Excerto
de "Ensaio sobre os Princípios da Mecânica"
de
José
Anastácio da Cunha
Como autor de uma novela se pode, por
outra parte, considerar quem compõe um tratado puramente matemático. Goza dos
mesmos privilégios que se concedem pictoribus atque poetics. Posso, v. g.,
inventar uma nova cura e demonstrar várias das suas propriedades, posso escrever
um trabalho de óptica, em que se tome como hipótese, que a luz se propaga não em
linha recta, mas em linha circular, ou em qualquer outra linha. Posso compor uma
mecânica, supondo as leis do movimento que eu quiser. E se os meus teoremas e as
minhas soluções dos problemas forem legitimamente derivadas dos princípios que
estabeleci, ninguém me poderá arguir de erro.
Poderão sim censurar-me de ter indignadamente abusado do seu precioso tempo, e se
essas bem ajustadas e talvez elegantes teorias se não puderem aplicar à
filosofia natural; se delas não puder tirar o género humano utilidade: e
esta só consideração é que pode e deve pôr limites à imaginação do inventor. Por
isso o geómetra, que não quiser incorrer na censura, deve tomar, por princípios
ou hipótese, noções comuns, verdades de facto, que a natureza, que a experiência
ensinam: então o físico mostrando que os fenómenos naturais são (ou exacta ou
aproximadamente) dotados daquelas mesmas propriedades, que o geómetra supôs nos
seus corpos matemáticos, poderá fazer uma feliz aplicação da teoria puramente
matemática e alguns assuntos físicos.
Este texto pode ser consultado em: www.mat.uc.pt/~jfquero/cunha.pdf
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