OS ELEMENTOS DE EUCLIDES

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    Os Elementos são - a seguir à Bíblia - provavelmente, o livro mais reproduzido e estudado na história do mundo ocidental. Foi o texto mais influente de todos os tempos, tão marcante que os sucessores de Euclides o chamavam de "elementador". Esta obra é considerada um dos maiores best-sellers de sempre. Obra admirada pelos matemáticos e filósofos de todos os países e de todos os tempos pela pureza do estilo geométrico e pela concisão luminosa da forma, modelo lógico para todas as ciências físicas pelo rigor das demonstrações e pela maneira como são postas as bases da geometria.

    São raros os livros que têm sido tão editados, traduzidos e comentados como os Elementos de Euclides. Na antiga Grécia, esta obra foi comentada por Proclo (410 - 485), Herão (c. 10 - 75) e Simplício (490 - 560); na Idade-Média foi traduzida em latim e árabe; após a descoberta da imprensa, fizeram-se dela numerosas edições em todas as línguas europeias. A primeira destas edições foi a de Campano (1220 - 1296), em latim, publicada em 1482, edição usada por Pedro Nunes (1502 - 1578), que a citou numerosas vezes nas suas obras.
    Em Portugal, publicou Angelo Brunelli em 1768 uma tradução em português dos seis primeiros livros, do undécimo e do duodécimo. Para esta tradução serviu-se da versão latina de Frederico Comandino e fê-la seguir de algumas notas com que Roberto Sinson (1687 - 1768) tinha ilustrado esta versão. Este livro, foi outrora muito usado nas escolas portuguesas razão pela qual se fizeram novas edições da tradução de Brunelli em 1790, 1792, 1824, 1835, 1839, 1852, 1855 e 1862.


    Os Elementos de Euclides têm uma importância excepcional na história das matemáticas. Com efeito, não apresentam a geometria como um mero agrupamento de dados desconexos, mas antes como um sistema lógico. As definições, os axiomas ou postulados (conceitos e proposições admitidos sem demonstração que constituem os fundamentos especificamente geométricos e fixam a existência dos entes fundamentais: ponto, recta e plano) e os teoremas não aparecem agrupados ao acaso, mas antes expostos numa ordem perfeita. Cada teorema resulta das definições, dos axiomas e dos teoremas anteriores, de acordo com uma demonstração rigorosa.

    Euclides foi o primeiro a utilizar este método, chamado axiomático. Desta maneira, os seus Elementos constituem o primeiro e mais nobre exemplo de um sistema lógico, ideal que muitas outras ciências imitaram e continuam a imitar. No entanto, não nos podemos esquecer de que Euclides se esforçou por axiomatizar a geometria com os meios de que dispunha na época. É pois, fácil compreender que o sistema que escolheu apresente algumas deficiências. Involuntariamente, em algumas das suas demonstrações admitiu resultados, muitas vezes intuitivos, sem demonstração.

 

Os treze livros

   * Os livros I-IV tratam de geometria plana elementar. Partindo das mais elementares propriedades de rectas e ângulos conduzem à congruência de triângulos, à igualdade de áreas, ao teorema de Pitágoras (livro I, proposição 47) e ao seu recíproco (livro I, proposição 48), à construção de um quadrado de área igual à de um rectângulo dado, à secção de ouro, ao círculo e aos polígonos regulares. O teorema de Pitágoras e a secção de ouro são introduzidos como propriedades de áreas. 

     Como a maioria dos treze livros, o livro I começa com uma lista de Definições (23, ao todo) sem qualquer comentário como, por exemplo, as de ponto, recta, círculo, triângulo, ângulo, paralelismo e perpendicularidade de rectas tais como:

  • "um ponto é o que não tem parte", 

  • "uma recta é um comprimento sem largura"

  • "uma superfície é o que tem apenas comprimento e largura". 

