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A vida de Ramanujan

Ramanujan nasceu em 1887, em Erode, uma pequena localidade a quatrocentos quilómetros a sudoeste de Madras, na Índia. Com um ano de idade foi com os seus pais para a cidade de Kumbakonam onde, mais tarde, frequentou a escola primária e o liceu. No liceu, Ramanujan revelou-se um bom aluno em todas as disciplinas. Em 1900, com treze anos, começou a estudar sozinho séries aritméticas e geométricas. Com 15 anos aprendeu a achar soluções de polinómios de grau três e desenvolveu um método para resolver polinómios de grau quatro. No ano seguinte, desconhecendo a não existência da fórmula resolvente para os polinómios do quinto grau, tentou em vão descobri-la.

Ainda no liceu, Ramanujan tomou conhecimento do livro de G.S. Carr "Synopsis of Elementary Results on Pure Mathematics". Por não ter tido acesso a outra bibliografia, o uso deste livro foi determinante para o seu trabalho futuro. O modo como estava escrito ( continha teoremas e fórmulas e quase não apresentava demonstrações), teve consequências na maneira como Ramanujan aprendeu a trabalhar matemática. 
Em 1904, com 17 anos, Ramanujan estudou a série harmónica, S (1/n), e calculou a constante de Euler, gamma, até 15 casas decimais. Começou depois a estudar os números de Bernoulli onde fez descobertas importantes. 

Com base no seu excelente desempenho escolar foi-lhe atribuída uma bolsa para a Universidade Estatal em Kumbakonam. No entanto, no ano seguinte, a bolsa não foi renovada porque Ramanujan dedicava cada vez mais tempo à matemática e descurava as restantes disciplinas. Nesta altura, Ramanujan dedicava-se às séries hiper geométricas e às relações entre integrais e séries. Mais tarde, descobriu que tinha estado a estudar as chamadas funções elípticas. Em 1906, foi para Madras onde ingressou na Universidade de Pachayappa. O seu objectivo era passar o First Arts Examination o que lhe permitiria entrar para a Universidade de Madras. Frequentou as aulas mas adoeceu ao fim de três meses. Mais tarde, fez de facto o First Arts Examination tendo sido aprovado a matemática mas reprovado em todas as outras disciplinas e, deste modo, reprovado no exame. Este facto determinou o seu não ingresso na Universidade de Madras.

 Nos anos seguintes continuou a fazer investigação em matemática sem qualquer tipo de ajuda. Nomeadamente, estudou fracções contínuas e séries divergentes. Entretanto, Ramanujan casou com S. Janaki Ammal, de 10 anos de idade, tendo ido viver com a esposa só depois de ela completar 12 anos de idade.

Ramanujan continuou a desenvolver as suas ideias e começou a apresentar e a resolver problemas no Jornal da Sociedade Indiana de Matemática. Após a publicação de um brilhante trabalho sobre os números de Bernoulli, Ramanujan conquistou algum reconhecimento. No ano de 1911, pediu ao fundador da Sociedade Indiana de Matemática para lhe aconselhar um possível emprego, tendo no entanto conseguido apenas um posto temporário no Gabinete Geral de Contabilidade em Madras. 

Mais tarde, conheceu Ramachandra Rao, colector de impostos em Nellore e membro fundador da Sociedade Indiana de Matemática que, a propósito de Ramanujan, escreve:

"Uma figura estranha, de baixa estatura, robusto, sem barba feita, não totalmente limpo, com uma curiosa característica - olhos brilhantes. Entrou com um velho caderno debaixo do braço. Era de uma pobreza miserável. Abriu o caderno e começou a explicar algumas das suas descobertas. Percebi logo que havia algo de estranho; mas o meu conhecimento não me permitiu julgar se ele tinha ou não razão. Perguntei-lhe o que queria. Disse que queria uma bolsa que lhe permitisse prosseguir a sua investigação"


Ramachandra Rao aconselhou-o a regressar a Madras e tentou, sem sucesso, arranjar-lhe uma bolsa. Em 1912, Ramanujan concorreu para o posto de escriturário na contabilidade do "Madras Port Trust" em cuja candidatura escreveu:

"Passei o exame de acesso à universidade e estudei até ao First Arts Examination mas uma série de circunstâncias adversas impediram-me de seguir os meus estudos. Tenho no entanto dedicado todo o meu tempo à matemática e desenvolvido o assunto."


