é, sobretudo, emocional. As palavras e toda a filosofia não são capazes de dar conta toda a precisão e objectividade deste domínio essencial da actividade humana. Por outro lado, é esta obrigação de nos debruçarmos sobre a essência de uma emoção e de a traduzirmos em cálculos precisos que torna o trabalho de composição feito com o auxilio do computador extraordinariamente fascinante. Há um sentimento de estarmos a contemplar um espelho insolentemente fiel, e que constantemente nos coloca questões pertinentes. Modificamos um parâmetro e reagimos emocionalmente ao resultado. Modificamos outro parâmetro e essa mudança produz outra emoção, subtilmente diferente, até talvez desconcertante. Outra modificação... etc., etc., e assim repetimos centenas de vezes este vai-vem entre o objectivo e o subjectivo, até se atingir uma espécie de adaptação mútua.

  "Basta-nos debruçar sobre a natureza do Homem, para podermos compreender aquilo que é a música do Homem. Pois o que pode unir o corpo físico com a actividade incorporal da razão, senão uma espécie de adaptação mútua, da mesma forma que os sons    graves e os agudos se unem numa consonância única? Que outra operação pode unir as partes da própria alma e realizar aquilo que, para Aristóteles, é a união do racional com o irracional?" (Boécio).

    Até ao momento presente, nunca foi possível analisar a este ponto as relações desconcertantes e talvez um pouco perturbadoras que ligam a música à matemática. Para o espirito medieval ( e talvez nos nossos dias ainda seja pertinente), esta relação era de ordem metafísica; o homem moderno refuta as explicações metafísicas, que considera como sendo muito generalistas. Ao pôr em destaque as configurações exactas da música matemática – que, para ser música deve responder a um sentido estético ou espiritual, considerado até então profundamente irracional – aproximamo-nos de uma melhor compreensão de nós próprios. As aplicações mais correntes da inteligência artificial, não permitem uma tal compreensão do cérebro e do intelecto, embora estes domínios não lhe sejam alheios. O que se experimenta ao trabalhar num programa de síntese, esse sentimento estranho de escrutinar o próprio fundo da consciência, parece-me que a música, mais uma vez, se aproxima da essência do debate filosófico. Para certos pensadores, com Marvin Minsky, a linguagem e a linguistica já não podem fornecer, ao contraio da música, as chaves para a análise do funcionamento intrínseco do pensamento" (Jonathan Harvay, cit. in Oliveira, 2000: 21).

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"É obvio que em arte, o sentido do que é habitualmente chamada "lógica" tem de ser modificado de alguma forma, mesmo que a mente humana, de uma forma geral, seja capaz de ter uma única forma de pensamento. Numa construção estritamente lógica, no sentido cientifico, as variações de um motivo ( ou de um grundgestalt, etc.) teriam de ocorrer de uma maneira sistemática e deveriam conduzir a uma finalidade pré-estabelecida. No entanto a dificuldade encontra-se na nomeação dessa finalidade, já que não existe (até agora) uma tal finalidade na música, e é impossível conceber uma tal ideia musical que para aí se dirija. No entanto, se deixarmos de tomar em consideração essa finalidade, qualquer desenvolvimento sistemático poderia ser feito de tal maneira que, primeiramente o ritmo e depois os intervalos ( ou vice-versa), poderiam ser sujeitos a processos de variação, ou mesmo ambos poderiam ser variados simultaneamente ou alternadamente. É fácil imaginar que o resultado de tal procedimento mecanizado não seria equivalente à forma como a música funciona: ou seja obter-se-iam inumeráveis repetições supérfluas (embora variadas) de gestalten, que seriam, na sua maior parte, desinteressantes e sem expressão. E ainda poderemos acrescentar que a ciência não se iria preocupar com a produção de cada um destes gestalten, mas conter-se ia em delinear os princípios que lhe dão origem." ( Arnold Schoenberg, cit. in Oliveira, 2000:15)

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