A Invariância
das Quantidades Contínuas
Segundo Piaget, o primeiro requisito é a conservação.
"um número só é inteligível na medida em que permanece
idêntico a si mesmo, seja qual for a disposição das unidades das
quais é composto: é isso o que se chama de "invariância" do
número (...) em qualquer lugar e sempre a conservação de alguma coisa
é postulada pelo espírito, a título de condição necessária de
qualquer inteligência matemática." (Piaget, 1971, p.24).
"Do ponto de vista psicológico, a necessidade de conservação
constitui, pois, uma espécie de a priori funcional do
pensamento, ou seja, à medida que o desenvolvimento ou a interacção
histórica se estabelece entre os factores internos do seu
amadurecimento e as condições externas da experiência, essa
necessidade impõe-se necessariamente. Mas será preciso concluir
disso que as noções aritméticas se estruturam progressivamente, em
função mesmo dessas exigências de conservação ou será a
conservação anterior a toda a organização numerativa e mesmo
quantificante e constitui ela não apenas uma função, mas ainda uma
estrutura a priori, uma espécie de ideia inata que se impõe
desde a primeira tomada de consciência do intelecto e a primeira tomada
de contacto com a experiência? É precisamente à análise
psicogenética que cabe decidir isso e vamos tentar demonstrar que a
primeira solução é a única que se conforma aos factos."
(Piaget, 1971, p.24)
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Primeira fase: Ausência de
Conservação
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"(...) a percepção das
mudanças aparentes, portanto, não é de modo algum corrigida por um
sistema de relações ou de operações que asseguram a existência de uma
invariante de quantidade." (Piaget, 1971, p.25)
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" Mesmo quando entre os
critérios utilizados pela criança se encontra a relação de
"grosso" ou "grande" (volumosidade), esta qualidade
permanece igualmente (...) um simples dado perceptivo, que tampouco é
componível com os outros num sistema de multiplicações de relações e que
consiste, portanto, ele também, numa "quantidade bruta"
unidimensional (deste ponto de vista da multiplicação relativa)."
(Piaget, 1971, 35).
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"(...) as relações
perceptivas em jogo no decurso desta fase não poderiam preencher uma
segunda condição das quantificações reais, que se vêm acrescentar à da
graduação intensiva: a participação em unidades iguais ou a
decomposição em dimensões proporcionais. Para admitir a conservação do
líquido e elaborar assim a noção de uma quantidade total de ordem
extensiva e não mais somente intensiva, é, com efeito, necessário
compreender que toda a elevação de nível é compensada por uma
diminuição de largura, com estes dois valores sendo inversamente
proporcionais um ao outro." (Piaget, 1971, p.35).
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"(...) se os sujeitos (...)
não compreendem a conservação da quantidade, é porque eles não chegaram a
construir a noção da própria quantidade, no sentido de quantidade total,
e se a isso não chegam é por não poderem compor as relações ou as
partes em jogo, pois o seu espírito não ultrapassa o nível das qualidades
ou das quantidades "brutas"." (Piaget, 1971, p.35,36).
Segunda fase: Respostas
Intermediárias
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"(...) constitui um período
de transição e elaboração, a conservação impõe-se
progressivamente, mas se ela é descoberta no caso de certos
transvasamentos, dos quais nos será preciso procurar determinar os
caracteres, ela não é generalizável a todos." (Piaget, 1971,
p.25).
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Duas reacções de passagem:
"Na primeira, a criança é capaz de postular a conservação do
líquido quando se despeja o líquido de um vidro A em dois vidros B1 e B2,
mas, se se faz intervir três recipientes ou mais, ela recaí na crença da
não-conservação. A segunda reacção de transição consiste em afirmar a
conservação no caso das pequenas diferenças de nível, largura ou
volumosidade, mas duvidar dela no caso das grandes diferenças."
(Piaget, 1971, p.36).
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"(...) a criança procura
coordenar as relações perceptivas em jogo e transformá-las assim em
relações verdadeiras, ou seja, operatórias. (...) os sujeitos (...)
procuram (...) considerar as duas relações ao mesmo tempo." (Piaget,
1971, p.38).
