Fernando Gil. Filósofo do Conhecimento

O conhecimento foi um dos problemas a que Fernando Gil dedicou maior atenção. E fê-lo com a curiosidade de um anatomista e a profundidade de um arqueólogo. Referimo-nos ao seu trabalho enquanto construtor de um novo tipo de enciclopédias (Einaudi, Universalis) que surgem nos anos 60 e 70. Ele inscreve-se nesse programa de transformar a enciclopédia numa configuração integradora, interdisciplinar e heurística, aberta aos novos objectos de estudo, seus cruzamentos e irradiações. 

Mas, a sua inspiração leibniziana leva-o a compreender que a unidade dos saberes exige a construção, em paralelo, de uma teoria racional da representação, da invenção e da prova. Referimo-nos a Mimésis e Negação e Provas. Pela imensa erudição que aí faz circular, pelo movimento de pensamento que aí esgota os grandes temas do conhecimento - do sujeito e das suas actividades (representar, categorizar, inventar) ao saber objectivado pelos seus próprios efeitos cognitivos, modos de transmissão e práticas disciplinares - o conhecimento é aí pensado tanto na pureza dos seus processos, como na sombra material das instituições de que ele é produtor e produto. 

Como bom enciclopedista, Fernando Gil foi também um dinamizador de estruturas de investigação (Centros, Colecções Editoriais, Revistas) e um grande professor. Capacidade vertiginosa de revisitação de toda a história da filosofia, de Aristóteles a Kant, de Leibniz a Frege, de Husserl a René Thom. Subtil, arguto, incisivo, cortante mesmo, ele perseguia uma afinidade elementar entre o gesto de pensamento e aquilo mesmo que há para pensar. E disso era exemplo empolgante.


Olga Pombo,
Expresso de 25 de Março


Fernando Gil (1937-2006). Licenciatura em Direito na Universidade de Lisboa e em Filosofia na Sorbonne. Doutoramento em Filosofia na Sorbonne e na Universidade Nova de Lisboa. Professor na Faculdade de Letras de Lisboa e, depois,  no Departamento de Filosofia da  Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, UNL onde regia a cadeira de "Filosofia do Conhecimento". Em França, leccionação na Universidade de Paris-XI e, desde 1989,  Directeur d' Études da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) em Paris. Visiting Professor na Universidade de Johns Hopkins, Baltimore

Membro da direcção de diversas instituições ligadas aos estudos filosóficos e à investigação científica. Consultor do Ministro da Ciência e Tecnologia, José Mariano Gago, e do Presidente da República, Mário Soares, durante os seus dois mandatos.  Fundador e director da revista  Análise. Coordenador da Rede Interdisciplinar de Centros de Investigação (RICI), Reitoria da Universidade Nova de Lisboa desde 2003

Para além de inúmeros artigos publicados em revistas nacionais e internacionais, publicou os seguintes livros:  La Logique du Nom (1972), Mimésis e Negação (1984), Provas (1988), Traité de l´Évidence (1993), Modos da Evidência (1998), Viagens do Olhar (1998), La Conviction (2000), Mediações (2001), Impasses (2003), Acentos (2005). Traduziu  para português obras de autores como Karl Jaspers, Romano Guardini, Cesare Pavese e M. Merleau-Ponty.

Prémio Ensaio do Pen Club em 1984 (com Mimésis e Negação) e em 1998 com Viagens do Olhar (1998). Prémio Pessoa em 1993. Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1992) em Portugal e Chevalier des Palmes Académiques (1995) em França.


 

Olga Pombo (2009) Characteristica Universalis e Transcendental Impuro. Apontamentos sob a Forma de um Testemunho (2009), in F. Molder (eds.), Paisagens dos Confins, Lisboa: Vendaval, pp. 91-100

 


De Fernando Gil, veja nesta página:  Universidade e Conhecimento 

Entrevista de Fernando Gil com Vaz Marques, TSF, 2004 (3. Fernando Gil3. Fernando Gil3. Fernando Gil http://tsf.sapo.pt/online/radio/index.asp)