No processo da sua candidatura, aparece também uma recomendação de E. W. Middlemast, professor catedrático de matemática no Presidency College, em Madras e que se tinha formado na Universidade de St. John, em Cambridge:

"Recomendo fortemente este candidato. É um homem jovem com uma capacidade excepcional em matemática, especialmente no trabalho relacionado com números. Tem uma aptidão inata para a computação e é muito rápido no cálculo." 

Com base nesta recomendação, Ramanujan foi escolhido para o lugar de escriturário e começou a trabalhar. Teve a vantagem de poder trabalhar com pessoas com bons conhecimentos matemáticos que, apesar de não compreenderem bem os seus trabalhos, reconhecem o seu mérito. É também nesta altura que lhe é dada alguma bibliografia, entre a qual uma cópia do livro "Orders of infinity" de G. H. Hardy. A leitura deste livro interessou-o tanto que Ramanujan decide escrever uma carta a Hardy para apresentar o seu trabalho.

"Não tenho estudos superiores mas cumpri a escolaridade pré-universitária. Após deixar a escola, uso todo o meu tempo livre para trabalhar em matemática. Não passei pelo caminho usual que é seguido num curso universitário, mas estou a desenhar um novo caminho para mim. Investiguei séries divergentes e os resultados que obtive são classificados pelos matemáticos locais como um "começo"."


Hardy, juntamente com Littlewood, estudou a longa lista de teoremas sem demonstração que Ramanujan lhe tinha enviou. E, a 8 de Fevereiro, respondeu: 

"Tive grande interesse na sua carta e nos teoremas que me enviou. Deverá, no entanto, compreender que, antes de poder julgar o valor do seu trabalho, é essencial que analise as demonstrações de alguns dos seus teoremas. Os seus resultados parecem-me ser de três tipos: 
1- Há uma série de resultados que já são conhecidos ou que são facilmente deduzidos de outros teoremas também conhecidos;
2- Há resultados que, pelo que sei, são novos e interessantes, mas interessantes mais pela sua curiosidade e aparente dificuldade do que pela sua importância;
3- Há outros resultados que parecem ser novos e importantes."

Ramanujan ficou radiante com a resposta de Hardy:

"Encontrei em si um amigo que compreende o meu trabalho. Neste momento passo fome. Para preservar o meu cérebro preciso de comida e este é o meu principal objectivo. Uma carta de apoio da sua parte seria uma grande ajuda pois permitir-me-ia a conseguir uma bolsa, ou da Universidade ou do governo."


A Universidade de Madras deu de facto uma bolsa a Ramanujan por dois ano e, em 1914, Hardy trouxe Ramanujan para o Trinity College de Cambridge onde os dois deram inicio a uma frutuosa relação de trabalho. 

Esta mudança de vida não foi fácil. Ramanujan era Brahman, e portanto vegetariano, e a deslocação para Inglaterra originou um agravamento dos seus problemas de saúde. No entanto, a colaboração entre Ramanujan e Hardy conduziu desde o inicio a resultados importantes. Hardy estava consciente da singularidade da formação matemática de Ramanujan e interrogava-se sobre o que poderia fazer para a melhorar:

O que haveria a fazer para lhe ensinar matemática moderna? As limitações dos seus conhecimentos eram tão espantosas quanto profundas."


A solução encontrada consistiu em encarregar Littlewood de ensinar métodos matemáticos rigorosos a Ramanujan. 

"Era uma tarefa extremamente difícil pois, cada vez que se mencionava um tema que se achava necessário Ramanujan saber, este respondia numa avalanche de ideias originais que tornavam quase impossível a Littlewood permanecer com o seu ensino"


Após o começo da guerra, Littlewood foi chamado para cumprir serviço militar.
Hardy permaneceu em Cambridge para trabalhar com Ramanujan. Ramanujan esteve doente e, como tal, não publicou nada. Mas a colaboração com Hardy prosseguiu e, em 1916, Ramanujan recebeu o título de "Bachelor of Science by Research", grau que se passou a ser considerado equivalente a Doutoramento a partir de 1920. A tese apresentada foi sobre "Números altamente compostos" e consistia em sete dos seus artigos publicados em Inglaterra.

Mais tarde, Ramanujan ficou novamente doente tendo passado a maior parte do tempo em clínicas. Em Fevereiro de 1918,
Hardy escreveu:

Batty Shaw descobriu o que os outros médicos desconheciam: descobriu que Ramanujan tinha sofrido uma operação cirúrgica quatro anos antes. A sua teoria mais negra era que essa operação tinha sido para a remoção de um tumor maligno que teria sido mal diagnosticado. Mas, atendendo ao facto de que Ramanujan não está pior do que há seis meses atrás, abandonou esta teoria. Os outros médicos nunca aceitaram sequer esta hipótese. Tuberculose foi o diagnostico temporariamente considerado após a hipótese de uma úlcera gástrica .… Como todos os indianos, Ramanujan é fatalista e, como tal, é muito complicado conseguir que se cuide melhor."


Nesta mesma altura, Ramanujan foi eleito membro da Sociedade Filosófica de Cambridge e, recebeu a maior honra da sua vida: o seu nome foi proposto à eleição para a Royal Society de Londres por um conjunto impressionante de matemáticos, nomeadamente,
Hardy, MacMahon, Grace, Larmor, Bromwich, Hobson, Baker, Littlewood, Nicholson, Young, Whittaker, Forsyth e Whitehead. A sua eleição como membro da Royal Society teve lugar a 2 de Maio de 1918 e a 10 de Outubro desse mesmo ano foi eleito membro por seis anos do Trinity College de Cambridge. 

As honras prestadas a Ramanujan pareceram ajudar o seu estado de saúde tendo-lhe permitido renovar esforços para produzir mais resultados matemáticos. No fim de Novembro de 1918, a sua saúde tinha melhorado substancialmente. Com
Hardy escreveu:

"Acho que podemos ter a esperança de que ele tenha passado o pior e que esteja na trilha da recuperação total. Já deixou de ter febre e até engordou um pouco. (…) Nunca houve diminuição, nem aparente, nos seus talentos matemáticos. Tem produzido menos resultados, como seria de esperar, durante a sua doença mas a qualidade dos mesmos manteve-se. (…)"
Regressará à Índia com uma base científica e um estatuto que nenhum indiano alguma vez teve e tenho confiança de que a Índia o irá ver como o tesouro que ele é. A sua simplicidade e modéstia nunca foram afectadas pelo sucesso, aliás, o que queremos é mostrar-lhe que ele é de facto um sucesso."


Ramanujan partiu para a Índia em 1919. O seu estado de saúde era porém bastante frágil e, apesar do tratamento médico, viria a falecer no seu país no ano seguinte.



As cartas que Ramanujan escreveu a
Hardy em 1913 continham resultados fascinantes. Ramanujan resolveu as séries de Riemann, integrais elípticos, séries hipergeométricas e equações funcionais da função zeta. Como tinha apenas uma vaga ideia do que é uma demonstração matemática, apesar de muitos resultados brilhantes, alguns dos seus teoremas estavam completamente errados.

Tendo sido aquele que mais colaborou com Ramanujan, Hardy tinha uma grande admiração pelo seu talento. Tentou sempre compreender os resultados por ele apresentados, mesmo os mais incompreensíveis: 

"Só um matemático de grande classe poderia ter escrito tais fórmulas. Elas têm de ser verdadeiras, pois se não fossem, ninguém teria imaginação para as inventar. Algumas estavam definitivamente erradas". 


Ramanujan era um matemático com um modo de trabalhar especial. Embora não tivesse o conceito de demonstração enraízado, a verdade é que possuía uma intuição admirável.


A sua obra está sobretudo ligada à teoria dos números, uma área que tem na sua origem a resolução de problemas com uma formulação relativamente simples. Ramanujan descobriu resultados de Gauss, Kummer e de outros nas séries hipergeométricas. O trabalho sobre as somas parciais e o produto de séries hipergeométricas levaram a grandes desenvolvimentos posteriores. O seu trabalho mais famoso foi porém sobre o número p(n) que significa o número de modos de decompor um inteiro n em somas. Macmahon construiu tabelas do valor p(n) para números pequenos n, e Ramanujan usou estes dados para deduzir umas propriedades espantosas, algumas das quais foram demonstradas com funções elípticas. Num trabalho conjunto com
Hardy, Ramanujan apresentou uma fórmula assimptótica de p(n). Esta fórmula tinha a espantosa propriedade de aparentemente dar o valor correcto de p(n), o que foi demonstrado mais tarde por Rademacher.

Ramanujan deixou uma série de livros de notas inéditos repletos de teoremas que até hoje os matemáticos continuam a estudar. G. Watson, Professor de matemática pura em Birgingham de 1918 a 1951, publicou 14 trabalhos sob o título "Teoremas apresentados por Ramanujan".
Hardy passou para Watson um grande número de manuscritos de Ramanujan que estavam na sua posse, alguns escritos antes de 1914 e outros no último ano de Ramanujan na Índia, antes da sua morte.


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