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    Iena, 22 de Junho de 1902 
     Caro colega  
                 
    Muito agradeço a sua interessante carta de 16 de Junho. Fico encantado por saber que
    concorda comigo em muitos pontos e que tenciona discutir de maneira rigorosa o meu
    trabalho. Em resposta ao seu pedido, envio-lhe as publicações seguintes: 
           1.    Kritische
    Beleuchtung [1895], 
           2.    Ueber die Begriffsschrift
    des Herrn Peano [1896], 
           3.    Ueber Begriff und
    Gegenstand [1892], 
           4.    Über Sinn und
    Bedeutung [1892a], 
           5.    Ueber formale Theorien der
    Arithmetik [1885]. 
                Recebi um envelope
    vazio que parece ter sido endereçado por sua mão. Imagino que quis mandar-me algo que,
    acidentalmente, se perdeu no caminho. Se é este o caso, agradeço-lhe a sua gentil
    intenção. Junto envio a parte da frente do envelope. 
                Quando leio o meu Begriffsschrift de novo, verifico que
    mudei a minha opinião em vários pontos, como poderá constatar se o comparar com o meu Grundgesetze der Arithmetik.
    Peço-lhe que remova o parágrafo que começa por Nicht minder erkennt man na
    página 7 de Begriffsschrift [Não é menos fácil de ver] que está
    incorrecto. Felizmente, essa incorrecção não tem efeitos nocivos no resto do conteúdo
    do opúsculo. 
                A sua descoberta da
    contradição causou em mim a maior das surpresas e, poderia quase dizer, consternação,
    já que abalou a base sob a qual eu pretendia construir a aritmética. Parece, então, que
    transformar a generalização de uma igualdade numa igualdade de seqência-de-valores [die
    Umwandlung der Allgemeinheit einer Gleichheit in eine Werthverlaufsgleichheit] (§ 9 do
    meu Grundgesetze) 2  nem sempre é permitido, que a minha Regra V
    (§ 20) é falsa, e que as minhas explanações no § 31 não são suficientes para
    garantir que a combinação de signos que proponho tem sentido em todos os casos. Tenho
    que reflectir mais no assunto. Isto torna-se tanto mais sério quanto, com a perda da
    Regra V, não só os fundamentos da minha aritmética, como também os únicos fundamentos
    possíveis da aritmética em geral, parecem desvanecer-se. Contudo, penso eu, deve ser
    possível arranjar condições para a transformação da generalização de uma igualdade
    numa igualdade de sequência-de-valores de maneira a que o essencial das minhas
    demonstrações permaneça intacto. Em qualquer dos casos, a sua descoberta é notável e
    irá certamente resultar num grande avanço na lógica, mesmo que à primeira vista não
    pareça benvinda. 
                A propósito, parece-me
    que a expressão um predicado é predicado de si próprio não é exacta. Um
    predicado é por regra uma função de primeiro-nível, e esta função requer um objecto
    como argumento e não pode ter-se a si próprio como argumento (assunto). Portanto,
    preferiria dizer uma noção é predicado da sua própria extensão. Se a
    função F(x) é um conceito, eu denoto a sua extensão (ou a classe correspondente) por
    eF(e) (para ser verdadeiro, a justificação para isto tornou-se-me
    agora questionável). Em F(eF(e)) ou
    eF(e)ÇeF(e)1 teremos então um caso em que o conceito F(x) é
    predicado da sua própria extensão. 
                O segundo volume do meu
    Grundgesetze irá aparecer brevemente. Terei, sem dúvida, que acrescentar um
    apêndice no qual a sua descoberta será levada em conta. Se ao menos já tivesse o ponto
    de vista correcto para ela! 
           
                                                                           
    Muito respeitosamente este seu, 
                            G.
    Frege                               
            
                              
                          
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