A MÃO -
PRIMEIRA
“MÁQUINA DE CONTAR”
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Fig. 5 - Técnica de contagem manual usada na Índia. China e Indochina, que faz intervir em cada mão as quatorze falanges dos dedos. |
Uma
aplicação deste método de contagem referida por um chinês de Cantão tem por base
o ciclo natural da mulher. Esta deve amarrar, consecutivamente, um fio em torno
de cada uma das 28 falanges das suas mãos a partir da falange superior do dedo
mínimo esquerdo até à falange superior do polegar direito, o que lhe permite, em
caso de irregularidade, contar o número de dias de atraso ou avanço em relação
ao o seu ciclo normal.
Um método análogo foi utilizado por Beda, “o Venerável” (673, 735), para a
contagem dos vinte e oito anos do ciclo solar. Esta contagem iniciava-se num ano
bissexto e começava na falange superior do dedo mínimo e fazia-se
horizontalmente em vaivém de alto a baixo (fig. 6). Depois de ter atingido a
falange inferior de indicador esquerdo, isto é, o décimo segundo ano do ciclo,
prosseguia na mão direita iniciando a contagem pela falange superior
do indicador direito. Os últimos quatro anos do ciclo acabava então nas falanges
dos dois polegares.
(fig. 6)
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Fig. 6 - Contagem manual utilizada na Irlanda no século VII por Beda, o Venerável. Trata-se de um método que permite considerar os vinte e oito anos consecutivos do ciclo solar do calendário juliano com seus períodos bissextos (o asterisco junto dos números 1, 5, 9, 13, 17, 21 e 25 indica precisamente cada um deles). |
Para contar os dezanove anos do ciclo lunar ( período de tempo no final do qual
as fases da Lua devem retornar às mesmas datas), Beda usava as 14 articulações e
as 5 unhas da mão esquerda. Para a contagem começava pela base do polegar e
atingia o décimo nono ano do ciclo com a unha do dedo mínimo.(fig. 7)
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Fig. 7 - Contagem, numa só mão, dos dezenove anos do ciclo lunar, utilizada por Beda. |
Um outro procedimento de contagem faz-se sobre as juntas dos dedos da mão. Foi
usado na Índia do Nordeste, em Calcutá e na região de Dacca, no Bangladesh. Num
texto de N. Halhed do séulo XVIII pode-se ler:
“Ainda nos nossos dias, os bengaleses se servem das juntas dos dedos para
calcular, começando pela articulação interior do mínimo e voltando na direcção
do polegar, cuja barriga conta como uma junta e assim a mão inteira contém o
número 15. Dessa maneira de contar nas juntas veio o costume bem conhecido entre
os comerciantes indianos, de fixar todos os preços de compra e venda dando-se as
mãos sob um tecido; e, então, tocam-se as diversas articulações segundo querem
aumentar ou reduzir as suas ofertas mútuas.” (cit in Ifrah, G. (2000), Tomo I,
pag.97).
Este sistema dá, em cada mão, o número de dias do mês hindu (15 dias)
coincidência que não se pode considerar fortuita. Segundo J.-G. Lemoine “O ano
hindu (de 360 dias) compõe-se de 12 estações (Nitus) de 2 “meses” cada uma
(Masas). Um mês (de 15 dias) representa uma das fases da Lua (Paksha), o
seguinte outra fase. A primeira fase, crescente, chama-se Rahu, a segunda,
minguante, Ketu. Uma divisão mais primitiva considera um mês de 28 dias, tornado
mais exacto com o progresso astronómico e aproximado à duração real da revolução
lunar, ou seja, de 29 dias e 12 horas.” (cit in Ifrah, G. (2000), Tomo I,
pag.97). Este facto é reforçado pelo facto de, na Índia, se encontrar o sistema
de contagem baseado nas 28 falanges (fig. 8).
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Fig. 8 - Técnica de contagem manual (utilizada outrora na Índia e notadamente em Bengala) fazendo intervir as articulações dos dedos (aos quais é acrescentada a barriga do polegar). |
Este sistema encontra-se em quase todo o mundo islâmico e corresponde a uma
prática religiosa, já que, por tradição, os muçulmanos se serviam dela para
enumerar os 99 “Atributos magníficos de Alá” ou ainda, para contar as eulogias
sub-rogatórias (subha) que se diziam e ainda dizem depois das preces
obrigatórias. Por outras palavras, os muçulmanos precisavam de usar este tipo de
contagem por não disporem ainda de um rosário para as suas orações.
Eis como a contagem se
efectua: toca-se sucessivamente, em cada mão, cada uma das juntas dos dedos,
ciente de que a barriga de cada polegar conta como uma articulação. Começa-se
pela articulação inferior do mínimo esquerdo e, de acordo com a descrição
anterior, atinge-se o 15 ao tocar a junta superior do polegar esquerdo, e depois
o 30 utilizando de igual forma a mão direita. Chega-se a 33 considerando as
extremidades respectivas do mínimo, anelar e médio da mão direita ou recontando
as três articulações consecutivas do indicador direito. Ao repetir três vezes
seguidas este procedimento atingimos 99.
A
mourre: um jogo de dedos
A mourre é um jogo social muito divulgado desde a Antiguidade. Pratica-se
geralmente a dois e usam-se os dedos.
Os parceiros ficam face a face com o punho fechado na frente. A um sinal dado
cada um abre a mão e eleva o número de dedos que quer, ao mesmo tempo que diz um
número de 1 a 10. Aquele que disser o número igual ou mais próximo ao número
total de dedos elevados ganha um ponto. Este jogo com algumas variantes ainda
hoje é vulgar. Por exemplo, Lemoine conta que, para complicar o jogo, na China,
em vez de criar algarismos, os jogadores devem encontrar e dizer o começo, de
uma citação célebre que se refira ao número correspondente:
a. Um homem morto não tem parentes nem amigos -1;
b. Dois avisos valem mais que um - 2;
c. Quatro olhos vêem melhor que dois - 4;
d. ...
Na antiga Roma era usual que duas pessoas em litígio concordassem em resolver a
questão com uma partida de morra, da mesma forma que hoje se utiliza a
moeda ao ar.
Fig. 10
- Representação do jogo da mourre num dos estuques da Farnesina, em Roma.
Uma antiga contagem à maneira
dos surdos-mudos
Com
a ajuda de gestos executados com uma mão, ou com as duas ao mesmo tempo, este
método permite representar todos os números desde 1 a 9999.
Vejamos duas descrições do seu mecanismo. A primeira data do século VII, e pode
ser encontrada na obra De ratione temporum, de Beda, “o Venerável”. A
segunda consta no dicionário persa do século XVI, Farhangi Djihangiri,
traduzido e comentado em francês por Sylvestre de Sacy no século XIX. Embora
escritos com nove séculos de intervalo e em regiões tão distantes uma da outra
como a Irlanda e a Pérsia, é notável a semelhança dos dois processos.
Estes dois textos mostram como, numa primeira mão ( a esquerda para os
ocidentais e a direita para os orientais) se utiliza separadamente o dedo
mínimo, o anelar e o médio para representar as unidades simples e, quer o
polegar, quer o indicador, quer os dois, para as dezenas. Na outra mão,
representam-se as centenas e os milhares por gestos respectivamente simétricos à
dezenas e às unidades.