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Bombelli

 

Bombelli e o caso irredutível na equação de 3ºgrau

O tipo de equações “cubo igual a primeira potência e número” ou “cubo e número igual a primeira potência”, em que o cubo da terça parte do coeficiente da incógnita é maior do que o quadrado de metade do termo independente ficou conhecido como caso irredutível e foi Bombelli o primeiro a utilizar a fórmula de Tartaglia-Cardano para obter as raízes das equações desse tipo. Tornou, deste modo, possível a generalização da referida fórmula a todos os tipos de equações de 3ºgrau sem termo de 2ºgrau. Por isso não podemos deixar de acrescentar o seu nome ao dos matemáticos famosos que viveram em Itália no séc. XVI.

De Raffaele Bombelli desconhecem-se as datas precisas do nascimento e morte, mas alguns historiadores situam-nas em 1526 e 1573, respectivamente. Também não há certeza da sua cidade natal, embora ele se considere cidadão bolonhês.

Tal como nos casos de Tartaglia e Cardano, também a contribuição de Bombelli para o desenvolvimento da álgebra foi preciosa. Este matemático pode aproveitar o trabalho dos seus antecessores, designadamente a Ars Magna, cujo conteúdo considerava muito importante, para o aperfeiçoar e tornar acessível a um maior número de pessoas. Assim, em 1550, nasceu a sua Álgebra, trabalho de grande mérito, escrita em italiano que, segundo ele, permitiria a qualquer principiante familiarizar-se com a matemática, sem ter necessidade de recorrer a outro texto.

A Algebra de Bombelli era composta por cinco volumes, mas destes só os três primeiros foram publicados em Bolonha, em 1572, com o título Algebra parte maggiore dell’ Arithmetica divisa in tre libri. Os outros dois volumes, de geometria e álgebra geométrica, respectivamente, mantiveram-se perdidos até que, em 1923, Ettore Bortolotti recuperou em Bolonha o manuscrito completo da obra.

Na Álgebra são expostos e estudados, de forma sistemática, muitos assuntos. Por exemplo, são feitos cálculos de raízes quadradas e cúbicas e operações com radicais e são resolvidas equações de diferentes graus. Mas, o mais inovador nesta obra é o aparecimento de uma “outra espécie de raiz cúbica”, que vai permitir generalizar o uso da fórmula de Tartaglia-Cardano ao caso irredutível da equação de terceiro grau.

A particularidade dessa outra raiz cúbica é devida ao facto de, no seu radicando, aparecer a raiz quadrada de um número negativo. Bombelli refere-se a isso nos seguintes termos:

Encontrei uma outra espécie de R.c (raiz cúbica), legado muito diferente dos outros, que surge no Capítulo de cubo igual a tanto e número, quando o cubo da terça parte do tanto é maior do que o quadrado da metade do número, como nesse capítulo se demonstrará, a dita espécie de R.q (raiz quadrada) tem no seu Algoritmo operações diferentes das outras e nome diferente porque quando o cubo da terça parte do tanto é maior do que o quadrado da metade do número, não se pode chamar nem mais, nem menos, pelo que o chamarei “mais de menos”, quando ele deva ser acrescentado, e, quando deva ser diminuído chamarei “menos de menos” e esta operação é muito necessária, mais do que a outra R. c. L. (raiz cúbica da expressão entre parêntesis) (...)”

 (in Bombelli, 1966, p. 133)

Bombelli considera, portanto, novos números a que chama “pie di meno” e “meno di meno” (que em termos actuais são “i” e “-i” e que representam  e , respectivamente).

Vejamos como Bombelli resolveu a equação, , um dos exemplos trabalhados na Álgebra, no qual se verifica a condição .

Comecemos por observar que, se pretender-mos aplicar a fórmula de Tartaglia-Cardano para resolver a equação proposta, obtemos , condição esta que se pode escrever na forma , onde aparece a raiz quadrada de um número negativo.

Para resolver o problema, Bombelli procurou uma expressão da forma , cujo cubo fosse e outra da forma , cujo cubo fosse .

Mas, como iria trabalhar com esses novos números?

Decidiu, então, introduzir as regras operatórias (Bombelli, 1996, p. 133) que apresentamos no quadro seguinte:

Regras operatórias criadas por Bombelli Correspondem-lhe actualmente
Più via più di meno, fa più di meno + (+i) = + i
Meno via più di meno, fa meno di meno - (+i) = -i
Più via meno di meno, fa meno di meno + (-i) = -i
Meno via meno di meno, fa più di meno - (-i) = +i
Più di meno via più di meno, fa meno (+i) (+i) = -1
Più di meno via meno di meno, fa più (+i) (-i) = +1
Meno di meno via più di meno, fa più (-i) (+i) = +1
Meno di meno via meno di meno, fa meno (-i) (-i) = -1

Dando a estes novos entes matemáticos um tratamento operatório análogo ao dos números, ele conseguiu determinar para a e b os valores 2 e 1, respectivamente, e por conseguinte, obter como solução da equação .

Quando a obra de Bombelli foi publicada o uso de raízes quadradas de números negativos já não constituía novidade, pois Cardano tinha-os introduzido em alguns problemas, como por exemplo no capítulo XXXVII da “Ars Magna. No entanto, este último matemático limitou-se a utilizar como mero auxiliar de calculo os números chamados «impossíveis» ou «imaginários», manipulando-os com alguma hesitação. Por exemplo, veja-se no mesmo capítulo (pp.219-220) o que diz Cardano:

"...A segunda espécie de suposição negativa envolve a raiz quadrada de um negativo. Eu darei um exemplo (...)"

E, mais adiante, na demonstração:

"(...) Mas como um tal resto é negativo, tereis de imaginar (...) e obtereis o que procuráveis, nomeadamente  e  ou seja,  e . Pondo de lado a tortura mental envolvida, multiplicai  por , o que dá  (...)."

É, portanto, de acreditar que foi na obra de Cardano que primeiro surgiram os números que vieram a chamar-se números complexos, mas foi Bombelli quem teve o engenho de estabelecer regras para operar com esses números, contribuindo de forma determinante para o seu desenvolvimento.

Observe-se que, embora parecesse natural que a primeira introdução dos números complexos tivesse ocorrido na equação do segundo grau, pois é ai que aparece pela primeira vez um caso de impossibilidade no conjunto dos reais, tal não se verificou. Como acabamos de ver, eles foram criados para resolver um tipo particular de equação de terceiro grau.

Estava finalmente encontrada a solução geral da cúbica que Luca Pacioli, na “Summa”, declarava ser tão impossível como a quadratura do círculo. Pela mão dos italianos del Ferro, Tartaglia, Cardano e Bombelli, a álgebra elementar dava um passo importantíssimo na resolução de equações e na criação de um novo tipo de números, que vieram mais tarde a designar-se «números complexos».

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