Como provar que as fracções existem
Vejamos uma prova de que as fracções existem. É claro que todos estamos convencidos de que existem. Mas, o importante desta prova é que o raciocínio usado é o mesmo que irá ser usado para provar a existência dos números complexos. Se ficarmos convencidos do argumento será mais fácil aceitarmos a existência do número i.
Pensemos no seguinte argumento:
Suponhamos que só conhecemos os números naturais 1, 2, 3... e que
queremos provar a existência de "três meios". Por outras
palavras, queremos provar a existência de um número que quando
multiplicado por 2 dê 3.
Nos números naturais sabemos que não existe nenhum número nesta
condição.
No entanto, há um conjunto, o Conjunto dos Números Racionais, onde ele
existe. Aqui, os "números" chamam-se fracções. Não
representam quantidades mas sim razões entre quantidades. Têm uma
definição completamente diferentes dos naturais mas não deixam, por
isso, de ser números.
As fracções existem? Sim!
Formam um conjunto de números? Sim!
Neste conjunto, existe algum número cujo dobro seja 3? Sim!
Então, "três meios" existe!
Provemos, agora, as três afirmações feitas.
Pensemos nas fracções como pares de números naturais, escritos na
forma a/b. (Consideremos, sem perda de generalidade, somente números
naturais positivos e onde b seja diferente de zero).
Então, como os números naturais existem, as fracções, vista desta
forma, também deverão existir.
Qualquer colecção de objectos onde:
haja uma definição do que é um objecto e de quando dois objectos são iguais;
haja uma regra para a soma de dois objectos;
haja uma regra para a multiplicação de dois objectos;
a soma e o produto de dois objectos da colecção dão sempre um objecto da colecção;
as regras acima mencionadas obedeçam às propriedades de comutatividade, associatividade e o produto seja distributivo em relação à soma;
todos os objectos tenham elemento neutro para ambas as operações;
todos os objectos, não nulos, tenham objecto inverso relativamente ao produto;
todos os objectos tenham objecto simétrico relativamente à soma
é, por definição, um conjunto de números (usualmente chamado
Corpo).
Vejamos que as fracções verificam estas condições.
Uma fracção é representada por um par de números naturais;
Duas fracções a/b e c/d são iguais se e só se ad = bc;
Temos uma regra para a soma de duas fracções:
a/b + c/d = (ad + bc)/bd;
e uma regra para a multiplicação: (a/b)(c/d) = ac/bd;
Consideremos duas fracções
a/b e c/d.
a/b + c/d = (ad + bc)/bd
Como a, b, c, d são números naturais, ad + bc e bd
também são.
Assim, pela definição, a/b + c/d também é uma fracção;
Como a, b, c, d, e, f são números naturais possuem as propriedades
comutativa e associativa. Assim:
(a/b) + (c/d) = (ad + bc)/bd = (cb + da)/db = (c/d) + (a/b)
ou seja a soma é
comutativa;
(a/b)(c/d) = ac/bd = ca/db = (c/d)(a/b)
isto é a multiplicação é
comutativa;
(a/b) + [(c/d) + (e/f)] = (a/b) + [(cf + de)/df] =
[adf + b(cf + de)]/bdf = (adf + bcf + bde)/bdf =
[(ad + bc)f + bde]/bdf = [(ad + bc)/bd] + (e/f) =
[(a/b) + (c/d)] + (e/f)
ou seja, a soma é associativa;
[(a/b)(c/d)](e/f) = (ac/bd)(e/f) = ace/bdf = (a/b)(ce/df) =
(a/b)[(c/d)(e/f)]
isto é, o produto é associativo;
(a/b)[(c/d) + (e/f)] = (a/b)[(cf + de)/df] = a(cf + de)/bdf =
(acf + ade)/bdf = (acf + dae)/dbf = (acbf + bdae)/bdbf =
(ac/bd) + (ae/bf) = (a/b)(c/d) + (a/b)(e/f) =
(a/b)[(c/d) + (e/f)]
ou seja, o produto é associativo em relação à
soma.
Como já provámos a comutatividade e a associatividade tem-se
que
[(a/b) + (c/d)](e/f) = (a/b)(e/f) + (c/d)(e/f)
Tomando a/b e 0/c vem que
(a/b) + (0/c) = (ac + b.0)/bc = (ac + 0)/bc = ac/bc =
(a/b)(c/c) = (a/b)(1/1) = a.1/b.1 =
a/b
pois, como uma
fracção representa a razão entre duas quantidades, tem-se, qualquer
que seja o número natural c, c/c = 1/1. Então, existe elemento
neutro para a soma, (0/c), qualquer que seja o natural c;
Tomando a/b e 1/1 tem-se que
(a/b)(1/1) = a.1/b.1 = a/b
ou seja, existe
elemento neutro para a multiplicação, o (1/1);
Qualquer que seja a/b, com
a diferente de zero,
existe inverso para o
produto, que será b/a pois
(a/b)(b/a) = ab/ba = ab/ab = (a/a)(b/b) =
(1/1)(1/1) = 1.1/1.1 = 1/1
que é o elemento neutro para o produto;
Qualquer que seja a/b, existe simétrico,
em relação à soma, que será (-a)/b pois
(a/b) + (-a/b) = (a - a)/b = 0/b
que é o elemento neutro para a soma.
Então, provadas as condições iniciais, conclui-se que os números complexos formam um conjunto de números.
Falta ver que existe um número, deste conjunto, cujo dobro é 3. É o
número 3/2, porque se se multiplica por 2 obtêm-se 3/1. Mas, se formos
rigorosos, 3/1 não é 3, porque 3/1 é um par de naturais e 3 é só um
natural. No entanto, as fracções da forma a/1 comportam-se, exactamente
como os números naturais.
Somam-se e multiplicam-se da mesma forma:
(a/1) + (b/1) = (a1 + 1b)/1.1 = (a + b)/1 e (a/1)(b/1) = ab/(1.1) = ab/1
O 1 não
faz nada!
Como os números não passam de conceitos abstractos, e como os
naturais a e as fracções da forma a/1, no que diz respeito às regras da
aritmética, funcionam da mesma maneira, podemos assumir que 3 e 3/1
representam o mesmo número.
Portanto, o número 3 pode ser considerado simplesmente, no conjuntos
dos racionais, como o par de números naturais 3/1.