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"(...) quando a criança
considera os níveis desiguais, esquece as larguras, e quando percebe as
larguras desiguais, esquece o que acabou de pensar sobre a relação dos
níveis; portanto, é somente com os níveis iguais que ela tenta
multiplicar logicamente as relações de altura e de largura entre si, mas,
assim que essa operação se esboça, uma das relações leva a palma sobre a outra, numa alternativa sem fim. (...) Para que se possa estar certo da
igualdade, é preciso que uma quantificação extensiva complete a
graduação intensiva, isto é, deve poder-se estabelecer uma proporção propriamente
dita e não apenas uma correlação qualitativa entre o que
foi ganho em altura e perdido em largura. (...) a criança começa
igualmente (...) a compreender que um todo permanece idêntico a si mesmo se
for repartido em duas metades." ( Piaget, 1971, p.39,40).
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"A multiplicação das
relações e a partição parecem andar de par, isto é, aparecem e começam
a desenvolver-se, tanto uma quanto a outra (...) para deter-se em caminho e em
função das mesmas limitações." (Piaget, 1971, p.40).
Terceira fase: A Conservação
Necessária
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"(...) o sujeito postula de
saída a conservação das quantidades a cada um das transformações que efectuamos
com ele, o que de algum modo significa (...) que esta
generalização da constância seja estendida (...)." (Piaget, 1971,
p.26).
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"(...) a comparação global
do estado inicial e do estado final das transformações basta à criança
para permitir-lhe afirmar a conservação, independentemente de qualquer
multiplicação das relações e de qualquer partição (...) A certo nível
do desenvolvimento, a conservação, portanto, parece ser devida a uma
dedução a priori e analítica, que torna inútil a observação das
relações, bem como da própria experiência. (...) vê-se como se fosse a nu
o mecanismo de sua construção e é-se levado a reconhecer que o
raciocínio que vem a dar na afirmação da conservação consiste (...)
numa coordenação de relações, sob o seu duplo aspecto de multiplicação
lógica das relações e de composição matemática das partes e das
proporções." (Piaget, 1971, p.42).
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"Quando, após haver avaliado
as quantidades do ponto de vista único das relações perceptivas
unidimensionais ("quantidades brutas"), a criança coordena essas
relações umas com as outras, ela constrói assim uma totalidade
multidimensional, mas trata-se de uma totalidade que permanece
"intensiva" e que não é susceptível de medidas
"extensivas" enquanto, além da multiplicação lógica, o sujeito
não introduz considerações de ordem propriamente matemática."
(Piaget, 1971, p.43).
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"(...) a multiplicação das
relações aparece como intermediário necessário entre a quantidade bruta
ou unidimensional e a quantidade extensiva (...)." (Piaget, 1971, p.44).
"Ter-se-ia assim a conservação por simples identificação
lógica, sem intervenção de matemática alguma. Mas a uma tal
simplificação do processo genético ter-se-á sempre o direito de opor
(...) a questão seguinte (...): porque é preciso que a criança
chegue à terceira fase para descobrir esta identificação? (...)
É aqui que intervém um segundo processo, que (...) é ao mesmo tempo sincrónico
e distinto do anterior e do qual as relações com ele devem ser estabelecidas com cuidado, porque elas dominam todo o
desenvolvimento das noções matemáticas: trata-se da intervenção da
noção de "unidade", ou seja, a quantificação extensiva
(...) seja (...) de proporções propriamente ditas." (Piaget, 1971,
p.46)
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"O sujeito começa - e nisso permanece durante a
primeira fase - por não considerar mais que relações perceptíveis
não-coordenadas entre si de igualdade ou de diferença qualitativas,
constituindo assim respectivamente as qualidades e as quantidades
brutas, não componíveis como tais. Depois, no decorrer da segunda
fase, inicia um processo de coordenação lógica que se concluí na
terceira fase e que resulta na classificação das igualdades e na
seriação das diferenças (aditiva e multiplicativamente), com esta
seriação levando à constituição das quantidades intensivas. Por
fim, a terceira fase é assinalada pela constituição das quantidades
extensivas, graças à igualização das diferenças intensivas e, consequentemente, à aritmatização dos grupamentos lógicos." (Piaget,
1971, p.50)
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