    A seguir às definições, aparecem os Postulados e as Noções Comuns ou Axiomas, por esta ordem. Os Postulados são proposições geométricas específicas. "Postular" significa "pedir para aceitar". Assim, Euclides pede ao leitor para aceitar as cinco proposições geométricas que formula nos Postulados:
        1. Dados dois pontos, há um segmento de recta que os une;
        2. Um segmento de recta pode ser prolongado indefinidamente para construir uma recta;
        3. Dados um ponto qualquer e uma distância qualquer pode-se construir um círculo de centro naquele ponto e com raio igual à distância dada;
        4. Todos os ângulos rectos são iguais;
        5. Se uma linha recta cortar duas outras rectas de modo que a soma dos dois ângulos internos de um mesmo lado seja menor do que dois rectos, então essas duas rectas, quando suficientemente prolongadas, cruzam-se do mesmo lado em que estão esses dois ângulos 
(É este o célebre 5º Postulado de Euclides)

    Assim, três conceitos fundamentais - o de ponto, o de recta e o de círculo - e cinco postulados a eles referentes, servem de base para toda a geometria euclidiana.   

     * O livro V apresenta a teoria das proporções de Eudoxo (408 a. C. - 355 a. C.) na sua forma puramente geométrica e 

     * livro VI aplica-a à semelhança de figuras planas. Aqui voltamos ao teorema de Pitágoras e à secção de ouro (livro VI, proposições 31 e 30), mas agora como teoremas respeitantes a razões de grandezas. É de particular interesse o teorema (livro VI, proposição 27) que contém o primeiro problema de máxima que chegou até nós, com a prova de que o quadrado é, de todos os rectângulos de um dado perímetro, o que tem área máxima. 

     * Os livros VII-IX são dedicados à teoria dos números tais como a divisibilidade de inteiros, a adição de séries geométricas, algumas propriedades dos números primos e a prova da irracionalidade do número wpeE.jpg (946 bytes). Aí encontramos tanto o «algoritmo de Euclides», para achar o máximo divisor comum entre dois números, como o «teorema de Euclides», segundo o qual existe uma infinidade de números primos (livro IX, proposição 20). 

     * O livro X, o mais extenso de todos e muitas vezes considerado o mais difícil,  contém a classificação geométrica de irracionais quadráticos e as suas raízes quadráticas. 

     * Os livros XI-XIII ocupam-se com a geometria sólida e conduzem, pela via dos ângulos sólidos, aos volumes dos paralelepípedos, do prisma e da pirâmide, à esfera e àquilo que parece ter sido considerado o clímax - a discussão dos cinco poliedros regulares («platónicos») e a prova de que existem somente estes cinco poliedros regulares.

 

Considerações finais

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    Ao escrever os Elementos, Euclides pretendia reunir num texto três grandes descobertas do seu passado recente: a teoria das proporções de Eudoxo, a teoria dos irracionais de Teeteto (417 a. C. - 369 a. C.) e a teoria dos cinco sólidos regulares, que ocupava um lugar importante na cosmologia de Platão.

    Euclides compilou nos Elementos toda a geometria conhecida na sua época. Mas, não se limitou a reunir todo o conhecimento geométrico, ordenou-o e estruturou-o como ciência. Isto é, a partir de uns axiomas desenvolveu e demonstrou os teoremas e proposições geométricas, dando novas demonstrações quando as antigas não se adaptavam à nova ordem que havia dado às proposições. Além disso, esmiuçou a fundo as propriedades das figuras geométricas, das áreas e dos volumes e estabeleceu o conceito de lugar geométrico.

    Embora os Elementos tenham algumas deficiências lógicas, pelos padrões actuais, tais deficiências passaram despercebidas durante mais de dois milénios. O movimento crítico iniciou-se talvez nos finais do século XVII, com John Wallis (1616-1703), continuando um pouco difuso durante o século seguinte, com o abade jesuíta Saccheri (1667-1733) e os matemáticos Lambert (1728-1777) e Gauss (1777-1855).  É já bem dentro do século XIX que a crítica a Euclides se assume até às últimas consequências, culminando quer na proposta de geometrias alternativas por Bolyai (1802 - 1860), Lobachewski (1792 - 1856) e Riemann (1826 - 1866), quer numa completa revisão dos fundamentos da geometria euclidiana por Pasch (1843 - 1930) e por Hilbert (1862 - 1943), quer ainda no surgimento de novas concepções sobre a classificação das geometrias por Félix Klein (1849 - 1925).

    Nada disto retira valor à monumental obra de Euclides. Como dizem Borsuk (1905 - 1982) e Szmielew (Foundations of geometry, 1960):

    "Se o valor de um trabalho científico pode ser medido pelo tempo durante o qual ele mantém a sua importância, então os Elementos de Euclides são a obra científica mais válida de todos os tempos."

 

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt