A MÃO - PRIMEIRA “MÁQUINA DE CONTAR”
 

 Esta gestualidade,  muito antiga e conhecida desde a Antiguidade, subsistiu até uma época muito recente.

Os egípcios do Antigo Império já a usavam como se pode ver em gravuras da época. Aliás parece haver consenso que o Egipto é o local de origem deste sistema de contagem.
(fig.12)

Fig. 12 - Uma contagem digital particular num monunento egípcio do Antigo Império
(Vª dinastia: século XXVI a.C.).

 
Como escreve Juan Perez de Moya no seu Tratado de mathematicas de 1573: “Essa maneira de contar não se sabe quem a inventou, mas como os egípcios eram amigos de poucas palavras, é deles que ela deve porvir”
(cit in Ifrah, G. (2000), Tomo I, pag.108).

Também na Grécia antiga, esta maneira de contar foi igualmente usada. Na obra Vidas dos homens ilustres de Plutarco pode-se ler: “Tal como nos cálculos, os dedos daqueles que contam valem dez mil e tantas vezes a unidade, assim também os favoritos dos reis podem ser ou tudo ou quase nada”.
(cit in Ifrah, G. (2000), Tomo I, pag.108).

Entre os romanos encontram-se igualmente vestígios e, nos achados arqueológicos do início da era cristã, contam-se algumas tessaras numéricas. São pequenas peças de osso ou marfim que representam cada uma certa soma de dinheiro e que os cobradores romanos davam aos contribuintes como “recibo”. Daí que, numa das faces, apareça uma figura digital do sistema descrito e, na outra, cifras romanas com o valor correspondente.

Já Juvenal nas Sátiras, relativamente a Nestor, rei de Pilos escreve: “Feliz Nestor que, tendo passado a centena; conta já os anos na mão direita!” (cit in Ifrah, G. (2000), Tomo I, pag.108). Sabemos que os romanos contavam as unidades e dezenas na mão esquerda e as centenas e milhares na direita.

Uma outra característica importante deste tipo de contagem que, simultaneamente, revela a sua proximidade à linguagem gestual dos surdos-mudos é o facto de ela ser silenciosa. Como tal, ela pode, por exemplo, ser utilizada por um espião enviado ao campo inimigo a fim de saber a força numérica do adversário pode, com um simples gesto, informar de bem longe os seus generais.

Este tipo de contagem manual foi muito utilizada no Ocidente até ao fim da Idade Média tendo constituído um importante instrumento pedagógico (fig. 13). A atestá-lo, o sucesso de uma obra de Beda intitulada De computo vel loquela digitorum, obra que constituiu um dos mais notáveis instrumentos do ensino do Quadrivium (composto de aritmética, geometria, astronomia e música teórica) no contexto curricular medieval  das Sete Artes Liberais.

Fig. 13 – A contagem manual numa obra de matemática, publicada em Veneza em 1494. Extraído da obra de Luca Pacioli, intitulada Summa de Arithmetica, Geometrica, proportioni e proportionalita.

 
No início do século dezoito o seu uso era ainda comum entre os estudiosos europeus. De tal mdo que um manual de aritmética só se considerava completo se contemplasse explicações detalhadas sobre contagem digital. Só com a progressiva difusão do cálculo escrito, a partir da utilização de algarismos “arábicos”, essa aritmética manual perdeu a sua importância.

Fig. 14 - A mesma gestualidade numa obra de aritmética publicada na Alemanha em 1727.
Jacob Leupold, Theatrum Arithmetico-Geometricum.

 Um último apontamento sobre a importância da numeração digital tem a ver com a etimologia da palavra digital. Assim, na Idade Média, porque, as unidade simples eram representadas mediante gestos que se referem aos dedos de uma mão e as dezenas mediante gestos que se referem às articulações, as palavras digiti (=os dedos) e articuli (=as articulações) vieram a designar respectivamente, as unidades simples e as dezenas. Donde, por extensão, o termo digito designa ainda hoje um signo que representa uma qualquer das nove unidades de primeira ordem da numeração decimal. De digiti vem a palavra inglesa digit, no sentido de algarismo. Daí que a expressão digital calculation, significou cálculo mediante algarismos.

Desde o desenvolvimento dos computadores o sentido dessa expressão estendeu-se a todo o método de tratamento de informação em que esta é representada por uma grandeza física variável e discreta, isto é, composta de unidades fisicamente distintas e exprimível mediante algarismos e outros símbolos.


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