Comentários a
um excerto
do Ménone
Platão deu a forma de diálogo a quase
todas as suas obras. Em geral, é Sócrates quem tem o papel principal o que
permite a Platão apresentar uma imagem radiosa do seu mestre cuja memória defende e perpetua.
No excerto que se segue são três os
intervenientes: Sócrates, Ménone e um escravo.
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Ménone -
E como hás-de encontrar uma coisa de que não sabes
absolutamente nada? Na tua ignorância, que princípio tomarás para te guiar nesta
investigação? E se,
por acaso, encontrasses a virtude, como a reconhecerias, se nunca a conheceste?
|
Aporia central Ménone
coloca três questões importantes a Sócrates: como é que se pode procurar o que se
ignora totalmente? Que princípio seria possível tomar como guia para uma
investigação sobre algo que se ignora? E como é que, mesmo que o encontrássemos, saberíamos se tínhamos
encontrado o que procurávamos? |
Sócrates- Compreendo, Ménone, o que queres
dizer. Que magnífico argumento para uma discussão! Não é possível o homem procurar
o que já sabe, nem o que não sabe, porque não necessita de procurar aquilo que sabe, e,
quanto ao que não sabe, não podia procurá-lo, visto não saber sequer o que havia de
procurar. |
Sócrates
esclarece
o problema posto por Ménone através de uma recapitulação reformulada das
mesmas questões. |
Ménone - Não te
parece bom esse raciocínio, Sócrates?
Sócrates -
Decerto que não.
Ménone
Dizes-me porquê?
Sócrates - Sim,
porque tenho ouvido falar, homens e mulheres hábeis em coisas divinas.
Ménone
- Que diziam?
Sócrates - Coisas
belas e verdadeiras, a meu ver.
Ménone - Que
coisas eram essas, e quem são eles? |
Sócrates vai de seguida apresentar uma teoria que atribui a "homens e mulheres hábeis em
coisas divinas". |
Sócrates - Sacerdotes e sacerdotisas que se
aplicaram a investigar tudo quanto respeita ao seu ministério. Também tenho por
verdadeiramente divinos Píndaro e outros poetas. É isto que dizem: examina se será
justo. Dizem que a alma é imortal, e tão depressa emigra (chamando-se a isto
morrer) como reaparece sem nunca ser destruída; por isso convém viver o mais
piedosamente possível, porque as almas daqueles que pagaram a Perséfone a dívida das
suas antigas faltas, são devolvidas à luz do Sol, ao fim de nove anos. Destas almas saem
os reis ilustres, celebres pelo seu poder, os homens notáveis pelo seu saber, honrados
como santos heróis pelos mortais. Assim, a alma imortal, nascida muitas vezes, tendo
contemplado todas as coisas sobre a terra e na morada de Hades, aprendeu tudo quanto é
possível. Portanto, não é para admirar que possua, quer acerca da virtude quer de tudo
o mais, reminiscências dos seus conhecimentos anteriores. Sendo solidária toda a
natureza e tendo a alma prévio conhecimento de tudo, nada impedirá que, relembrando uma
coisa qualquer (é a isto que os homens chamam aprender), encontre todas as outras, por si
mesma, sempre que tenha coragem e não se canse de investigar. Com
efeito, o que se chama
investigar
e aprender não é mais que recordar. Não devemos, portanto, dar crédito ao
argumento, para uso de palradores, que apresentaste há pouco; tornar-nos-ia preguiçosos
e só agrada aos caracteres frouxos. 0 meu, pelo contrário, incita ao trabalho e à
investigação. É por isso que o considero verdadeiro; e quero, por consequência,
investigar contigo em que consiste a virtude. |
A
teoria da reminiscência
explica justamente que a situação
- efectivamente impossível - de procurar o que se ignora, nunca se realiza.
Sócrates apresenta a Ménone a sua hipótese
explicativa para o problema colocado. A alma imortal, sendo congénita com toda a
natureza, contemplou todas as coisas e tudo sabe, de modo que uma única recordação a
poderá fazer reencontrar todas as outras.
