O Império Macedónico estendeu-se, como vimos, por
todo o mundo conhecido, da Sicília à África do Norte, da Península Balcânica à Ásia
Menor, do Irão à Índia e ao Afeganistão. Vimos também que Filipe II, e posteriormente Alexandre, desenvolveram uma política de aproximação
às culturas dos povos conquistados. É neste contexto que se deve entender o significado
ecuménico da Biblioteca. Com o intuito de compreender melhor os povos conquistados, era
necessário reunir e traduzir os seus livros, em especial os livros religiosos uma vez que
a religião era, de acordo com Canfora (1989: 28), "a porta de suas almas". Interessa também realçar que o Egipto era um país onde a tradição da cultura e das colecções sempre tinha existido. Na verdade, desde o tempo dos antigos faraós que existiam bibliotecas. Por outro lado, alguns soberanos Assírios e Babilónicos possuíam também bibliotecas. Em Ninive, foi mesmo encontrada em 1849 por Layard, a biblioteca cuneiforme do rei assírio Assurbanipal, cujos livros eram placas de argila. No entanto, a primeira biblioteca particular realmente importante, antes da biblioteca de Alexandria, foi a biblioteca de Aristóteles elaborada, em parte, graças aos generosos subsídios de Alexandre. A fundação da Biblioteca Por
conselho de Demétrio de Falero, Ptolomeu Soter, vai fundar uma nova
biblioteca. O edifício será construído no mais belo bairro da nova cidade, nas
proximidades do porto principal, onde também se encontrava o palácio real, prova bem
clara da importância que Ptolomeu, desde o princípio, lhe atribuiu. Para além dos inúmeros livros que Demétrío e Ptolomeu I compraram para
a biblioteca, esta foi crescendo também graças ao contributo que os sábios e os
literatos da época iam dando (refira-se por exemplo, o caso do filólogo Dídimo (313 - 398 d.C.), que terá composto cerca de
três mil e quinhentos volumes de comentários). A colecção de
base acumulada por Ptolomeu I aumentou com enorme rapidez nos dois reinados seguintes.
Ptolomeu III, o Evérgeta (reinado: 246 - 221 a.C.), usou de todos os métodos
para obter livros. Assim, todos os navios mercantes fundeados no movimentado porto de
Alexandria, eram revistados e os livros encontrados retidos e copiados. Conta-se também
que Ptolomeu III pedira emprestado a Atenas os manuscritos originais ou as cópias
oficiais das grandes tragédias de Ésquilo (525 - 456 a.C.), Sófocles
(496 - 406 a.C.) e Eurípedes (480 - 406 a.C.). Acontece porém que, para os
Atenienses, esses textos eram um património cultural de valor incalculável, razão pela
qual se mostraram reticentes em deixar os manuscritos sair das suas mãos. Só depois de Ptolomeu ter assegurado a
devolução através de um enorme depósito em dinheiro (quinze talentos) aceitaram ceder
as peças. Mas Ptolomeu, que atribuía maior valor a esses manuscritos do que ao próprio
ouro, preferiu perder a caução e conservar os originais na sua biblioteca. Os Atenienses
tiveram que contentar-se com as cópias que Ptolomeu lhes enviou. A Biblioteca
continha tudo o que a literatura grega produzira de interessante. É certo também que
existiam obras estrangeiras traduzidas ou não. Dentro das obras traduzidas pelo corpo de
tradutores do próprio museu, distingue-se a tradução em língua grega dos chamados Setenta, livros sagrados dos Judeus a que
chamamos Antigo Testamento. Uma lenda diz que Ptolomeu II Filadelfo (rei
do Egipto entre 283 e 246 a. C.) reuniu setenta e dois sábios judeus e lhes pediu que
traduzissem para o grego as suas Escrituras. No entanto, a tradução foi na realidade bem
mais demorada. O Pentateuco só foi acabado de traduzir no séc. III, os livros dos
Profetas e os Salmos no século II, e o Eclesiastes cerca de cem anos após a era cristã. A dedicação e devoção revelada pelos soberanos do Egipto e pelos responsáveis pelo Museu permitiu reunir a maior colecção de livros da antiguidade. Pensa-se que a Biblioteca chegou a reunir cerca de 400 mil volumes. Tendo-se tornado insuficiente o espaço, o Serapeion (templo de Serápis) recebeu um outro depósito, de cerca de 300 mil volumes, totalizando assim 700 mil volumes.
Estátua do deus Serápis séc. IV a. C.. Adorado tanto pelos Gregos como pelos Egípcios, Serápis simbolizava a influência do saber grego no Egipto.
Dada a sua
riqueza, a Biblioteca foi alvo de atenção dos falsários. Assim, uma das tarefas dos
funcionários do Museu consistia em distinguir as obras apócrifas das autênticas. Por exemplo, os
poemas homéricos foram analisados por um filólogo do Museu, Zenódoto de Éfeso (final do séc. III a.C.) que assinalou as
passagens mais suspeitas, o mesmo ocorrendo com os poemas trágicos e a literatura grega.
Assim, nascia no Museu a crítica dos textos.
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Olga Pombo: opombo@fc.ul.pt
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