AS CRÍTICAS DE BERTRAND RUSSELL

 

      No número de Julho de 1905 da revista Mind, Russell apresentou três críticas fundamentais à filosofia de matemática de Poincaré.

    Em primeiro lugar, Russell defende o logicismo. O princípio da indução não passa, segundo ele, de uma definição de um número finito. Da mesma forma seria falso afirmar que a indução completa permite passar do particular para o geral uma vez que a clausula condicional da indução (se, qualquer que seja n, n tem a propriedade P, então o sucessor de n tem a propriedade P) já é por ela mesma geral. Finalmente, a potência do espírito ou a intuição a que Poincaré recorre é, segundo Russell, uma faculdade muito obscura para ser ligada ao raciocínio por indução completa, que arrisca fazer recair as certezas matemáticas sobre as considerações incertas da psicologia.

    Em segundo lugar, Russell não aceita que o critério da comodidade possa bastar para justificar a existência das várias geometrias. O que as distingue é a experiência. A nossa percepção apresenta a matéria exposta segundo certas relações, em que a ordem espacial não é indiferente e distingue-se certamente das outras ordens possíveis. É   portanto a percepção, e não as comodidades do cálculo que nos permitem escolher uma ordem de entre todas as outras. De notar que esta crítica de Russell se limita a prolongar o debate entre ele e Poincaré a propósito da geometria.

    Da mesma forma, no que concerne à lei de força da mecânica, Poincaré mantém o seu carácter convencional, embora não arbitrário, porque se os corpos reais parecem violá-la, os físicos preferem manter a sua validade e inventar corpos e movimentos hipotéticos. Mas, de acordo com Russell esta razão não é demonstrativa. Poincaré chama convenção não arbitrária, poderíamos chamar verdadeira se não tivéssemos sido levados a considerar como verdadeiro apenas o que a experiência pode confirmar ou refutar.

    Em terceiro lugar a teoria das probabilidades que defende Poincaré não é satisfatória, talvez por falta de precisão. O facto de a ciência apenas conhecer as relações entre as coisas e não as coisas em si mesmas depende, de acordo com Poincaré, do facto da asserção entre as coisas ser desprovida de significado, ao passo que, no entender de Russell ela tem simplesmente a ver com  razões psicológicas e é desprovida de verdade objectiva. Por fim, a experiência não é aquilo que prova uma lei geral, é apenas o que a selecciona no meio de outras leis gerais possíveis.

 

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A RESPOSTA DE POINCARÉ

 

    Poincaré respondeu a Russell por meio de uma carta dirigida ao director da publicação Mind, em 1906, que aqui reproduzimos parcialmente:

 

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    "Senhor Director

    Teve a bondade de me perguntar se eu tinha algumas observações a fazer a respeito do artigo que B. Russell consagrou ao meu livro, La Science et l’Hypothèse, no número de Julho de 1905. Teria muitas, evidentemente, mas não quero abusar da sua hospitalidade nem voltar a discussões antigas. Limitar-me-ei portanto a algumas breves  observações.

     Russell fala primeiro da aritmética e do papel do princípio da indução completa. Considera que este princípio não passa da definição de número inteiro. Eu acabo de escrever a este respeito um artigo que vai aparecer na Revue de Métaphysique et de Morale. Contentar-me-ei em remeter para este artigo e, numa palavra, explicar que o princípio de indução completa não significa, como pensa Russell, que todo o número inteiro pode ser obtido por adições sucessivas, isto é, definido por recorrência. Significa que, acerca de todo o número que pode ser definido por recorrência, se pode raciocinar por recorrência.

    O autor acrescenta que, no princípio de indução matemática, não se passa do particular para o geral, defendendo que o princípio de indução é mais geral que a proposição a demonstrar. Mas, a este respeito, poder-se-ia dizer que as ciências físicas procedem do geral para o particular, defendendo que o princípio de indução física é mais geral que uma lei física qualquer.

    No que concerne à geometria, tive com Russell uma longa discussão e vejo que ele persiste na sua opinião, assim como eu persisto na minha. Mas há uma frase que talvez permita entender melhor a origem do nosso desacordo: "so that objects", diz Russell, "which we perceive as near together...". E a palavra "perceive" torna a aparecer várias vezes sob a sua pena. Quanto a mim, nunca emprego o verbo percevoir, nem o substantivo perception, porque não sei o que eles querem dizer. Ignoro se a perception é uma sensação ou um juízo e parece-me que os filósofos que empregam este termo o entendem alguns no primeiro sentido, outros no segundo. É por isso que evito empregá-lo.

    No caso da distância geométrica, mostrei que, quando sentimos que uma distância é mais pequena do que outra, acontece frequentemente que, na realidade, a primeira seja a maior. Isto é a observação vulgar. Quando julgamos que uma distância é mais pequena do que outra, digo que julgamos em virtude de certas convenções que tínhamos adoptado porque as achávamos cómodas. Russell parece dar ao termo percevoir um terceiro sentido, sentido esse que eu não compreendo.

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    Eu disse que as questões relativas às qualidades das coisas reais são unmeaning; porque para que uma questão tenha sentido é preciso que se possa conceber uma resposta que tenha sentido. Ora, esta resposta apenas poderia ser dada com palavras e estas palavras apenas poderiam exprimir estados psicológicos, qualidades secundárias subjectivas, que não poderiam ser as das coisas reais; no fim do parágrafo que consagra a esta questão,   Russell diz: "We may even push the theory further, and say that in general even the relation are for the most part unknown, and what is known are properties of the relations, such as are dealt with by mathematics. And this, I think, expresses substantially the same view as that which M. Poincaré really holds."

    Russell não se enganou. É bem esse o meu pensamento.

    No final, Russell não parece muito satisfeito com o que digo àcerca da probabilidade. Eu também não estou muito satisfeito e ficaria feliz se Russell tivesse algo de mais satisfatório a propor."

 

                                                Poincaré

(Retirado do prefácio de Jules Vuillemin à edição citada da obra de Poincaré La science et l’ Hypothèse.)

 

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt