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Textos que dão que pensar
Ao longe ouve-se o som da campaínha do elétrico e o ruído dos autocarros que passam. Pombos esvoaçam pelo ar aterrando no Arco. Do Arco vislubram o panorama cá em baixo: carros constantemente a passar, multidões enormes apressadas para cá e para lá, barcos atracando no cais, aviões riscando os céus azuis... De repente, captam uma potencial fonte de alimento. Mergulham num voo picado, aterrando suavemente na Praça. Surge um novo desafio: como evitar os pés imparáveis das multidões que teimam em não se desviar. Começa, então, um slalom para chegar ao alimento. Uma viagem, por vezes perigosa, que resulta... em nada. Uma verdadeira quimera! Levantam voo escapando às multidões enfurecidas, que seguem como verdadeiros autómatos. Pousam suavemente no Arco. Então, o ar é rompido pelo som de uma ambulância que se vai perdendo no labirinto de ruas da cidade. Outra vez o eléctrico. Gritos de gaivotas ouvem-se ao longe trazidos por uma gentil brisa... Surgem os estrangeiros, carregados de máquinas fotográficas, com as suas caras rosadas e idiomas estranhos. Ficam um breve momento a contemplar o Arco e a estátua do cavalo, mas rapidamente perdem o interesse. Há ainda tanta coisa para ver! As férias tornam-se numa verdadeira caça ao monumento, onde o importante não é o monumento em si mas sim a comprovação de que se esteve perto dele, na realidade. Novamente, a multidão apressada que corre de lá para cá e de cá para lá. Rostos desconhecidos que fixam o vazio, o infinito, esperando, esperando... esperando que a resposta para todos os seus problemas surja finalmente, lhes seja finalmente revelada! Mas tudo o que vêem é mais gente e o caminho aborrecido que os levará ao local de trabalho e mais tarde os trará de volta, num ciclo de aborrecimento total... Um cão faz-me companhia, deitado à sombra do banco onde me sento. Sorrio. Noto que afinal era uma cadela!... Mas noto acima de tudo o quão simples é a vida deste ser. Comer e dormir e o ocasional acasalamento com um cão que passa. Nada de tensões nem de confusões! Não existem conflitos nem discussões sobre assuntos insignificantes, não necessitam de travar conversas para chamar a atenção dos outros, simplesmente se aceitam mutuamente... Em vários pontos da Praça, vigaristas tentam surpreender os turistas desprevenidos ou as almas mais simples com relóios baratos e óculos de sol que parecem de brincar. Novamente surgem turistas, desta vez japoneses que parecem obcecados em apanhar tudo na câmara de vídeo. Pensam poderem captar todo o mundo com essas máquinas. É o seu mundo! Querem guardar todo o mundo dentro de uma câmara. Aparentemente um deles captou-me e levou-me para esse mundo. Um mundo sem sensações, sem pensamentos. Um mundo que é um invólucro, sem qualquer conteúdo... Surge novamente o eléctrico, e multidões enchem-no olhando para os relógios, prisioneiros do próprio tempo que criaram. Então, passam três jovens e três idosas! Que diferenças existem entre elas: apenas um mundo de ilusões e de recordações, que no fim... Ai, o fim! Esse fim implacável para onde somos puxados, sem hipótese de fuga... Rapidamente apago este pensamento da minha mente, para não ser arrastado para uma depressão profunda... Olho o relógio! Ela nunca mais chega... Quem espera, desesperam, já dizia o outro! E é verdade! Começa a formar-se um sentimento de ansiedade que só se desvanecerá com a sua aparição. Olho novamente o relógio! Lentamente estou a tornar-me eu próprio num prisioneiro do tempo... Então ela surge... e tudo em redor se dissolve, perde a sua alma! Só ela importa!
Ricardo Cruz |
Quem não conhece esta ladaínha! Costumava recitá-la por brincadeira, achava-a interessante, como um mecanismo que fazia cócegas na ponta da língua! Mas fora isso, não ligava muito ao seu significado... Anos mais tarde, verifiquei que, afinal, apenas o tempo tem verdadeiro tempo! Eu, que costumava não me preocupar com este factor, estou agora nas suas garras, como um peixe numa rede de pesca: apanhado, contorcendo-me para me soltar! Mas quanto mais tento libertar-me, mais eu fico enrolado! Vivo numa época onde o tempo é essencial em todas as actividades, desde o simples correio azul até às gigantescas construções humanas criadas em tempo recorde (segundo o Guiness Book!). Esta é a era da tecnologia, promissora de livrar o Homem dos esforços a que estava sujeito. Grande ilusão! Apenas veio criar mais trabalho! Por exemplo, antes um trabalho jornalístico era realizado no prazo de uma semana. Agora, no mesmo espaço de tempo multiplica-se esse trabalho por 10! Podem dizer, "Ah! mas a qualidade de vida melhorou, temos um maior poder de compra!". É verdade, mas valerá a pena? Podemos comprar mais mas não temos tempo para disfrutar as nossas aquisições! Por isso, pense: valerá a pena deixar a companhia da família apenas para ganhar mais uns escudos (em breve, serão euros!)? Goze a vida, disfrute-a na companhia daqueles que lhe são queridos e poderá ver o mundo com outros olhos e, quem sabe, talvez dar um passo em frente para o tornar um local mais agradável!
Ricardo Cruz |
Que mundo este! Estamos à beira do novo milénio (bem!... na verdade só é em 2001, mas gosto mais da ideia do ano 2000!) e estou cada vez mais farto deste planeta! Sinto-me num tal sufoco que quase não consigo respirar! A Terra... cada vez mais poluída, cada vez mais se torna a aldeia global, cada vez mais isolamento, cada vez menos espécies, cada vez mais pessoas..., cada vez mais fome..., cada vez mais miséria..., cada vez mais guerras... É exigido cada vez mais, no mais curto espaço de tempo. E ninguém diz nada... Afirmam "Mas essa rapidez tem as suas vantagens!". Acredito e sei que é verdade! Mas rapidamente as desvantagens acabarão por superar as vantagens! Recentemente, acusaram os ecologistas (grupo em que me insiro, se não total pelo menos parcialmente) de se preocuparem mais com as espécies animais do que com as pessoas que morrem de fome. É uma afirmação totalmente falsa! Se não, pensem... Começamos a preocupar-nos com os humanos e não com essas espécies. Rapidamente estas desaparecem. Ora, como é do senso comum, quando uma espécie desaparece cria-se um desequilíbrio. Este desequilíbrio não pode ser controlado pelo Homem. Toda a cadeia alimentar fica afectada. O Homem, situado no topo dessa cadeia, será afectado mais tarde ou mais cedo, o que implica que se não tratarmos das espécies em perigo de extinção, os problemas que hoje existem em termos humanos serão muito piores do que já são actualmente. Não digo que não se ajudem as pessoas, muitíssimo pelo contrário, é uma prioridade ajudá-las. Mas não podemos menosprezar o trabalho que é levado a cabo pelos ecologistas. O problema da fome e da guerra poderia ser facilmente resolvido se não fosse o interesse de terceiros nas disputas, nomeadamente as alegadas potências mundiais, as quais foram construídas à custa do sofrimento e das vidas de muitos inocentes, que se viram envolvidas em algo que não podem compreender. Neste ponto, somos semelhantes aos ditos "animais inferiores": somos capazes de tudo para proteger aqueles que nos são próximos. Esta é uma necessidade secundária mas que juntamente com as necessidades primárias (fome, sede, sono...) formam um conjunto que é fundamental para a nossa sobrevivência. É necessária uma mudança radical no comportamento dos detentores do poder nos governos. Preocuparem-se mais, não pela quantidade de poder que possuem, mas pelo que podem fazer com esse poder em benifício de todos e não apenas pelo seu próprio benifício. Falta alguém corajoso e inteligente nos governos, que consiga resolver os problemas e não apenas indicá-los de uma forma passiva. Outra coisa que sinto cada vez mais falta é a magia. Este é um dos aspectos negativos da ciência: querer reduzir tudo a esquemas e gráficos. Acho que existem assuntos que, embora goste de debatê-los, acho que devem permanecer no segredo dos deuses. Um exemplo que me ocorre constamente é o estudo do cérebro e da inteligência. Não acho mal em estudá-lo na espectativa de curar certas doenças, mas acho altamente incorrecto e não-ético querer reduzir o comportamento a um conjunto de funções matemáticas, mesmo que estas incluam um factor de dúvida (factores biológicos e experiências pessoais). Cada pessoa é única e tem uma forma própria de lidar com as situações e mesmo que se pudesse conhecer todos os factores numa situação, seria impossível prever a reacção da pessoa. Por isso, debatam o tema mas não dissequem aquilo que nos distingue em todo o Reino Animal. Aventura! Será que alguma vez sentiremos novamente esta sensação? A sensação de explorar novos terrenos, a sensação do desconhecido... Provavelmente terei sido um dos navegadores na época dos Descobrimentos, pois há em mim uma tal necessidade de explorar e de criar novas situações que frequentemente entro em depressão por me ser impossível pô-las em prática. Sejamos realistas! Praticamente já não existem locais que mereçam ser explorados e quando existem, a sensação não é a mesma pois como já me disseram (o que me deixou profundamente desiludido!) a ciência serve apenas para melhorar a vida humana. Não estou totalmente de acordo. Acho que tudo merece um estudo, mesmo que parcial, mesmo que não tiremos proveito dessas descobertas, a não ser o facto de conhecermos o meio que nos rodeia! Só há uma área que ainda não me tirou por completo a esperança de recuperarmos a aventura às nossas acções: o Espaço! Provavelmente já não terei oportunidade de ver o dia triunfante em que colonizemos um planeta semelhante ao nosso! Eventualmente conseguiremos... se sobrevivermos a nós próprios...
Ricardo Cruz |
Nada... Não consigo escrever nada... Nada... Não consigo escrever nada... Nada... Absolutamente nada... Nada... Tudo e nada... Nada... Sonho e nada... Nada...
Ricardo Cruz |