Comentários de Manoel de Oliveira

 

            “ Que poderei dizer do Aniki-Bóbó ? Que terei para dizer ? Se o fizesse hoje, fá-lo-ia, certamente bem diferente. Porque eu pense que os petizes já não hoje aquelas mesmas coisas que fizeram a história do Aniki-Bóbó ? não, por essa razão não, de forma alguma. Neste ponto entendo hoje exactamente como então, quando fiz o filme. Continuo convencido de que os garotos daquela idade, hoje como ontem, procederiam identicamente em idênticas circunstâncias. Mas, repito, se voltasse ao mesmo assunto, faria hoje, certamente, coisa bem diferente. Porque quem mudou, ou julga ter mudado e muito, fui eu.

            Intenções em Aniki-Bóbó ? sim, certamente. E até ambiciosas, talvez. Ao tentar contar uma história tão simples como esta, pretendeu-se fazer espelhar nas crianças os problemas do homem, problemas ainda em estado embrionário; pôr em oposição concepções do bem e do mal, o ódio e o amor, a amizade e a ingratidão. Pretendeu-se sugerir o medo da noite e do desconhecido, a atracção da vida que palpita em todas as coisas à nossa volta, contrastando com a monotonia do que é fechado, limitado por paredes, pela força ou pelas convenções. Se se entrevê ou se sente, no decorrer do filme, qualquer aspecto de carácter social ou económico, o certo é que isso nunca foi ponto fundamental de estrutura ou construção. Como já não o era em “Douro, faina fluvial”. Quando muito, em “Aniki-Bóbó”, intencionalmente, mas muito ao de leve, pretendi sugerir uma mensagem de amor e compreensão do semelhante, como advertência a uma sociedade que luta e se desespera em injustiças.”

 

(Declaração de Manoel de oliveira ao “Cine-Clube do Porto”, para o Programa nº 183 de uma sessão dedicada ao cinema português em que se exibiram os filmes “ Lucros...ilícitos” e “Aniki-Bóbó” em 19/12/1954)

 

 

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt