Sexta, 25 de Setembro de 1654  

Senhor,

 

Comentários:

1.     Não esteja apreensivo que o nosso argumento está a chegar ao fim. Você incutiu a si próprio o pensamento de destruí-lo e, parece-me que respondendo por si próprio ao Sr. Roberval, também está a responder por mim.

Fermat inicia esta carta tranquilizando Pascal, em relação ao comentário que o Sr. Roberval teceu acerca da veracidade do seu método (ver ponto 3 da 4ª carta).

       Ao tomar o exemplo dos três jogadores aos quais, ao primeiro falta um ponto e a cada um dos outros faltam dois, que é o caso a que você se opõe, eu encontro aqui apenas 17 combinações para o primeiro e 5 para cada um dos outros; porque quando você diz que a combinação acc é boa para o primeiro, lembre-se que tudo o que é feito após um dos jogadores ter ganho nada vale. Mas, esta combinação tendo obrigado o primeiro a ganhar na primeira jogada, o que é que importa que o terceiro ganhe 2 (jogadas) de seguida, se mesmo quando ele ganha trinta, tudo isto é supérfluo? A consequência, como você bem a chamou, "esta invenção", de estender o jogo a um certo número de jogadas serve apenas para tornar a regra fácil e (de acordo com a minha opinião) tornar todas as hipóteses iguais; ou melhor, mais logicamente, para reduzir todas as fracções ao mesmo denominador.

Fermat volta a chamar a atenção de Pascal para as condições verdadeiras do jogo (quando um jogador ganha, o jogo termina), e fá-lo usando a combinação acc (ver 5º e 6º parágrafos do ponto 4, da 4ª carta). 

       Para que você não tenha dúvidas, se em vez de três pessoas você alargar a conjectura para quatro, não haverão apenas 27 combinações mas 81; e será necessário ver quantas combinações fazem o primeiro ganhar o seu ponto mais tarde do que cada um dos outros ganhar dois e, quantas combinações farão cada um dos outros ganhar dois [pontos] mais tarde do que o primeiro ganhar um. Você verá que as combinações que fazem o primeiro ganhar são 51 e para cada um dos outros dois são 15, o que se reduz para a mesma proporção. Por conseguinte, se você tirar 5 jogadas ou qualquer outro número que quiser, você vai sempre encontrar 3 números na proporção de 17, 5, 5. E, de acordo com isto, estou certo em afirmar que a combinação acc é [favorável] apenas para o primeiro e não para o terceiro, e que cca é apenas para o terceiro e não para o primeiro e, consequentemente a minha lei de combinações é a mesma para 3 jogadores como para 2, e em geral para todos os números.

Fermat insiste em mostrar a Pascal que a sua lei de combinações é válida para todo o número de jogadores. Para isto, usa mais uma vez a combinação acc, para o caso de 3 jogadores, salientando sempre a importância da ordem das jogadas. Enquanto que, para Pascal, a combinação acc era favorável ao 1º e 3º jogadores, para Fermat, dado que o 1º carece de um ponto, é favorável apenas ao 1º. Para melhor evidenciar esta conjectura, Fermat usa também a combinação cca, favorável apenas ao 3º jogador, e não a ambos como defende Pascal.

2.     Você já viu através da minha carta anterior que não levantei objecções à verdadeira solução da questão dos 3 jogadores sobre a qual lhe envio os 3 números definitivos 17, 5, 5. Mas, porque o Sr. Roberval vai provavelmente ficar mais satisfeito em ver uma solução sem qualquer dissimulação e porque poderá talvez render-se a abreviações em muitos casos, aqui está um exemplo:

       O primeiro poderá ganhar numa única jogada, ou em duas, ou em três.

Neste ponto (2), Fermat  insiste na sua divisão da aposta (17, 5, 5) e para esclarecer o Sr. Roberval dá um exemplo (a sublinhado), apresentando de seguida os argumentos que o conduzem à tal divisão. 

       Se ele ganhar num único lançamento, é necessário que ele faça um lançamento favorável com um dado de 3 faces à primeira tentativa. Um único dado irá conceder 3 hipóteses. O jogador tem então 1/3 da aposta porque irá jogar apenas um terço.

