Sábado, 29 de Agosto de 1654

Senhor,

 

Comentários:

1.     A nossa troca continua e fico contente que os nossos pensamentos estejam em tão perfeita sintonia como parece, desde o momento em que tomámos a mesma direcção e seguimos o mesmo caminho. O seu recente "Tratado Aritmético do Triângulo" e as suas aplicações são uma prova autêntica e se as minhas computações não me enganam, a sua 11ª consequência(1) foi de Paris a Toulouse, enquanto o meu teorema sobre números figurados(2), que é praticamente o mesmo, ia de Toulouse a Paris.

Fermat inicia esta carta, mostrando o seu contentamento pela sintonia existente entre os dois. Fazendo referência a uma das obras de Pascal (a Bold), compara a 11ª consequência dessa obra com o seu teorema sobre os números figurados.

       Enquanto estive a trabalhar no problema, não me preocupei em procurar os erros e estou convencido que o verdadeiro modo de escapar aos erros é cooperando consigo. Mas, se devo dizer mais, será da natureza de um cumprimento, e que devemos banir aquele inimigo da doce  e fácil conversação.

Fermat, apela à cooperação entre os dois matemáticos, como meio de evitar possíveis erros.

       Chegou agora a minha vez de lhe dar a conhecer algumas das minhas descobertas numéricas mas, o fim do parlamento aumenta os meus deveres e espero que, pondo de lado a sua bondade, me concederá o devido e quase necessário respeito.

 

 Fermat declara que dará a conhecer as suas descobertas.  

2.     Contudo, irei responder à sua questão dos 3 jogadores que fazem 3 jogadas. Quando o primeiro tem um (ponto) e os outros nenhum, a sua primeira solução é a verdadeira e a divisão da aposta deve ser 17, 5 e 5. A razão para isto é por si só evidente e segue sempre o mesmo princípio, as combinações, tornando claro que o primeiro tem 17 hipóteses enquanto cada um dos outros tem apenas 5.

 

Neste ponto (2), Fermat dá razão a Pascal no que diz respeito à divisão da aposta para o caso de 3 jogadores que fazem três jogadas. 

3.     Quanto ao resto, não haverá nada que eu lhe escreva no futuro que não seja com franqueza. Contudo, medite, se achar conveniente, neste teorema: as potências quadradas de 2 adicionadas à unidade(3) são sempre números primos. [Isto é,]

            o quadrado de 2 adicionado à unidade dá 5, que é um número primo;

             o quadrado do quadrado é 16 que, quando a unidade lhe é adicionada faz 17, um número primo;

            o quadrado de 16 é 256 que, quando lhe é adicionada a unidade faz 257, um número primo;

e assim até ao infinito.

Neste ponto (3), Fermat dá a conhecer o seu primeiro teorema  (a Bold), pedindo a Pascal que medite nele. É de salientar que cerca de 100 anos mais tarde, Euler demonstrou a falsidade de tal afirmação.

       Esta é uma propriedade cuja veracidade lhe mostrarei. A sua prova é muito difícil e asseguro-lhe que ainda não a consegui encontrar completamente. Não deverei pô-la em ordem para si, a não ser que chegue ao seu fim.

 Fermat mostra-se seguro da veracidade do seu teorema, apesar de ainda não ter chegado à sua demonstração.

       Este teorema serve na descoberta dos números que estão num dado ratio às suas partes alíquotas, tendo em conta que fiz muitas descobertas. Falaremos disso noutra altura.

       Eu sou, Senhor, o seu etc.

Fermat

       Em Toulouse, a 29 de Agosto de 1654.

Em jeito de despedida, Fermat  refere a utilidade do seu teorema. Quanto às suas descobertas, refere que  falará delas numa próxima oportunidade.

 


Notas do editor:

(1) No "Tratado Aritmético do Triângulo" - "cada célula na diagonal é o dobro da que a precede na fila paralela ou na perpendicular.

(2) O teorema que diz que A(A + 1) é o dobro do número triangular 1 + 2+ 3 +... + A.

(3) 22n + 1. Euler (1732) mostrou a falsidade desta afirmação.

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt