Momentos do Filme  

 


Os primeiros momentos do filme mostram o relógio da cidade ao dealbar do dia. O relógio, que aparece várias vezes ao longo do filme marcando o início do ritual diário do Professor Rath, representa, também, um marco na sua existência segura e rotineira. Uma criada que lava janelas admira o novo poster que anuncia a performance de Lola e imita a pose do retrato.

                                              

 

1º MOMENTO – APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR RATH

Na primeira cena, o professor Rath está a tomar meticulosamente o seu pequeno-almoço. A sua rotina é, no entanto, perturbada pela morte do seu único animal de estimação, um pequeno pássaro. Trata-se de um aviso que funciona como antecipação das desgraças iminentes. De facto, o motivo dos pássaros é recorrente ao longo de todo o filme, desde os pássaros engaiolados no camarim de Lola, às penas coladas no postal e aos pássaros de cerâmica pendurados no palco do cabaré. Rath mostra-se sentido e desnorteado. Contrariamente, a empregada reage friamente afirmando: “De qualquer forma ele já não cantava”. Esta cena mostra de forma pungente a solidão do personagem que, num momento de perda, não tem nenhuma forma de simpatia e não é sequer capaz de verbalizar os seus sentimentos. A vida do Professor Rath é estéril, ascética, rotineira. O seu dia de trabalho inicia-se com as badaladas do relógio. As primeiras cenas no filme caracterizam Rath como um velho solteirão com uma enorme consciência da sua importância. A sua vida de solteirão levou-o a adoptar uma série de hábitos mecânicos (por exemplo: assoar-se de forma ruidosa no inicio da aula e passear entre as carteiras dos seus alunos). Nesta altura do filme Rath é, ainda, uma figura poderosa e autoritária. Os seus alunos, que antes da aula são barulhentos e desordeiros, calam-se e perfilam-se na sua presença. 

 

 

No decurso da aula o professor descobre que alguns dos seus alunos se entretêm a ver postais de Lola. Os estudantes apanhados com as fotografias não ficam embaraçados e/ou assustados, limitam-se a evitar o contacto ocular com Rath. O professor ordena-lhes que se levantem e logo a seguir, após examinar a fotografia e guardá-la na sua agenda, que se sentem.  

 

 

Quando os colegas são apanhados com os postais, Angst, a eterna vitima, mostra-se deliciado. À saída, os colegas atiram sobre os seus cadernos alguns postais de Lola no instante em que Rath saía da escola. Angst é intimado a acompanhar Rath até sua casa. No decurso da conversa, Angst revela que os colegas costumam frequentar o cabaré "O Anjo Azul" onde actua Lola.

 

2º MOMENTO – 1ª VISITA AO ANJO AZUL

Quando Rath entra pela primeira vez no cabaré "Anjo Azul" é confrontado com um ambiente grosseiro e decadente. Numa cena que se pode considerar indicativa da forma como Rath se deixará enredar por Lola, ele é enredado pelas redes de pesca penduradas à entrada e, posteriormente, encadeado pelo holofote dirigido por Lola.

Ao penetrar pela primeira vez no camarim de Lola, Rath cruza-se com um palhaço. O palhaço, que constitui uma imagem perturbadora e parece vaguear sem objectivo, nunca participa directamente nas cenas, é um observador impassível e silencioso. A sua presença constante ao longo do filme pode interpretar-se como um aviso.

Rath, apresenta-se como professor do liceu (está muito seguro da superioridade que lhe é conferida pelo seu elevado estatuto social), mas Lola subjuga-o prontamente ao repreendê-lo por não tirar o chapéu. Quando Lola se despe, o professor queda-se mudo e fascinado. O pudor exige que desvie o olhar mas é notória a sua incapacidade para o fazer. Lola apercebe-se da sua perturbação e comenta: “Agora ficou mudo.”

 

 

Após uma acesa troca de palavras com Kuipert, o mágico e director da companhia, o professor acaba por encontrar um dos seus alunos atrás do biombo do camarim de Lola e persegue-o até à rua.

 

3º MOMENTO - À NOITE

 

Os alunos apercebem-se de que Angst deve ter falado ao professor sobre as suas visitas ao Anjo Azul e penetram no seu quarto pela calada da noite para lhe bater.

Rath regressa a sua casa (desalinhado e afogueado após a corrida atrás dos alunos) e apercebe-se de que trouxe na algibeira umas cuecas de Lola, o que lhe fornece um pretexto para voltar ao cabaré.

 

4º MOMENTO – 2º DIA

 

De manhã, o professor prepara-se para sair, como de costume, quando o relógio toca. Repara que perdeu o chapéu. As palavras da empregada “Onde o deixou desta vez?” parecem indicar que ele tem alguma dificuldade em tomar conta de si e das suas coisas. 

À noite, Rath dirige-se novamente ao "Anjo Azul" sob o pretexto de devolver as cuecas a Lola. Esta mostra-se muito segura de si e do domínio que exerce sobre todos os homens. Isto torna-se patente nas afirmações que profere: “Tinha a certeza. Todos voltam para mim.” E “O quê? Não foi para me ver que veio?”.

Rath perdeu completamente a capacidade de protestar e já não se tenta impor. A própria Lola faz um comentário em relação a esta mudança de atitude: “ Hoje não veio para protestar”. Lola exibe perante os estudantes, que se esconderam na cave quando Rath chegou ao cabaré, o seu domínio sobre o professor e declara de forma maliciosa “Se os seus alunos o vissem.”. A extrema ingenuidade de Rath revela-se novamente quando Lola lhe diz que ele é um belo homem. O professor cora e sorri como um colegial enlevado. Ela sopra pó de arroz para o seu rosto cegando-o e, com este gesto simples, transforma o empertigado e aprumado professor numa figura de farsa. Esta cena é, simultaneamente, a metáfora da forma como Lola (com a sua beleza e sensualidade) consegue cegar Rath e um presságio do palhaço em que este se vai transformar.  

 

Quando um capitão faz avanços sobre Lola, Rath acorre em defesa da honra da artista.  A própria Lola fica siderada com a atitude do professor.

No cabaré todos os intervenientes demonstram a Rath o respeito devido à sua posição social mas quando ele encontra os seus alunos, estes já não o tratam com o devido respeito. Um dos alunos acende um cigarro na sua presença e ignora a ordem para o apagar. Questionados sobre o que faziam no cabaré, um dos alunos responde: “O mesmo que o senhor.”. Os alunos são perseguidos por Rath até à porta mas penduram-se na janela e, pela primeira vez, ousam proferir na frente do professor a alcunha que costumavam usar nas suas costas, ”Unrat” que significa lixo, detrito.

 

 

 

O director do cabaré oferece a Rath uma forte bebida alcoólica. Sob a influência do álcool este aceita ser conduzido até à sala para ouvir Lola cantar. Na sala do cabaré, o director coloca Rath numa posição de destaque, encandeia-o novamente com um holofote e exibe-o perante os outros clientes.

Na cena seguinte, Lola canta “Falling in love again” como se o professor fosse a única pessoa presente na sala. É nítido que está a cantar especialmente para ele. Naquela que se tornou uma das mais famosas cenas da história do cinema, Lola, vestida de forma sumária (para a época), senta - se num barril de cerveja a segurar num joelho levantado com ambas as mãos, ao mesmo tempo que se inclina para trás e canta para Rath.  

 

Na canção, Lola proclama o seu verdadeiro carácter, mesmo enquanto corteja Rath, ao afirmar:

“Os homens agitam-se como mariposas à volta de uma chama

Se eles queimam as asas não posso fazer nada

Da cabeça aos pés fui feita para amar

Não sei fazer mais nada”

5º MOMENTO – DE MANHÃ

   
   
     A cena inicia-se com uma imagem da cama de Rath vazia. Ao cimo da cama encontra-se pendurada uma máxima que se pode considerar um resumo da sua vida até encontrar Lola: “Faz o bem e não temas ninguém.”

Rath acorda na cama de Lola ao som do pássaro a cantar. Há uma certa ambiguidade na cena pois ele está completamente vestido e tem uma boneca na mão. No decurso do pequeno – almoço, Lola mostra-se encantadora e exibe as suas virtudes domésticas. Somos levados a acreditar que Lola possa mudar. A brincar, desafia Rath dizendo-lhe:”Podias ter isto todos os dias.” A resposta de Rath deixa-a espantada: “Não há nada que o impeça, sou celibatário.”  

 

 

O relógio lembra a Rath que está atrasado para o liceu. Na despedida, Lola porta-se como uma recém-casada ajudando-o a vestir o casaco, pondo-lhe uma flor na botoeira, exigindo um beijo de despedida e perguntando-lhe se ele ainda a ama.

 

6º MOMENTO – NA ESCOLA

 

Os alunos divertem-se a desenhar no quadro caricaturas de Rath a cortejar Lola. Quando Rath entra, a sala está completamente silenciosa e os alunos levantam-se e sentam-se à sua ordem como de costume. Rath vê os desenhos no quadro e começa a apagá-los.

 

 

Nesse instante toda a classe se levanta e começa a gritar Unrat. Atraído pelo barulho, o director do liceu dirige-se à sala e manda sair os alunos. No decurso da conversa o director faz mesmo um comentário depreciativo sobre Lola. Rath afirma então a sua intenção de casar com ela. A partir desse momento, a sua situação na escola torna-se insustentável. O director abandona a sala e Rath começa a arrumar as suas coisas. A câmara “viaja” lentamente por toda a sala, numa cena que transmite uma enorme sensação de perda e isolamento.

 

 

7º MOMENTO – O PEDIDO

   

Quando Rath propõe casamento a Lola esta tem um ataque de riso histérico. No entanto aceita o pedido e Rath mostra-se encantado.

 

   

 

8º MOMENTO – O CASAMENTO

   

A cena do casamento é a única em que o professor é verdadeiramente feliz durante todo o filme. Lola imita uma galinha. A sua felicidade é de tal modo exuberante que ele canta como um galo.  

 

 

Logo a seguir ao casamento, Rath descobre os postais que Lola vende e afirma que, enquanto ele tiver um cêntimo, ela não venderá mais postais. Lola exerce o seu poder sobre ele e obriga-o a guardar os postais. Lola é já a figura da autoridade.

 

   

9º MOMENTO – NO CABARÉ

 

A cena seguinte mostra-nos Rath, completamente degradado, a vender fotografias de Lola. No camarim, o director da companhia e Lola repreendem-no pelo estado de degradação que atingiu. Segue-se uma acesa troca de palavras entre Lola e Rath  que manifesta o seu desespero. Lola diz-lhe que, se a sua vida não lhe agrada, pode ir embora. Rath abandona o camarim mas, passado pouco tempo, regressa. Não tem mais nenhum lugar para onde ir.  

 

 

10º MOMENTO – PASSADOS 4 ANOS

A cena inicia-se com Rath, vestido com o hábito do palhaço que aparecia nas cenas iniciais do filme, a aplicar a maquilhagem.

 

 

O director entra e anuncia que ele vai ser cabeça de cartaz no "Anjo Azul". Num primeiro momento, Rath recusa-se mas, depressa compreende que não tem alternativa.

Ao chegar ao Anjo Azul Lola conhece Mazeppa, o director de outra companhia, e inicia com este um namoro flagrante sem tomar nenhuma precaução para se esconder do professor.

Todas as pessoas importantes da localidade, inclusive o presidente da câmara, vêm assistir à actuação do ex-professor  do liceu. Numa das cenas mais pungentes a que já assistimos, este é forçado a subir ao palco como ajudante do mágico e, enquanto se encontra em frente da turba que se diverte à sua custa, observa a forma como Lola se entrega à sua nova conquista. O mágico esmaga ovos no crânio de Rath ao mesmo tempo que escarnece das suas capacidades e o tenta forçar a cantar como um galo.

 

 

Alguns membros da plateia mostram a sua indignação vaiando e tentando levantar-se. Rath solta então, não um cocorocó, mas num grito inarticulado e selvagem ao mesmo tempo que investe sobre Lola e tenta estrangulá-la. Após uma luta feroz é dominado e, suprema ironia, é Mazeppa que fornece a camisa-de-forças em que é confinado.

Numa cena tocante, o director remove-lhe a camisa-de-forças ao mesmo tempo que o questiona: “Como pôde chegar a isto um homem distinto? Tudo por uma mulher.”

 

11º MOMENTO - NA ESCOLA

Como um animal ferido, Rath arrasta-se até à sua antiga sala de aula para morrer. A câmara faz uma segunda "viagem" pela sala e dá a ver novamente a solidão e, agora, o desespero do personagem.

 

 

 

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt