Uma criança prodígio, um adulto prodígio, um idoso prodígio |
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Paul Erdös nasceu a 26 de Março de 1913, em Budapeste, na altura ainda parte do Império Austro-Húngaro. Filho de professores de matemática do liceu, Lagos e Anna, ambos de origem judaica embora não praticantes. O dia do seu nascimento foi marcado por uma tragédia: as suas duas irmãs, de cinco e três anos, contraíram uma fulminante escarlatina e morreram alguns dias depois enquanto sua mãe estava ainda na maternidade. |
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Com ano e meio, Erdös foi violentamente afastado do pai que foi capturado numa ofensiva russa e enviado para a Sibéria onde esteve preso durante seis anos. Com o pai na prisão e a mãe a ensinar durante todo o dia, Paul foi criado por uma governanta alemã. |
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O seu interesse por números começou cedo. O pequeno Erdös entretinha-se a estudar um calendário contando os dias que faltavam para que a sua mãe viesse para casa. Aos três anos conseguia multiplicar, de cabeça, números de três algarismos, e aos quatro descobriu os números negativos: "Disse à minha mãe que, se subtraíssemos 250 a 100 ficávamos com -150" (Erdös,cit in Hoffman, 2000:18). |
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Um dos seus maiores desgostos foi assistir à morte de muitos dos seus amigos. Em 1976, quando Paul Turán, seu grande amigo, morreu, Erdös imaginou o SF (sinónimo de Deus) a avaliar o trabalho que tinha feito com os seus colaboradores: de um lado da balança, o SF colocava os artigos que Erdös tinha escrito em co-autoria com os mortos, do outro lado colocava os escritos com os vivos."Quando o lado dos que morreram fizer inclinar a balança, também eu terei de morrer" (Erdös, cit in Hoffman, 2000:19) |
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Soube que queria ser matemático ou astrónomo ainda criança. O que não impediu que tomasse sempre muita atenção às aulas de história, política e biologia. A sua mãe, assim que Paul aprendeu a ler, forneceu-lhe literatura médica na esperança que Paul quisesse estudar medicina. E Paul devorava essa literatura de forma entusiastica. |
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Erdös estudou em
casa com um tutor até à idade de entrar no liceu pois a sua mãe tinha medo que
contraísse doenças. No entanto, mesmo quando foi para o liceu, frequentou-o em
anos alternados porque a sua mãe estava constantemente a mudar de ideias. |
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Em 1920, dá-se o
regresso do seu pai,simultaneamente macilento e feliz. Erdös recebeu-o com as
seguintes palavras: "Apuka (Papá)! Estás mesmo velho!". |
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Também em 1920 teve
lugar uma primeira legislação anti-semita na europa do pós-guerra: um ínfame numerus
clausus que limitava a admissão de judeus nas universidades a apenas 6%
da população judaica da Hungria.
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Em 1928, as restrições às admissões foram diminuídas permitindo que os vencedores de competições nacionais, independente da sua religião, entrassem directamente nas faculdades sem fazerem exames de admissão. É então que Paul Erdös, com 17 anos de idade, pode matricular-se na Universidade de Pázmány Péter, em Budapeste, onde se graduou quatro anos mais tarde em Matemática. A sua tese de licenciatura sobre Teoria dos Números prova a existência de números primos entre n e 2n pertencentes a uma determinada progressão aritmética. |
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Com o crescimento
do anti-semitismo nos anos 30, começa a ser perigoso proferir certas palavras.
Para poder continuar a falar sem restrições, Erdös inventou uma
nova linguagem. Por exemplo, utilizava a expressão "situados num
comprimento de onda longo" para se referir aos comunistas uma vez que,
no espectro electromagnético, as ondas mais longas são as vermelhas.
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Erdös tinha então 1,67 m de altura e pesava 59 Kg. Vestia habitualmente um casaco cinzento com pequenas riscas, calças escuras, uma camisola vermelha ou cor de mostarda, sandálias, ou uns peculiares sapatos húngaros de cabedal com buracos feitos especialmente para os seus pés chatos e tendões fracos. Lavava as mãos mais de cinquenta vezes por dia. Não apertava a mão, deixava-a cair frouxamente sobre a outra. O pouco dinheiro que recebia em salários ou honorários oferecia a parentes, colegas, estudantes e desconhecidos. Em 1984, quando ganhou cerca de $50 000 (cinquenta mil dólares) em The Wolf Prize com Shiing-Shen Chern (1911- ) (geometra diferencial), guardou para si $720 e deu o resto. |
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Em 1938, Erdös foi para os Estados Unidos da América, mais precisamente para Princeton, New Jersey, com uma pequena bolsa no Instituto de Estudos Avançados. Contudo, decorrido um ano, a direcção do Instituto comunicou-lhe que só lhe renovava a bolsa por mais seis meses pois achava-o grosseiro e pouco convencional. Mais tarde, em 1995, depois de ter escrito mais de 1300 artigos, Erdös recordará o ano de 1938-39 como o melhor ano da sua vida. |
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A 15 de Agosto de 1941, uma manchete de jornais Nova Iorquinos escrevia: Três estrangeiros apanhados em estação de ondas curtas. Os três estrangeiros eram Paul Erdös, de 28 anos, que tinha uma bolsa de matemática, Shizuo Kakutni,de 29 anos, estudante em Princeton e Arthur Arnold Stone, de 22 anos, também estudante em Princeton. Andando a passear por Long Island e não reparando num sinal de passagem proíbida, os três companheiros haviam dado com o que parecia ser um transmissor de rádio mas que, na realidade, era uma instalação secreta. Depois de interrogados, o assunto foi encerrado. |
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Em 1943, Paul obtém uma posição a tempo parcial na Universidade de Perdue. No Departamento de Matemática Erdös era uma estrela: "Para além do seu génio matemático significar muito para o nosso grupo", recorda Michael Golomb, "também contribuía enormemente para a nossa vida social. Sentiamo-nos todos terrivelmente carentes, confinados a uma pequena cidade de um estado agrícola do Midwest, longe dos centros cosmopolitas. Agora, tínhamos entre nós este homem, com um passado de vida no centro cultural europeu, familiaridade íntima com matemáticos internacionalmente conhecidos, e uma vasta cultura científica e de política mundial"( cit in Hoffman, 2000:96) |
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Em 2 de Dezembro
de 1948, Erdös regressa à Hungria por um breve período. Foi uma visita com
sabor agri-doce. A maior parte dos seus familiares e amigos tinham sido
assassinados. Só a sua mãe e o seu bom amigo, Paul Turán, estavam vivos e bem. |
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Em 1954, Erdös
recebeu um convite para dar uma conferência em Amsterdão. De regresso, não lhe
foi concedido autorização de reentrada nos EUA, então na era MacCartney. Por
diversas vezes, apelou desta decisão mas só anos mais
tarde os EUA lhe
concederam novo visto de entrada.
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Regressou novamente
à Hungria em 1955, após a morte de Estaline. Alguns amigos influentes
convenceram o governo húngaro de que Paul era muito valioso para a cultura do
país. Por este facto, a Hungria atribuiu-lhe um passaporte especial onde se
declarava que Erdös era cidadão húngaro residente em Israel. Passaporte
que, que
se saiba, só foi atribuído a Erdös, permitindo-lhe entrar e sair da Hungria
sempre que entendesse. Curiosamente, este invulgar documento nunca perdeu a
validade mesmo após a instauração de uma nova ditadura,com János Kádár.
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Erdös chamou a si
a missão de procurar e ajudar crianças prodígios (os seus épsilons) em todo o
mundo - submergindo-as com problemas matemáticos como se fossem matemáticos
profissionais. Embora alguns "morressem" prematuramente, muitos outros
cresceram para se tornarem alguns dos principais matemáticos do nosso tempo.
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Foi assim que, em 1959, Erdös conheceu o jovem Lajos Posá (1947-), na altura com 12 anos, a quem propôs a seguinte prova: "se tens n+1 naturais menores ou iguais a 2n então há sempre dois deles que são primos entre si" . Passado alguns momentos de reflexão, Posá respondeu que os números teriam que ser vizinhos. Erdös tomou-o então sob sua protecção. Viriam mais tarde a escrever quatorze artigos em colaboração. |
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Numa conferência intítulada "Child Prodigies I have know" em Julho de 1994, Erdös tentou explicar porque razão há tantas crianças sobredotadas na Hungria. Primeiro, o facto de haver, pelo menos durante os últimos 80 anos, uma publicação periódica sobre matemática para os estudantes das escolas secundárias (o KöMal); depois, por existirem muitas competições matemáticas, algumas mesmo através da televisão. |
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Em 1963, depois de Ernest Strauss e John Selfridge terem recolhido centenas de assinaturas de matemáticos e pedir a sua readmissão, Erdös conseguiu novamente o visto de permanência nos EUA. |
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Um ano depois,
passou a viajar com a sua mãe para todo o lado. Anna, que costumava sentar-se
silenciosamente ao lado do seu filho enquanto este fazia matemática, viria a
morrer em 1971. Pouco depois, Paul começou a tomar grande quantidade de
comprimidos: primeiro anti-depressivos e depois anfetaminas. Trabalhava
dezanove horas por dia à custa de 10 a 20 gramas de Benzedrina ou Ritalin, café
expresso forte ou pastilhas de cafeína. Costumava dizer que: "um matemático é
uma máquina que transforma café em teoremas" (Erdös, cit in Hoffman
2000:15).
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Após a morte da
mãe, Ronald Graham (1935-) começou
a tomar conta das coisas de Erdös: correspondência, contas bancárias, etc. Em
1979, preocupado com o estado de saúde de Erdös, Ronald desafiou-o apostando
500 dólares como Erdös não conseguia parar de tomar anfetaminas durante um mês.
Erdös, que sempre havia gostado de desafios, aceitou. No final, porém, disse:"Mostraste-me
que não sou um viciado mas não produzi trabalho algum. Acordava de manhã e
ficava a olhar para uma folha de papel em branco. Não tinha ideias nenhumas.
Era como se eu fosse uma pessoa normal. E com isto fizeste a matemática
atrasar-se um mês." (Erdös, cit in Hoffman, 2000:23).
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A determinada
altura, Erdös teve de fazer um transplante de córnea de um dos olhos. Quando,
durante a operação, percebeu que não poderia utilizar o outro olho para ler,
ameaçou o cirurgião que se ia embora. Este, para o acalmar, telefonou para
Universidade de Memphis requesitando um matemático para vir fazer
matemática com ele.
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À cerca da sua morte preferida dizia: "Quero partir como Euler. Quero estar a dar uma palestra, a terminar uma demostração importante no quadro, e quando alguém disser na assistência bem alto: 'Então e o caso geral?', viro-me para a audiência e sorriu. 'Deixo isso à proxima geração', respondo. E, então, desfaleço."(Erdös, cit in Hoffman, 2000:203) |
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Com oitenta anos, ainda
publicava um artigo por semana, sendo considerado o matemático mais prolixo da
actualidade apenas comparável ao mais produtivo dos matemáticos; em toda a
história da matemática: o suiço
Leonhard Euler (1707-1783). Por esta razão, um matemático que trabalhou
com ele, Ernest Strauss, escreveu: "Erdös é o Euler do nosso tempo".
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Recebeu, pelo menos, quinze doutoramentos honorários. Foi membro da Academia de Ciências em oito países, incluíndo a Academia Científica Nacional dos EUA(1979) e a Royal Society(1989). Um pouco antes de morrer, recusou um doutoramento honorário da Universidade de Waterloo pois achou que tinha havido um tratamento desigual para com o combinatorista J.A. Bondy. |
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Actualmente, na Hungria, existe o Prémio Nacional "Paul Erdös", estabelecido para reconhecer contribuições de matemáticos que tenham desempenhado um papel significativo no desenvolvimento matemático nacional e que tenham sido um estímulo para o enriquecimento do conhecimento matemático. |