A Correspondência Provocada e a Equivalência das

Colecções Correspondentes


"Comparar duas quantidades, com efeito, é ou pôr em proporção as suas dimensões ou colocar em correspondência termo a termo os seus elementos. Ora, este último procedimento surge (...) como constitutivo do número inteiro, pois ele próprio fornece a medida mais simples e mais directa da equivalência dos conjuntos (...) a correspondência termo a termo surge como o instrumento empregue pelo espírito para decompor as totalidades a serem comparadas entre si, ela não basta, sobre a sua forma ou as suas formas originais para conferir às colecções correspondentes a equivalência propriamente dita, ou seja, a mesma "potência" ou valor cardinal, concebido a título de constante originada da correspondência como tal. (...) a correspondência entre objectos heterogéneos mas qualitativamente complementares, uma correspondência assim provocada, se tal se pode dizer, pelas próprias circunstâncias exteriores."
                                                                                           
(Piaget, 1971, pp.71,72)



Primeira fase: Ausência de Correspondência Termo a Termo e de Equivalência

  • " (...) a criança contenta-se, para calcular as colecções de objectos, com uma espécie de comparação de conjunto ou de relação global, sem correspondência termo a termo, e por simples avaliação espacial (comprimento das fileiras etc.)." (Piaget, 1971, p.79).

  • "(...) as quantidades percebidas pela criança só ocasionam (...) simples relações quantitativas ("maior" ou "menor", "comprido", "pequeno", "apertado" etc.), sem operações propriamente ditas. Com efeito, essas qualidades não são coordenadas ou multiplicadas entre si: a criança não vê, por exemplo, que se se espacejam os elementos de uma fileira, diminui-se o seu número por unidade de comprimento e que, se os apertamos, aumenta-se este número relativo. (...) a criança só julga da quantidade pelo comprimento maior ou menor da fileira, sem multiplicar esta relação com as de "colocado em frente", ou seja, sem constituir correspondências, mesmo intuitivas (...)" (Piaget, 1971, pp.87,88).

  • " Todas as crianças (...) já sabem naturalmente trocar de maneira correcta as suas moedas uma a uma contra os objectos propostos. Mas, por um lado, são incapazes de prever por correspondência a quantidade de elementos que lhes será preciso trocar e, por outro, não tiram a conclusão de que as colecções trocadas são equivalentes." (Piaget, 1971, p. 89).

Segunda fase: Correspondência Termo a Termo, mas Ausência de Equivalência Durável

  • "(...) as crianças (...) são perfeitamente capazes de efectuar de saída a correspondência termo a termo entre as garrafas e os copos. Mas, se elas declaram no próprio momento da correspondência visual entre as duas fileiras que existem tantos copos quantas garrafas, deixam de acreditar nessa equivalência assim que se separam os pares de termos correlativos espaçando ou apertando os termos de uma das duas colecções." (Piaget, 1971, p.75).

  • Ao diminuir o espaço entre as garrafas, as crianças dizem que "há mais copos" e que estas "são pequeninas" embora se mantenha o mesmo número de garrafas, o que significa que "(...) a criança esperava uma diminuição da própria quantidade e que, encontrando, contra sua expectativa, o mesmo número, concilia esta permanência experimental do número (...) com a contracção do espaço ocupado, reduzindo o próprio valor dos elementos avaliados." (Piaget, 1971, p.78).

  • "(...) a quantificação, para a criança (...) não se reduz ao número (a maioria deles sabe contar até dez) nem à correspondência biunívoca e recíproca, mas a uma correspondência intuitiva ligada à configuração perceptiva do conjunto analisado." (Piaget, 1971, p.84).

  • "(...) os pequenos, que acreditam serem as flores apertadas menos numerosas que as jarras às quais corresponderam, admitem, no entanto, que se poderia recolocá-las uma a uma nas jarras, não temos ainda aí uma operação logicamente reversível, mas a simples previsão de um retorno empírico, por falta daquela coordenação de relações que, somente ela, tornaria um tal retorno necessário." (Piaget, 1971, p.88).

Terceira fase: Correspondência e Equivalência Durável

  • "(...) para estas crianças, os conjuntos, uma vez postos em correspondência unívoca e recíproca e assim tornados equivalentes ao momento dessa correspondência, assim permanecem a seguir, por qualquer que seja a disposição de seus elementos." (Piaget, 1971, p.78).

  • "(...) a operação por fim liberta-se da intuição e a criança atinge, por isso mesmo, a reversibilidade e a equivalência. (...) a criança descobre que toda transformação espacial na disposição dos elementos pode ser corrigida por um operação inversa. (...) o primado da operação em relação à intuição perceptiva resulta da reversibilidade progressiva do pensamento: a percepção é, por essência, irreversível, mas, à medida que ela se resolve em juízos de relação, as operações reversíveis são capazes de dominá-la e de substituir a correspondência intuitiva por uma correspondência operatória e quantificante, assegurando, contrariamente às aparências da percepção imediata, a equivalência necessária e durável das colecções correspondentes." (Piaget, 1971, pp.87,88,89).


"(...) a numeração falada parece não exercer mais que uma débil influência sobre o sentimento de equivalência resultante - ou não-resultante - da correspondência termo a termo. Já (...) tivemos ocasião de assinalar (...) a ausência de coerência entre a numeração aprendida e as operações efectivas de que é capaz a criança. (...) Reencontramos assim, sem que a numeração falada neles mude o que quer que seja, as mesmas fases encontradas com as técnicas anteriores. (...) Portanto (...) este factor verbal não desempenha qualquer papel no próprio progresso da correspondência e da equivalência (...) sem dúvida, no momento em que a correspondência se torna quantificante e dá assim nascimento a começos de equivalência, a numeração falada pode acelerar o processo de evolução. No entanto, (...) os nomes de números não a engendram e isso é tudo o que desejávamos demonstrar."
                                                                                   
(Piaget, 1971, pp.94, 97)

 

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt