O VALOR DA CIÊNCIA

 

 

    Poincaré atribuía um elevado valor à ciência. Era frequente dizer que, apesar de a ciência estar menos avançada do que tinha imaginado quando frequentava o liceu, a sua fé nela não tinha diminuído. Aliás, detestava ouvir falar nas suas falhas. A este respeito, afirmava: "para a luta da vida são necessárias duas coisas: armas e coragem; a ciência prometeu-nos as armas que nos forneceu; se não temos coragem suficiente para as utilizar, não foi ela que falhou, fomos nós". (Appell, 1925:88)

 

    Como escreveu  no começo da introdução de La Valeur de la science, a procura da verdade deve ser o objectivo da nossa actividade; o único fim digno dela. É indispensável que, para além da multidão que apenas concebe o útil, haja homens de elite que conservem a tradição da cultura científica desinteressada. Eles encontram na ciência, diz Poincaré, "satisfações análogas às fornecidas pela pintura e pela música. Admiram a delicada harmonia do número e das formas; ficam maravilhados quando uma descoberta lhes abre perspectivas inesperadas. E, não terá a felicidade que sentem um carácter estético, embora não haja intervenção dos sentidos?" (Appell, 1925:96)

 

    Toda a vida de Poincaré é uma resposta aos que pensam que a ciência foi criada única e exclusivamente com vista à acção. A verdade deve preceder a utilidade, o que não significa que não venha mais tarde a revelar-se útil. Muitas investigações que, no início pareciam meras especulações abstractas, estão na origem de descobertas que transformaram o mundo.

 

    Para o filósofo, a ciência só fala no indicativo: "não pode pois dar lugar a imperativos morais" (Abbagnano, História da Filosofia, 1984:136). Contudo, isso não implica que seja contrária à moral. Esta move-se num outro horizonte, o da liberdade; e é impossível ao homem não agir, quando age, como homem livre, do mesmo modo que lhe é impossível não raciocinar como um determinista quando faz ciência. Para Poincaré a ciência, sem ser moralizadora é, indirectamente, fonte de moralidade, na medida em que inspira um amor desinteressado pela verdade, habitua os homens a trabalhar pela humanidade, obriga-os a um labor colectivo e solidário que dura e se acumula através dos séculos.

 

    Talvez a melhor forma de encerrar este ponto seja referir esta bela frase de Henri Poincaré: "o sábio digno deste nome, o geómetra sobretudo, sente face à sua obra a mesma sensação que o artista; a sua felicidade revela-se da mesma grandeza e natureza. Se eu não escrevesse para um público apaixonado por ciência, não ousaria exprimir-me desta forma; temeria a incredulidade dos profanos. Mas aqui, posso exprimir todo o meu pensamento. Se trabalhamos, não é tanto no intuito de obter resultados positivos com os quais o homem vulgar pensa que estamos unicamente preocupados, é mais para sentir esta emoção estética e comunicá-la aos que são capazes de a entender." (Cit. in Appell, 1925:113)

 

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt