Introdução à Filosofia Matemática por Bertrand Russell (in B. Russell, Introduction to Mathematical Philosophy, Londres, Allan and Unwin, 1919) |
Do ponto de vista histórico, a matemática e a lógica foram objecto de estudos distintos. As matemáticas estiveram ligadas às ciências e a lógica ao Grego. Mas ambas se desenvolveram na época actual; a lógica tomou-se mais matemática e a matemática tomou-se mais lógica. A consequência deste facto é que agora é impossível traçar uma linha de demarcação entre as duas. De facto, as duas estão tão interligadas que fazem uma só. Diferem como uma criança difere de um homem. A lógica é a juventude das matemáticas, as matemáticas são virilidade da lógica. Esta maneira de ver ofende quer os lógicos, que são incapazes de seguir um raciocínio simbólico, quer os matemáticos, que adquirem a sua técnica sem procurar conhecer o seu fundamento. Felizmente estes dois tipos tornam-se cada vez mais raros. Muito do trabalho matemático moderno toca a lógica, e muita da lógica moderna torna-se simbólica e formal, de modo que a relação estreita que une o matemático ao lógico salta à vista de qualquer investigador instruído. A prova desta identidade é, evidentemente, questão de pormenor. Partindo das premissas que se admitia universalmente pertencerem à lógica, e chegando por dedução a resultados que são claramente do domínio matemático, vemos que, em nenhum ponto, poderemos traçar uma linha definida, com a lógica à esquerda e a matemática a direita. Se há ainda pessoas que não admitem a identidade da lógica e das matemáticas, podemos. desafiá-las que nos mostrem em que ponto, nas definições sucessivas e nas deduções dos Principia Mathematica, encontram o fim da lógica e o começo da matemática. É evidente que qualquer resposta seria arbitrária.
Nos primeiros capítulos deste livro, que trata dos números naturais, definimos o «número cardinal» e mostrámos como se generaliza a concepção do número. Analisámos em seguida as concepções contidas nas definições, ponto em que entrámos em contacto com os fundamentos da lógica. Numa marca sintética, dedutiva, estas bases apresentaram-se em primeiro lugar, e só após uma longa viagem chegámos aos números naturais. Há um caminho semelhante, mais correcto formalmente do que aquele que adoptámos, mas que é mais difícil para o leitor, porque os conceitos lógicos últimos e as proposições de partida estão afastados e são pouco familiares em face da noção de números naturais. Além disso, representam o limite do nosso conhecimento actual, para além do qual se encontra ainda o desconhecido. Quer is tidzer que o domínio dos conhecimentos que possuímos está ainda bastante inseguro.
Habitualmente, costuma dizer-se que a matemática é a ciência das «quantidades». O termo «quantidade» é vago. Mas, para facilitar o argumento, podemos substitui-lo pela palavra «número». A afirmação de que a matemática é a ciência do número, será fa1sa por dois diferentes motivos. Primeiro, porque há ramos bem definidos das matemáticas que nada têm que ver com o número — toda a geometria que não emprega as coordenadas ou as medidas, por exemplo; a geometria descritiva, até ao momento em que lhe introduzimos as coordenadas, não tem qualquer ponto de ligação com o número, nem sequer com a quantidade no sentido de maior ou menor. Por outro lado, pela definição dos cardinais, pela teoria da indução e das relações ancestrais, pela teoria geral das séries e graças às definições das operações matemáticas, foi possível generalizar uma grande parte daquilo que temos por hábito provar somente com a ajuda dos números. O resultado foi que o que antigamente constituía o único e exclusivo fim da aritmética está agora fraccionado em estudos separados, em que nenhum é especialmente consagrado aos números. As propriedades elementares dos números estão ligadas às relações de «um para um» e à semelhança de classes. A adição depende da construção de classes mutuamente exclusivas, respectivamente semelhantes a um grupo de classes de que não se conhece a exclusividade mútua. A multiplicação penetra na teoria das selecções, espécie particular das relações de «um para muitos». O finito está englobado no estudo geral das relações ancestrais, em que se contém a teoria completa da indução matemática. As propriedades ordinais das diversas espécies de séries-números e os elementos da teoria da continuidade das funções, assim como a do limite das funções, podem ser generalizadas sem implicar qualquer referência essencial com os números. É um princípio, em todos os raciocínios formais, generalizar tanto quanto possível, porque obteremos desse modo, por um processo de dedução, resultados mais largamente aplicáveis. Generalizando também os raciocínios aritméticos, não fazemos mais que seguir um preceito universalmente admitido nas matemáticas; criamos um grupo de sistemas dedutivos novos no seio dos quais a aritmética clássica se encontra ao mesmo tempo anulada e desenvolvida. Mas se qualquer destes novos sistemas dedutivos — por exemplo a teoria das selecções — for considerado como pertencente a lógica ou à aritmética, esta aplicação toma-se arbitrária, sem que se possa justificar de uma maneira racional.
Eis-nos chegados a questão: Qual é o assunto que pode, indiferentemente, denominar-se matemática ou lógica? Haverá uma maneira de o precisar?
Certas características do assunto estão bem claras. Primeiramente não procuramos, a este respeito, as coisas particulares ou as propriedades especiais; ocupamo-nos formalmente daquilo que se pode dizer de uma coisa qualquer, de uma qualquer propriedade. Estamos preparados para dizer que um e um são dois, mas não que Sócrates e Platão são dois, porque, na nossa qualidade de lógicos ou matemáticos puros, nós não ouvimos nunca falar de Sócrates ou de Platão. Um mundo, no qual não existiriam dois indivíduos como eles, seria ainda um mundo onde um e um fariam dois. Não nos é permitido, como puros matemáticos ou lógicos, mencionar nada, porque, se o fizéssemos, introduziríamos uma coisa inconsequente e não formal. Procuraremos esclarecer isto tomando para exemplo o silogismo. A lógica tradicional diz: «Todos os homens são mortais; Sócrates é um homem; logo, Sócrates é mortal». O que nós pretendemos afirmar, primeiramente, é que as premissas implicam a conclusão, e não que as premissas e a conclusão são realmente verdadeiras. Mesmo a lógica estritamente clássica indica que a realidade das premissas não é aceitável em lógica. Desta maneira, a primeira modificação a trazer ao silogismo clássico precedente é a de estabelecê-lo da seguinte forma: «Se todos os homens são mortais e Sócrates é homem, Sócrates é mortal».
Observemos agora que a intenção é tomar a argumentação por válida em razão da sua forma e não devido aos termos particulares que aí se encontram. Se, nas nossas premissas, nós omitimos «Sócrates é um homem», teremos tido um raciocínio fora de forma, admissível somente porque, com efeito, Sócrates é um homem; neste caso, não poderemos generalizar. Quando, como acima, a argumentação é formal, nada depende dos termos que aí se encontram. Assim, podemos pôr a em vez de homens, b em vez de mortais e x em vez de Sócrates, sendo a e b quaisquer classes e x uma individualidade qualquer. Chegamos à exposição: «Sejam quais forem os valores possíveis de a, b e x, se os a são b e se x é um a, então x é um b»; por outras palavras, «a função é proposicional: se todos os a são b, se x é um a, x é um b, é sempre verdadeira». Aqui, enfim, temos uma proposição de lógica, aquela que é sugerida pela afirmação tradicional concernente a Sócrates, aos homens e aos mortais.
É certo que, se o raciocínio formal é aquele que temos em vista, chegaremos sempre, em última instância, a afirmações do género da precedente, na qual nem as coisas nem as propriedades reais são mencionadas. Isto far-se-á graças ao nosso único desejo de não perder tempo a demonstrar em particular o que pode ser demonstrado em geral. Seria ridículo argumentar longamente a respeito de Sócrates, para depois repetir exactamente as mesmas coisas a propósito de Platão. Se o nosso argumento for tal que incida sobre todos os homens, prová-lo-emos por x com a hipótese «x é um homem». Graças a esta hipótese, a argumentação conserva a sua validade hipotética, mesmo que x não seja um homem. Veremos agora que o nosso raciocínio será ainda bom se, em lugar de se supor que x é um homem, supusermos que é um macaco, um pato ou um primeiro-ministro. Assim não perderemos tempo a tomar como premissas «x é um homem»; nós teremos «x é um a» e a representa uma classe qualquer de indivíduos, ou k se k é uma função proposicional qualquer do tipo dado. Deste modo, a ausência de qualquer menção de coisas ou propriedades particulares, em lógica ou nas matemáticas puras, é um resultado necessário do facto de este estudo ser, como dizemos, «puramente formal».
Eis-nos agora em face de um problema que é mais fácil de pôr que de resolver. Ei-lo: «Quais são os constituintes de uma proposição 1ógica?». Eu não vejo a resposta, mas proponho-me a explicar como nasce este problema.
Tomemos a proposição: «Sócrates viveu antes de Aristóteles.» Parece evidente que temos aqui uma relação entre dois termos e que os constituintes da proposição (tal como os do facto apresentado) São os dois termos e a relação, isto é, Sócrates, Aristóteles e antes. (Deixo de lado o facto de Sócrates e Aristóteles não serem termos simples e de o que se apresenta sob a forma de um nome não ser, na realidade, mais que uma descrição truncada; isto nada tem que ver com o caso presente.) Podemos representar a forma de uma proposição semelhante por xRy, o que quer dizer x está ligado a y pela relação R. Esta forma, geral pode apresentar-se em proposições lógicas, mas não se encontrarão aí exemplos particulares. Iremos inferir que a forma geral é ela própria um constituinte de semelhantes proposições lógicas?
Sendo dado que «Sócrates está antes de Aristóteles», temos certos constituintes e também uma certa forma; mas a forma em si não é um novo constituinte; se fosse, faltar-nos-ia uma nova forma para abranger o conjunto desta forma e dos outros constituintes. Com efeito, podemos transformar todos os constituintes em variáveis, sem modificar a forma. É o que fazemos quando empregamos o símbolo xRy, que representa uma qualquer das proposições de uma classe dada, proposições aquelas que afirmam relações entre dois termos. Podemos formular uma asserção geral de tal modo que «alguma xRy é verdadeira» signifique que há casos em que as relações de dualidade são verdadeiras. Esta asserção pertence à lógica (ou a matemática) segundo o sentido que damos à palavra utilizada. Com esta asserção não visamos qualquer objecto particular, nem qualquer relação particular: nenhuma particularidade do objecto ou da relação pode fazer parte de uma proposição de lógica pura. Existem somente as formas puras como constituintes possíveis das proposições lógicas.
Näo pretendo assegurar positivamente que as formas puras (como xRy) entrem realmente nas proposições da espécie daquela que consideramos. A análise destas proposições é bastante delicada em presença de um conflito de considerações contraditórias. Não nos lançaremos neste problema, mas podemos aceitar, como primeira aproximação, que a forma entre nas proposições lógicas a titulo de constituinte. Podemos explicar (sem precisar completamente) como se segue o que entendemos pela forma de uma proposição:
A «forma» de uma proposição é o que permanece imutável nela, quando cada constituinte desta proposição é substituída por uma outra.
Assim, «Sócrates é anterior a Aristóteles» tem a mesma forma que «Napoleão é maior que Wellington», ainda que os constituintes de cada uma das proposições sejam diferentes.
Podemos então dizer que a característica necessária (mas não suficiente) das proposições lógicas ou matemáticas é a de que se deve poder obtê-las, partindo de proposições desprovidas de variáveis (isto é, palavras como tudo, algum, um, o, etc.), em que se substitui cada constituinte por uma variável e afirmando que o resultado é sempre verdadeiro ou algumas vezes verdadeiro, ou que é sempre verdadeiro relativamente a certas variáveis e algumas vezes verdadeiro relativamente a outras, ou adoptando uma variante qualquer destas formas. Uma outra maneira de estabelecer a mesma coisa é dizer que a lógica (ou a matemática) ocupa-se unicamente de formas, e só para verificar que são verdadeiras sempre ou algumas vezes, permutando o «sempre» e o «algumas vezes» de todos os modos possíveis.
Em cada linguagem existem palavras cuja única função é indicar a forma. De uma maneira geral, estas palavras são bastante abundantes nas línguas menos ricas em inflexões. Tomemos: «Sócrates é humano.» Aqui o verbo é não é um constituinte da proposição; indica simplesmente a forma sujeito-atributo. O mesmo se passa em: «Sócrates é anterior a Aristóteles»; aqui, aquelas duas palavras desapareceram e a forma mudou. A forma, regra geral, pode provir de outra coisa sem ser de palavras específicas; a ordem das palavras pode conseguir a maior parte do que se quer. Mas não vale a pena insistir neste princípio. Por exemplo, é difícil ver como poderíamos exprimir a forma molecular das proposições (a que chamámos funções verdadeiras) sem qualquer palavra. Vimos que uma palavra ou um símbolo bastam para alcançar esse objectivo, uma palavra ou um símbolo exprimindo a incompatibilidade. Se tal não existir, encontrar-nos-emos numa situação difícil. Portanto, isto não é o ponto principal das nossas pesquisas actuais. O que nos interessa é acentuar que a forma pode caracterizar a proposição geral enquanto que, nesta proposição, nem palavra nem símbolo designam a forma. Se queremos falar da própria forma, devemos possuir uma palavra para esse efeito; mas se, como acontece em matemática, queremos considerar todas as proposições da mesma forma, então não é indispensável ter uma palavra para designar a forma: em teoria, isto, provavelmente, nunca será indispensável.
Admitindo — creio que o poderemos fazer — que as formas das proposições possam ser representadas pelas das proposições em que não existem palavras especiais para exprimir a forma, chegaremos a uma linguagem graças à qual todas as coisas formais brotarão da sintaxe e não do dicionário. Uma tal linguagem permitir-nos-ia formular todas as proposições matemáticas, mesmo que não conhecêssemos uma única palavra dessa linguagem. Se a linguagem fosse perfeita seria uma linguagem dessa espécie. Teremos símbolos para as variáveis, tais como x — R — y ..., combinados de diversas maneiras; o modo de as dispor indicaria que se tinha dito alguma coisa sobre a exactidão constante ou acidental do valor das variáveis. Não teríamos necessidade de conhecer as palavras, uma vez que não teríamos necessidades delas se não para fixar o valor das variáveis, o que já constitui a ocupação do matemático que as aplica, e não a do lógico ou do matemático puro. É um dos caracteres de uma proposição de lógica que, sendo dada uma linguagem conveniente, essa proposição possa ser apresentada com a ajuda dessa linguagem por uma pessoa que conheça a sintaxe, embora ignore as palavras do dicionário.
Mas, apesar de tudo, há palavras que exprimem a forma, tais como «é» ou «que». Em todos os sistemas de símbolos, até à data criados pela lógica matemática, há sinais que têm sempre um mesmo sentido formal. Podemos tomar como exemplo o símbolo da incompatibilidade, que é empregado na construção de funções verdadeiras. Palavras ou símbolos semelhantes a estes podem apresentar-se em lógica. A questão que se levanta é: «Como poderemos defini-los?»
Estas palavras ou símbolos exprimem o que se chama «constantes lógicas». As constantes lógicas podem ser definidas exactamente como definimos as formas; com efeito, a sua essência e a mesma. Uma constante lógica fundamental será a que possuem em comum certas proposições, em que cada uma é derivada de outra pela substituição de um termo por outro. Por exemplo: «Napoleão é maior que Wellington» resulta de: «Sócrates é anterior a Aristóteles», substituindo Napoleão por Sócrates, Wellington por Aristóteles e «maior que» por «anterior a». Algumas proposições podem ser obtidas do protótipo: «Sócrates é anterior a Aristóteles», e outras não podem. Aquelas para as quais isto é possível, têm a forma de xRy, que exprime uma relação de dualidade. Não podemos derivar do protótipo, pela substituição termo a termo, duas proposições tais como: «Sócrates é humano» ou «Os Atenienses deram cicuta a Sócrates», porque a primeira é uma relação da forma sujeito-atributo, enquanto a segunda é uma relação de três termos. Se, na nossa língua de lógica pura, temos de ter palavras, devemos tê-las para significar «constantes lógicas», sendo as «constantes 1ógicas» sempre feitas ou derivadas dos caracteres comuns a um grupo de proposições derivando uma da outra, por substituição termo a termo, como foi dito atrás. Chamamos forma ao conjunto de traços comuns.
Neste ponto de vista, todas as constantes que se apresentam nas matemáticas puras são constantes lógicas. O número 1, por exemplo, deriva de proposições da forma: «Há um termo c tal que k é verdadeiro quando x é c, e unicamente quando tal suceder»; uma função de k, e resultam daí diversas proposições provenientes do facto de se darem a k diferentes valores. Desprezando um pouco os graus intermediários, sem utilidade para o objecto presentemente em vista, podemos considerar que a função k, acima, se apresenta no sentido: «a classe determinada por k é uma classe de unidade», ou: «a classe determinada por k é um membro de 1» (sendo 1 uma classe de classes). Nestas condições, as proposições, nas quais se apresenta 1, tomam um sentido derivado de uma certa forma lógica constante. Ver-se-á que é da mesma forma para todas as constantes matemáticas; todas são constantes lógicas ou abreviações simbólicas cujo emprego, num contexto, é regulado por meio de constantes lógicas.
Mas, ainda que todas as proposições lógicas (ou matemáticas) possam ser inteiramente expressas com a ajuda de constantes lógicas e de variáveis não se segue que, reciprocamente todas as proposições, formuladas desta maneira, sejam lógicas. Encontrámos, para as proposições matemáticas, um critério necessário, mas não suficiente. Definimos suficientemente o carácter das ideias primitivas, permitindo definir todas as ideias matemáticas, mas não o carácter das proposições primitivas donde todas as proposições matemáticas puderam ser deduzidas. Estamos perante uma questão bastante difícil e para a qual não podemos ainda dar uma resposta precisa.
Podemos tomar o axioma do infinito como exemplo de uma proposição que, se bem que possível de enunciar em termos lógicos, não pode ser afirmada como verdadeira pela lógica. Todas as proposições de lógica têm uma característica que se exprimia dizendo que eram analíticas, e as suas proposições inversas eram, em si mesmas, contraditórias. Esta afirmação não é satisfatória. A lei da contradição é uma das proposições lógicas; não possui qualquer relevância; a prova de que o inverso de uma contradição deve ser contraditório exige, além da presença da lei da contradição, a intervenção de outros princípios de dedução. Não obstante, a característica das proposições lógicas, que procuramos encontrar, é a que foi sentida e definida, em intenção, por aqueles que dizem que ela resultava, por dedução, da lei da contradição. Esta característica que, de momento, podemos qualificar de tautologia não provém evidentemente da asserção de que o número de indivíduos do universo é n, seja qual for o número n. Mas, devido à diversidade dos tipos, seria possível provar logicamente que há classes de n termos nas quais n é um inteiro finito qualquer, ou mesmo que há classes de nO termos. Devido aos tipos, as provas, como as que vimos no capítulo XIII, são ilusórias. Estamos assim reduzidos à observação empírica para determinar se é possível haver n indivíduos no mundo. Entre os mundos possíveis, no sentido leibniziano, haverá neles um, dois, três,.. indivíduos. Não há necessidade lógica de haver aí um indivíduo para que o mundo possa existir. A prova ontológica da existência de Deus, se fosse válida, estabeleceria a necessidade lógica de um indivíduo pelo menos. Mas ela é geralmente reconhecida como insuficiente e assenta, com efeito, num ponto de vista errado da existência: não se apercebe que a existência só pode ser afirmada por uma coisa descrita, e não por uma coisa nomeada, assim como não faz qualquer sentido tomar «isto é o tal», e «o tal existe», para concluir «isto existe». Se rejeitamos o argumento ontológico seremos levados a concluir que a existência de um mundo é um acidente, o que não é logicamente necessário. Se assim é, nenhum princípio de lógica pode assegurar «a existência», a menos que se admitisse uma hipótese que não podia ser da forma: «A função proposicional tal ou tal é algumas vezes verdadeira.» Quando as proposições desta forma se apresentam em lógica, devem ser tomadas como hipótese ou consequências de hipóteses, e não como proposições absolutas. As proposições lógicas absolutas afirmarão todas elas que uma função proposicional dada é sempre verdadeira. Por exemplo, é sempre verdadeira se p implica q e se q implica r, então p implica r, ou, se todos os a são b e se x é um a, então x é um b. Estas proposições podem apresentar-se em lógica, e a sua verdade é independente da existência do universo. Podemos assentar em que, senão houvesse universo, todas as proposições gerais seriam ainda verdadeiras; mas a contraditória de uma proposição geral (como vimos no capitulo XV) é uma proposição afirmando a existência; seria então uma falsa, se não houvesse universo.
As proposições lógicas são as que podemos conhecer a priori, sem estudar o mundo real. É unicamente o ensinamento empírico dos factos que nos ensina que Sócrates é um homem, mas nós percebemos a exactidão do silogismo quando está posto sob forma abstracta (quando é estabelecida com a ajuda de variáveis), sem fazer apelo a experiência. Isto não caracteriza as proposições lógicas em si mesmas, mas a maneira como elas vêm ao nosso conhecimento. Entretanto, isto possui uma certa relação com a questão que pode suscitar a sua natureza, dado que há espécies de proposições que seriam bem difíceis de formular se não tivéssemos o ensinamento da experiência.
É claro que a definição de «lógica» ou de «matemática» deve ser procurada tentando dar uma nova definição da antiga noção da proposição «analítica». Se bem que não possamos contentar-nos com definir as proposições lógicas como resultados da lei da contradição, podemos e devemos admitir que elas formam uma classe inteiramente diferente da das proposições às quais chegamos por via empírica. Todas elas possuem a característica que, há momentos ainda, convencionámos designar por tautologia. Isto, combinado com o facto de elas poderem ser expressas com a ajuda de variáveis e de constantes lógicas, fornecerá a definição da lógica ou das matemáticas puras (recordamos que uma constante lógica é qualquer coisa que permanece constante numa proposição, mesmo que todos os constituintes sejam mudados). De momento, não sei como definir bem a «tautologia». Poderia facilmente oferecer-se uma definição que me satisfizesse por algum tempo; mas não formulei nenhuma que me satisfizesse completamente, embora eu sinta claramente a característica que deve possuir tal definição. Eis-nos chegados a este ponto, em que atingimos o limite actual dos nossos conhecimentos, depois de termos remontado até às bases lógicas das matemáticas.
Estamos assim no fim desta sumária introdução à filosofia matemática. É impossível expor, de uma maneira conveniente, as ideias contidas no nosso assunto, pois que nos abstivemos de empregar os símbolos lógicos. A linguagem vulgar não tem palavras para exprimir naturalmente o que nós temos para exprimir, sendo assim necessário, já que nos atemos à linguagem ordinária, dar às palavras um sentido inusitado. Com certeza o leitor, depois de um certo tempo, senão já em seguida, sentir-se-á tentado em dar às palavras o seu sentido vulgar, e chegará, por consequência, a noções falsas, confundindo o que eu quis dizer. Além disso, a gramática e a sintaxe são extremamente enganadoras. É o caso, por exemplo, dos números; assim, «dez homens» é gramaticalmente da mesma forma que «homens valentes» e dez pode, em rigor, ser tomado por um adjectivo qualificando homens. É ainda o caso de todas as vezes que se está em presença de uma função proposicional, e em particular no que respeita as descrições. Como a linguagem é enganadora, difusa e inexacta, quando se aplica à lógica (para a qual não foi destinada), o simbolismo lógico é absolutamente necessário para um exame exacto e completo do nosso assunto. Por consequência, os leitores que desejem possuir completamente os princípios matemáticos, não recuarão, esperamo-lo perante o trabalho necessário para conhecer a fundo os símbolos — trabalho que, com efeito é bastante menor do que se poderia pensar. Como o rápido exame, feito por nós, acerca deste assunto permite ver, numerosos problemas estão por resolver, e ficam ainda por fazer. Se algum investigador, depois de ter lido tudo o que se disse antes, for conduzido a estudar seriamente a lógica matemática, o autor terá atingido o fim principal que tinha em vista, ao escrever este pequeno livro.
(tradução de Olga Pombo)