Sócrates conclui que
aprender é recordar um saber esquecido, um saber que é anterior à
experiência. Sócrates
esclarece que considera verdadeira esta tese porque ela incita à
investigação. |
Ménone - Está bem,
Sócrates. Mas limitar-te-ás a afirmar que não aprendemos nada e que aquilo a que
chamamos aprender não é mais do que recordar? Poderias demonstrar-me que é
realmente assim? |
Ménone pede a Sócrates
que vá além da afirmação e apresente uma demonstração
da sua tese. |
Sócrates - Já te disse, Ménone, que és muito
astuto. Perguntas-me se posso ensinar-te uma coisa, quando acabo de afirmar que não se
aprende nada e que aprender se resume em recordar, para me fazeres cair em
contradição comigo mesmo. |
Como é que
Sócrates vai ensinar (ou seja, demonstar) a Ménone a sua teoria quando, segundo
essa mesma teoria, nada se ensina? |
Ménone - Não tinha essa intenção, Sócrates,
por Zeus. Falei assim apenas por hábito. No entanto, se puderes mostrar-me que é como
dizes, não deixes de o fazer. |
|
Sócrates - Não é nada fácil, mas vou
tentá-lo, para te ser agradável. Chama um dos muitos escravos que te acompanham,
aquele que quiseres, e far-te-ei ver o que desejas. |
Sócrates aceita o desafio. A demonstração passa pela
apresentação de um exemplo. A partir de agora, Sócrates interpela um
escravo. O seu objectivo é mostrar (pelo exemplo) que se pode levar alguém a "aprender" uma ciência sem
que esta lhe seja "ensinada". Digamos
que, para Platão, ensinar é verdadeiramente «dar a ver»
|
Ménone
- De bom grado. Vem cá tu.
Sócrates
- É grego ou sabe grego?
Ménone
- Muito bem, nasceu em minha casa. |
Sócrates certifica-se
que estão garantidas as condições prévias
à realização da demonstração. |
Sócrates - Toma atenção: vê
se parece
recordar ou se aprende comigo. |
Sócrates explicita o que se pretende
demonstrar. |
Ménone - Estarei atento. |
|
Sócrates
Diz-me, rapaz, sabes que isto é um quadrado? |
Início
da demonstração
Pelo contexto do diálogo,
vê-se que Sócrates vai desenhando, no chão, as figuras geométricas de que precisa,
para a confirmação da sua teoria.
|
Escravo
- Sim.
Sócrates
- 0 espaço quadrado, não tem iguais estas quatro linhas?
Escravo
- Sim.
Sócrates
- E estas outras linhas que o atravessara pelo centro, serão também iguais?
|
Ao
clicar na fechadura encontrará a explicação
matemática do
problema colocado ao escravo. |
Escravo
- Sim.
Sócrates
- Não poderá haver um espaço semelhante que seja maior ou mais pequeno?
Escravo
- Sem dúvida.
Sócrates
- Se este lado medisse dois pés, e este outro também dois pés, quantos pés mediria o
todo? Repara bem: Se este lado fosse de dois pés e aquele de um pé somente, não é
verdade que o espaço seria de uma vez dois pés?
Escravo
- Sim.
Sócrates
Mas, como o segundo lado tem igualmente dois pés, não será o mesmo que duas
vezes dois?
Escravo
Sim.
Sócrates
- Portanto, o espaço é agora de duas vezes
dois pés?
Escravo - Sim.
Sócrates -
Quantos são, duas vezes dois pés? Trata de fazer a conta, diz-me o resultado.
Escravo - Quatro,
Sócrates.
Sócrates - Não
se poderia fazer um espaço duplo deste, mas semelhante, tendo, as suas linhas iguais?
Escravo - Sim.
Sócrates -
Quantos pés mediria?
Escravo
- Oito.
Sócrates-
Vamos, trata de me dizer, qual será a grandeza de cada linha do novo quadrado: as deste
são de dois pés; as do quadrado duplo, de quantos serão?
Escravo
- É evidente, Sócrates, que terão o dobro. |
|
Sócrates
- Estás vendo, Ménone, que nada lhe ensino e que me limito a interrogar? Neste
momento julga saber qual é a extensão do lado de um quadrado de oito pés. Não te
parece?
Ménone
- Sim. |
Interrupção do
diálogo com o escravo
Note-se que é quando o escravo
erra que Sócrates declara que nada lhe ensina.
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Sócrates
- Mas sabe-o, porventura?
Ménone
- Não, certamente.
Sócrates
- Não está supondo que este lado seria duplo do precedente?
Ménone
- Sim. |
|
Sócrates -
Pois observa como a memória vai
despertar sucessivamente. (ao escravo): Tu, responde-me. Dizes que o espaço duplo se
forma da linha dupla? Repara bem: não me refiro a um espaço comprido deste lado e curto
daquele; pretendo uma superfície como esta, igual em todos os sentidos, mas que tenha uma
extensão dupla, ou seja de oito pés. Ainda pensas que se forma sobre a linha dupla?
|
Sócrates
retoma o diálogo com
o escravo |
Escravo
- Penso que sim.
Sócrates - Se
acrescentarmos a esta linha outra do mesmo comprimento, a nova linha não será dupla da
primeira?
Escravo - Sem
dúvida.
Sócrates
- Então, o espaço de oito pés construir-se-á sobre esta nova linha, traçando quatro
linhas semelhantes?
Escravo - Sim.
Sócrates -
Tracemos, então, quatro linhas semelhantes a esta. Chamas a isto um espaço de oito pés?
Escravo - Sim.
Sócrates- Mas
este novo quadrado não compreende outros quatro, cada um dos quais é igual ao primeiro,
que mede quatro pés?
Escravo - Sim.
Sócrates - Então
qual é a grandeza dele? Não é quatro vezes maior?
Escravo - Sem
dúvida.
Sócrates - Mas o
que é quatro vezes maior, é duplo?
Escravo - Não,
por Zeus!
Sócrates - Então
que é?
Escravo -
Quádruplo.
Sócrates -
Portanto, meu rapaz, com a linha dupla não se forma um espaço duplo, mas sim quádruplo.
Escravo - É
verdade.
Sócrates - Quatro
vezes quatro, não são dezasseis?
Escravo - Sim.
Sócrates - Que
linha nos dará, então, um espaço de oito pés? Não foi com esta que se formou o
espaço quádruplo?
Escravo - Foi.
Sócrates - E o
espaço de quatro pés, não se forma com a linha que é metade da anterior?
Escravo - Sim.
Sócrates - Bem. 0
espaço de oito pés, não é duplo deste, e metade daquele?
Escravo - Sem
dúvida.
Sócrates - Não
se formará, então com uma linha maior do que esta e mais pequena do aquela? Que te
parece?
Escravo -
Parece-me que sim.
Sócrates - Muito
bem. Responde sempre conforme a tua opinião. Mas diz-me: esta primeira linha não media
dois pés, e esta outra quatro?
Escravo - Sim.
Sócrates - É
necessário, portanto, que a linha do espaço de oito pés seja mais comprida que a de
dois pés e mais curta que a de quatro.
Escravo - Sim, é
necessário.
Sócrates - Vê se
me podes dizer qual a sua extensão.
Escravo - Três
pés.
Sócrates - Para esta linha medir três pés, teremos que lhe
acrescentar metade do seu comprimento: quer
dizer, um pé aos dois pés. Agora, a este outro lado, juntemos também mais um, aos dois
pés. Formamos assim o espaço de que falas.
Escravo - Sim.
Sócrates - Mas se
o espaço tem três pés por este lado e três por aquele não será de três vezes três
pés?
Escravo - Assim
parece.
Sócrates - E
três vezes três pés quantos são?
Escravo - Nove
pés.
Sócrates - Mas
quantos pés deveria ter a superfície, para ser dupla da primeira?
Escravo - Oito.
Sócrates
- Então o espaço de oito pés também se não forma com a linha de três pés?
Escravo É
verdade que não.
Sócrates - Então
com que linha se forma? Trata de no-lo dizer ao certo; e, se não queres exprimi-la em
números, indica-a na figura.
Escravo - Por
Zeus! Sócrates não sei. |
|
Sócrates - Viste, Ménone, o percurso que ele fez no caminho da
reminiscência? A princípio, julgava saber qual é o lado do quadrado de oito pés (e
ainda o não sabe). Julgava sabê-lo e respondia com segurança, como se o soubesse, sem
suspeitar da sua ignorância. Agora, já avalia a dificuldade e, embora não saiba, ao
menos já não supõe que sabe.
Ménone - É
verdade. |
Sócrates interrompe
de novo o diálogo com o escravo.
O erro e o conhecimento
do erro são o caminho para a verdade.
|
Sócrates
Não estará agora em melhor disposição relativamente
às coisas que ignorava?