 

       Se ele jogar 2 vezes, poderá ganhar de 2 maneiras,- ou quando o segundo jogador ganha a primeira e ele a segunda, ou quando o terceiro ganha a jogada e quando ele ganha a segunda. Mas, 2 dados produzem 9 hipóteses. O jogador tem então 2/9 da aposta quando eles jogam duas vezes.

 

       Mas, se ele jogar 3 vezes, ele pode ganhar apenas de 2 maneiras, ou o segundo ganha na primeira jogada e o terceiro ganha na segunda, e ele na terceira; ou quando o terceiro ganha a primeira jogada, o segundo a segunda, e ele a terceira; pois se o segundo ou o terceiro jogador ganha as 2 primeiras, ele irá ganhar a aposta e o primeiro jogador não. Mas 3 dados dão 27 hipóteses, nas quais o primeiro jogador tem 2/27 das hipóteses quando eles jogarem 3 partidas.   

       A soma das hipóteses que fazem o primeiro jogador ganhar é consequentemente 1/3, 2/9, e 2/27, que dá 17/27.

 

       Esta regra é boa e geral para todos os casos do género, onde, sem recorrer a supostas condições, as verdadeiras combinações de cada número de jogadas dão a solução e, tornam claro o que eu disse no início, que a expressão para um certo número de pontos não é nada mais do que a redução das diversas fracções ao mesmo denominador. Em poucas palavras, é «o todo» do mistério, que nos reconcilia sem qualquer dúvida no entanto, cada um de nós procurou apenas razão e verdade.

 

Fermat refere mais uma vez o quão adequada é a sua regra a todos os casos do género, sempre partindo das condições verdadeiras. Apesar de o estudo ter sido feito individualmente, agora que o problema está resolvido, Fermat acredita na "reconciliação" dos dois matemáticos.

3.     Espero enviar-lhe, no dia de São Martinho, um resumo de tudo o que descobri de anotações que dizem respeito a números. Permita-me ser conciso, [visto ser suficiente] para me dar a entender a um homem [como você] que compreende o todo com poucas palavras. O que você irá achar de mais importante em relação ao teorema de que cada número é composto por 1, 2 ou 3 triângulos;(1) por 1, 2, 3 ou 4 quadrados; por 1, 2, 3, 4 ou 5 pentágonos; por 1, 2, 3, 4, 5, ou 6 hexágonos, e assim até ao infinito.

Neste último ponto, Fermat dá a conhecer algumas das suas descobertas relacionadas com propriedades de números.

 

       Para obter isto é necessário mostrar que todo o número primo maior que um múltiplo de 4, uma unidade, é composto por 2 quadrados, como 5, 13, 17, 29, 37, etc.

       Dado um número primo maior deste tipo, como 53, encontrar, através de uma regra geral, os 2 quadrados que o compõem.

       Todo o número primo maior que um múltiplo de 3, uma unidade, é composto por um quadrado e por um triplo de outro quadrado, como 7, 13, 19, 31, 37, etc.

       Todo o número primo maior que um múltiplo de 8, uma ou 3 unidades, é composto por um quadrado e pelo dobro de outro quadrado, como 11, 17, 19, 41, 43, etc.

       Não existe nenhum triângulo de números cuja área é igual a um número quadrado.

       Isto vem de uma invenção de muitos teoremas, com os quais Bachet se consagrou a si próprio ignorante e que faltam em Diofante.

 

       Estou convencido que assim que você tenha conhecimento da minha maneira de demonstrar este tipo de teoremas, lhe irá parecer boa e que lhe dará a oportunidade para uma multidão de novas descobertas, pois tal segue como sabe de que multi pertranseant ut augeatur scientia(2).

       Quando tiver tempo, falaremos posteriormente de números mágicos e resumirei o meu anterior trabalho  sobre este assunto.

       Eu sou, Sr, cordialmente o seu

Fermat

       25 de Setembro.

       Estou a escrever isto do campo, e isto poderá atrasar as minhas respostas durante as férias.

Fermat elogia o seu próprio modo de demonstrar teoremas semelhantes aos anteriores, mostrando-se seguro de que Pascal o irá não só apreciar como dele retirar alguns benefícios (descobertas).

Para terminar, Fermat propõe a Pascal uma conversa futura acerca de números mágicos, para além de se dispor a resumir o seu trabalho sobre este assunto.

 


Notas do editor:

(1) Números triangulares.

(2) muitos vão longe com o aumento da sabedoria.

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt