O número imaginário existe realmente?
É difícil imaginar
que haja algum número que seja a raiz quadrada de -1. Como tal, é
tentador acreditar que o número i não existe, que é só uma conveniente
ficção matemática.
No entanto, este não é o caso. Números
imaginários existem. Fora o nome, não são nada imaginários e sim bastante reais.
A origem do seu
nome remonta à
altura em que foram introduzidos, quando ainda não eram bem entendidos.
Na altura imaginava-se como seria ter um conjunto onde a raiz quadrada de
um número fizesse sentido. Daí o seu nome. Quando perceberam que tal
conjunto existia, o nome já tinha sido interiorizado.
Mas porque será tão difícil
aceitarmos que existem números que são raízes quadradas de números
negativos?
O problema está no que entendemos
por existência. Em Matemática, a existência ou não de um conceito
depende do contexto em que se faz a pergunta. Quando se fala de números
temos vários contextos a ter em conta. Há conceitos que, mesmo,
existindo num conjunto podem não existir nos outros.
A pergunta "Existe algum número entre 1 e 2?" não tem resposta nos conjuntos dos números naturais e inteiros mas, tem no dos números racionais e reais. Não se pode comprar mais de uma maçã e menos de duas mas, pode-se comer três metades de maçã, que se encontra entre uma maçã inteira e duas maçãs inteiras.
Para a maioria das pessoas não é difícil aceitar a existência do número 3/2. Então, porque será tão difícil acreditar na existência de um número que seja a raiz quadrada de um negativo?
Fundamentalmente, é porque nos esquecemos que conhecemos vários significados para a palavra número.
Os contextos descritos anteriormente relativamente aos números naturais, inteiros, racionais e reais, tornaram-se tão familiares para nós, que pensamos neles como se fossem um só. Quando encontramos uma noção como "raiz quadrada de -1", que não faz sentido naquilo que conhecemos, temos a tendência de pensar que não existe, porque achamos que a palavra número é um conceito que entra apenas nestes quatro contextos.
Em vez disso, deveríamos pensar em algo como:
"Conheço quatro conjuntos distintos onde, em cada um, a palavra número tem um significado diferente. Em nenhum deles existe a raiz negativa de -1. Será que existe um quinto conjunto, onde número tenha um significado completamente diferente daquele que conheço e onde exista a raiz de -1?"
A resposta a esta questão é "Sim, existe". Chama-se
Conjunto dos Números Complexos e envolve uma noção diferente de número
daquela que conhecemos. No entanto, essa diferença não é maior do que a
existente entre números inteiros e fracções.
Na página Números Complexos damos uma maior noção deste conjunto.
Vejamos agora, como provar que o número imaginário i existe. Para tal usaremos o mesmo raciocínio usado para provar que as fracções existem. (Talvez seja conveniente ver primeiro esse resultado)
O que queremos ver é que existe um número que seja a raiz quadrada de -1.
Pensemos no seguinte argumento:
Nos quatro conjuntos de números já falados não existe nenhum número
com esta característica.
No entanto, há um conjunto, o Conjunto dos Números Complexos, onde tal
número existe e onde o significado da palavra "número" será
diferente do usual. Um número aqui será visto como um par de
números reais mas, isso não fará dele menos real do que os números
reais!
Os números complexos existem? Sim!
Formam um conjunto de números? Sim!
Neste conjunto existe algum número que seja a raiz quadrada de -1? Sim!
Então, o número i existe!
Provemos agora as três afirmações feitas anteriormente.
Como se disse antes, um número complexo é um par de números reais. Como os reais existem, os pares de reais também existem. Então, os números complexos existem.
Qualquer colecção de objectos onde:
haja uma definição do que é um objecto e de quando dois objectos são iguais;
haja uma regra para a soma de dois objectos;
haja uma regra para a multiplicação de dois objectos;
a soma e o produto de dois objectos da colecção dão sempre um objecto da colecção;
as regras acima mencionadas obedeçam às propriedades de comutatividade, associatividade e distributividade do produto em relação à soma;
todos os objectos tenham elemento neutro para ambas as operações;
todos os objectos, não nulos, tenham objecto inverso relativamente ao produto;
todos os objectos tenham objecto simétrico relativamente à soma
é, por definição, um conjunto de números (usualmente chamado Corpo).
Vejamos que os números complexos verificam estas condições.
Um número complexo é representado por um par de números reais, (a, b);
Dois números complexos são iguais se e só se são representados pelo mesmo par de números reais;
Temos uma regra para a soma de dois números complexos:
(a, b) + (c. d) = (a + c, b + d)
e uma regra para a multiplicação:
(a, b)(c, d) = (ac - bd, ad + bc)
(Parece um pouco estranha mas nada tem de errada!)
Consideremos dois complexos (a, b) e (c,
d).
(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)
Como a, b, c, d são reais, a + c e b + d também
são reais.
Portanto, pela definição (a + c, b + d) é um complexo.
Da mesma forma, (ac - bd) e (ad + bc) são reais.
Assim, (a, b)(c, d) = (ac - bd, ad + bc), pela definição, é um complexo.
Como a, b, c, d, e, f são reais possuem as propriedades
comutativa e distributiva. Assim:
(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) = (c + a, d + b) = (c, d) + (a, b)
isto é, a
soma é comutativa.
(a, b)(c, d) = (ac - bd, ad + bc) = (ca - db, cb + da) =
(c, d)(a, b)
ou seja, o produto
é comutativo.
(a, b) + [(c, d) + (e, f)] = (a, b) + (c + e, d + f) =
(a + c + e, b + d + f) = (a + c, b + d) + (e, f )
= [(a, b) + (c, d)] + (e, f)
Então, a soma é associativa.
(a, b)[(c, d)(e, f)] = (a, b)(ce - df, cf + de) =
[a(ce - df) - b(cf + de), a(cf + de) + b(ce - df)] =
(ace - adf - bc f- bde, acf + ade + bce - bdf) =
(ace - bde - adf - bcf, acf - bdf + ade + bce) =
[(ac - bd)e - (ad - bc)f, (a c- bd)f + (ad + bc)e)] =
(ac - bd, ad + bc)(e,f) =
[(a, b)(c, d)](e, f)
Então, a multiplicação é associativa.
(a, b)[(c, d) + (e, f)] = (a, b)(c + e, d + f) =
[a(c + e) - b(d + f), a(d + f) + b(c + e)] =
(ac + ae - bd - bf, ad + af + bc + be) =
(ac - bd + ae - bf, ad + bc + af + be) =
(ac - bd, ad + bc) + (ae - bf, af + be) =
(a, b)(c, d) + (a, b)(e, f)
Então, verifica-se a distributiva da
multiplicação em relação à soma.
Como já provámos a comutatividade e associatividade, tem-se que
[(a, b) + (c, d)](e, f)
= (a, b)(e, f) + (c, d)(e, f)
Tomando (a, b) e (0, 0) vem que
(a, b) + (0, 0) = (a + 0, b + 0) = (a, b)
isto é, existe elemento neutro para soma, o (0, 0).
Tomando (a, b) e (1, 0) tem-se que
(a, b)(1, 0) = (a.1 - b.0, a.0 + b.1) =
(a - 0, 0 + b) = (a, b)
ou seja, existe elemento neutro para a multiplicação, (1, 0).
Qualquer que seja (a, b) diferente de zero,
isto é, diferente de (0, 0), tem inverso para o
produto, que será
[a/(a2 + b2), -b/(a2 + b2)]
pois multiplicando ambos obtém-se (1, 0)
que é o elemento neutro da multiplicação.
Qualquer que seja o complexo (a, b), existe simétrico para a soma que será (-a, -b), pois somando ambos, (a, b) + (-a, -b), obtém-se (0, 0) que é o elemento neutro para a soma.
Então, provadas as condições iniciais conclui-se que os números complexos formam um conjunto de números.
Falta ver que existe um número, deste conjunto, que é a raiz quadrada
de -1.
Consideremos o número (0, 1). Se o multiplicarmos por ele próprio obtemos:
(0, 1)(0, 1) = (0.0 - 1.1, 0.1 + 1.0) = ( 0 - 1, 0 + 0) =
(-1, 0).
Mas, sendo rigorosos, (-1, 0)
não é -1, porque (-1, 0) é um par de reais e -1 é só um real.
No entanto, os números complexos da forma (a, 0) comportam-se exactamente
como os números reais. Somam-se e multiplicam-se exactamente da mesma
forma:
(a, 0) + (b, 0) = (a + b, 0) e (a, 0)(b, 0) = (ab, 0).
O 0 não faz nada!
Como os números não passam de conceitos
abstractos e como os reais e
os complexos da forma (a, 0), no que diz respeitos às regras da aritmética, funcionam da
mesma maneira, podemos assumir que -1 e (-1, 0) representam o mesmo
número.
Portanto, existe um número que é a raiz quadrada de -1!
Assim, o número i pode ser considerado simplesmente, no conjunto dos números complexos, como o par de números reais (-1, 0).