Ménone - Concordo.
Sócrates -
Compelindo-o a duvidar e entorpecendo-o, como faz a tremelga, causámo-lhe algum mal?
Ménone - Creio
que não.
Sócrates
- Pelo contrário, facilitámo-lhe a marcha para descobrir a verdade, porque daqui em
diante, embora não saiba, terá o prazer de investigar, ao passo que anteriormente não
vacilaria em afirmar repetir perante uma multidão, com inteira confiança, que o duplo
dum quadrado se forma sobre o dobro do lado.
Ménone
- É provável. |
Sócrates
salienta as virtualidades do seu interrogatório cujos efeitos
entorpecedores compara com os da tremelga.
Segundo Sócrates, uma vez convencido da sua
ignorância,
o escravo desejará fazer o esforço necessário para investigar,
isto é, para se
"relembrar" das verdades "esquecidas".
|
Sócrates -
Julgas que ele se preocuparia a
investigar ou a aprender o que supunha saber, conquanto o não soubesse antes de começar
a duvidar, e, convicto da sua ignorância, sentisse o desejo de saber? |
Segundo Sócrates, quem
supõe já saber, não sente "o desejo de saber" |
Ménone
- Penso que não, Sócrates.
Sócrates - 0
entorpecimento tornou-se-lhe, desta maneira, proveitoso.
Ménone - Parece
que sim. |
|
Sócrates - Observa agora o que, partindo da
dúvida, descobrirá comigo, sem eu lhe ensinar nada, pois tenciono apenas interrogá-lo.
Vê se consegues surpreender-me a ensinar-lhe ou a explicar-lhe alguma coisa, em vez de me
limitar a pedir a sua opinião. (Ao escravo): Tu, diz-me: este espaço não é de quatro
pés? Compreendes? |
Fazendo perguntas precisas ao
escravo, Sócrates vai levá-lo a descobrir uma proposição fundamental da
geometria.
Última
interpelação de Sócrates ao escravo.
|
Escravo-
Sim.
Sócrates
- Poderemos juntar-lhe mais este, que lhe é igual?
Escravo
- Porque não?
Sócrates
- E um terceiro, idêntico aos outros dois?
Escravo
– Sim.
Sócrates
– Não podemos completar a figura
colocando este outro espaço naquele ângulo?
Escravo
- Sem dúvida.
Sócrates
- Não teremos assim quatro espaços iguais?
Escravo
- Sim.
Sócrates
- E todos juntos, quantas vezes são maiores do que este só?
Escravo
- Quatro vezes.
Sócrates
- Mas nós queríamos apenas um espaço duplo, lembras-te?
Escravo-
Efectivamente.
Sócrates
- Estas linhas que vão de um ângulo a outro (diagonalmente) não dividem
em dois cada um destes espaços?
Escravo
- Sim.
Sócrates
- Não obtemos quatro linhas iguais que limitam um novo espaço?
Escravo
- Assim é.
Sócrates-
Repara bem. Qual será a grandeza deste espaço?
Escravo
- Não sei.
Sócrates
- Estas linhas (diagonais) não dividem ao meio cada um dos quatro espaços?
Sim, ou não?
Escravo
- Sim.
Sócrates
- Quantos desses espaços semelhantes há no espaço do meio?
Escravo
- Quatro.
Sócrates
- E neste aqui, quantos há?
Escravo
- Dois.
Sócrates
- Que vem a ser quatro, em relação a dois ?
Escravo
- 0 dobro.
Sócrates
- Então, quantos pés mede este espaço?
Escravo
- Oito pés.
Sócrates
- E sobre que linha se construiu?
Escravo
- Sobre esta.
Sócrates
- A linha que vai de um ângulo a outro, no espaço de quatro pés?
Escravo
- Sim.
Sócrates
- Pois a esta linha os sofistas chamam diâmetro. Se tal é o seu nome, o
espaço duplo forma-se, como dizes, escravo de Ménone, sobre o diâmetro.
Escravo
– É verdade, Sócrates.
|
|
Sócrates -
Que te parece, Ménone? Deu
alguma resposta que não fosse propriamente sua? |
Fim
da demonstração
|
Ménone-
Nenhuma, falou por si mesmo.
Sócrates-
Contudo, não sabia, como anteriormente verificámos.
Ménone
É certo.
Sócrates
Então, estas opiniões existiam nele ou não?
Ménone
- Existiam nele. |
Sócrates explora a
demonstração feita com o escravo dela deduzindo 6 teses. Cada tese vai um pouco mais longe que a
anterior de tal forma que a primeira
é mais fácil de aceitar do que a última. |
Sócrates
-
Portanto, quem não sabe tem em
si opiniões verdadeiras acerca daquilo que
ignora. |
1ª tese - quem não sabe tem
em si opiniões verdadeiras acerca daquilo que ignora |
Ménone
- Assim parece.
Sócrates - As
opiniões verdadeiras despertam nele como um sonho. Se o interrogarem amiúde e de
diversas maneiras acerca dos mesmos assuntos, podes estar certo de que chegará a possuir
um conhecimento tão exacto como o mais sabedor.
Ménone
- É provável. |
|
Sócrates
-
Por consequência, poderá saber
sem que ninguém o ensine, mediante um simples interrogatório, encontrando em si mesmo a
ciência, no seu próprio interior? |
2ª tese - A ciência está
em nós próprios. |
Ménone - Sim. |
|
Sócrates -
Mas, encontrar em si mesmo a ciência, não será recordar-se? |
3ª
tese - A ciência
recorda-se.
|
Ménone
- Sem dúvida.
Sócrates - E não
será certo que o teu escravo adquiriu alguma vez a ciência que possui, ou que a possuiu
sempre?
Ménone
- Sim.
Sócrates - Mas,
se a tivesse possuído sempre, teria sido sempre sábio e, se a adquiriu, não foi,
seguramente, nesta existência. Ou recebeu, porventura, lições de geometria? Descobrirá
da mesma forma, as outras partes da geometria e todas as outras ciências. Ter-lhe-ia
alguém ensinado tudo isto? Deves sabê-lo, visto que nasceu e se criou em tua casa.
Ménone -
Tenho a certeza de que ninguém lho ensinou.
Sócrates -
Contudo, eram dele ou não as opiniões que lhe ouvimos?
Ménone - Eram
dele, incontestavelmente, Sócrates. |
|
Sócrates - Logo,
se as não adquiriu na vida
actual, não será forçoso admitir que as adquiriu anteriormente, e que aprendeu
antecipadamente o que sabe? |
4ª
tese - A ciência foi
"aprendida" antecipadamente.
|
Ménone
- Assim parece.
Sócrates
- Quando? No tempo em que ainda não era homem?
Ménone-
Provavelmente. |
|
Sócrates - Por conseguinte,
se desde que é
homem, e já antes de o ser, tem em si opiniões verdadeiras que se convertem em ciência
quando despertadas pelo interrogatório, não será verdade que a sua alma as possuiu
sempre? Está bem de ver que, em toda a extensão do tempo, ou é homem ou não é.
|
5ª tese - A alma possui desde sempre a ciência.
|
Ménone
- Evidentemente. |
|
Sócrates - Portanto, se a verdade das coisas
existe sempre na nossa alma, esta há-de ser imortal. É necessário, pois, que
procuremos investigar e recordar corajosamente, aquilo que, de momento, não sabes, quero
dizer, aquilo que esqueceste, e que nos esforcemos por despertar a sua lembrança. |
6ª tese - A alma é imortal.
|
Ménone - Não saberia explicar-te como,
Sócrates, mas parece-me que tens razão. |
|
Sócrates - A mim, afigura-se-me a mesma coisa,
Ménone. Para falar verdade, não me atreveria a garantir tudo quanto disse. Mas estou
disposto a sustentar com palavras e obras, até onde puder, que a opinião de que devemos
indagar o que ignoramos nos torna melhores, mais tenazes e menos indolentes, do que a
opinião de que é impossível descobrir a verdade e inútil procurá-la. |
Carácter hipotético das
teses apresentadas. A
única crença que Sócrates está disposto a garantir acaba
por ser a da necessidade do esforço, isto é, de que devemos procurar o que ignoramos. |
Ménone
- Nesse ponto concordo contigo, Sócrates.
Sócrates -
Então, visto estarmos de acordo em reconhecer que se deve procurar saber o que se ignora,
queres investigar comigo em que consiste a virtude? |
Regresso à questão da
virtude. |
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