O quinto postulado de Euclides

    "Se uma linha recta cortar duas outras rectas de modo que a soma dos dois ângulos internos de um mesmo lado seja menor do que dois rectos, então essas duas rectas, quando suficientemente prolongadas, cruzam-se do mesmo lado em que estão esses dois ângulos."
 

    O quinto postulado do livro I, é mais famoso dos postulados de Euclides e aquele que tem dado mais dores de cabeça aos matemáticos. Equivalente ao «axioma das paralelas», de acordo com o qual, por um ponto exterior a uma recta, apenas passa uma outra recta paralela à dada, desde cedo que este postulado foi objecto de polémica por não possuir o mesmo grau de "evidência" que os restantes. 

    Próclo (410 - 485), criticou este postulado nos seguintes termos:

    "Este postulado deve ser riscado da lista, pois é uma proposição com muitas dificuldades que Ptolomeu, em certo livro, se propôs resolver... A asserção de que duas linhas rectas, por convergirem mais e mais à medida que forem sendo prolongadas, acabam por se encontrar, é plausível mas não necessária. (...) É claro, portanto, que devemos procurar uma demonstração do presente teorema, e que este é estranho ao carácter especial dos postulados."

   O próprio Euclides e muitos dos seus sucessores tentaram demonstrar esta proposição a partir de outros axiomas da geometria. Mas sempre em vão. Esta impossibilidade foi durante séculos o escândalo da geometria e o desespero dos geómetras.
    A primeira tentativa de demosntração de que há conhecimento é de
Ptolomeu de Alexandria (c. 90 - 168). Outro exemplo de uma tentativa frustrada de contornar o quinto postulado de Euclides é feita por John Wallis (1616 - 1703), matemático britânico antecessor de Isaac Newton (1643 - 1727). De facto, Wallis não fez mais do que propor um novo enunciado do quinto postulado de Euclides. 
    O padre jesuíta
G. Saccheri (1667 - 1733) foi talvez o primeiro a ensaiar uma abordagem inteiramente nova. No seu último livro Euclides ab omni naevo vindicatus tentou utilizar a técnica de redução ao absurdo, admitindo a negação do postulado do paralelismo de Euclides com vista a obter algum absurdo ou contradição. Sem o saber Saccheri tinha descoberto a geometria não-euclidiana! 

    O trabalho de Saccheri permaneceu ignorado durante século e meio. Outros grandes matemáticos, como Karl Gauss (1777 - 1855), o príncipe dos matemáticos, redescobriram e desenvolveram a geometria em bases semelhantes às de Saccheri (negando o quinto postulado), sem nunca chegarem a uma contradição.


    Gauss chega mesmo a escrever:

   "Estou cada vez mais convencido de que a necessidade da nossa geometria (euclidiana) não pode ser demonstrada, pelo menos não pela razão humana, nem por culpa dela. Talvez, numa outra vida, consigamos obter a intuição sobre a natureza do espaço que, no presente, é inantingível."

    Outros, mais ousados, não recuaram perante o estranho mundo novo que se abria a seus olhos. O jovem húngaro Janos Bolyai (1802 - 1860) admite a negação do postulado do paralelismo de Euclides como hipótese não absurda, isto é, como um novo postulado, a juntar aos postulados habituais da geometria absoluta. Pela mesma época, e trabalhando independentemente, o jovem russo Nicolai Lobachewski (1792 - 1856) publica em 1829 a sua versão da geometria não euclidiana à qual chama, primeiramente "imaginária" e depois "pangeometria". Actualmente, esta geometria é chamada Geometria Hiperbólica.


    Foi necessário esperar até ao século XIX para que
Karl Friedrich Gauss, Janos Bolyai, Bernard Diemann e Nicolai Ivanovich Lobachevski conseguissem demonstrar que se trata efectivamente de um axioma, necessário e independente dos outros. Supuseram que o postulado de Euclides não era verdadeiro e substituíram-no por outros axiomas:

Prego.gif (193 bytes)   Por um ponto exterior a uma recta, podemos traçar uma infinidade de paralelas a esta recta (geometria de Lobachevski);

Prego.gif (193 bytes)    Por um ponto exterior a uma recta não podemos traçar nenhuma paralela a esta recta (geometria de Riemann).

    Todos se deram então conta de que, substituindo o axioma das paralelas, era possível construir duas geometrias diferentes da geometria euclidiana, igualmente coerentes e que não conduziam a nenhuma contradição. Apesar de serem dificilmente concebíveis, estas duas novas geometrias foram a pouco e pouco reconhecidas como alternativas legítimas. Chegou-se mesmo a demonstrar que, se qualquer das duas pudesse apresentar alguma contradição, a própria geometria euclidiana seria também contraditória. Desde então, encontramo-nos perante três sistemas geométricos diferentes:

Prego.gif (193 bytes)    A geometria euclidiana, por vezes também chamada parabólica;

Prego.gif (193 bytes)    A geometria de Lobachevski, também chamada hiperbólica;

Prego.gif (193 bytes)    A geometria do Riemann, também chamada elíptica ou esférica.

    As duas últimas recebem o nome de geometrias não euclidianas. Estas novas geometrias permitiram às ciências exactas do século XX uma série de avanços, entre os quais a elaboração da Teoria da Relatividade de Einstein (1879 - 1955). O que permitiu provar que essas teorias, ao contrário do que muitos afirmavam, tinham realmente aplicações práticas.

    De facto, conclui-se que o quinto postulado é o que distingue a Geometria não Euclidiana da Geometria Euclidiana.

 

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt